O que estão compartilhando: que, nos últimos anos, as vacinas contra a covid-19 estão relacionadas ao aumento de casos de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em pessoas de até 40 anos no Brasil: mais de 234 mil.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. Especialistas do Hospital do Coração (HCor) e do Hospital Albert Einstein afirmam que não há qualquer estudo que aponte relação das vacinas covid e casos de infarto e AVC. Pelo contrário, a literatura científica mostra o efeito protetivo contra esses problemas de saúde, já que as vacinas previnem a infecção grave por covid - esta sim um fator de risco para infarto e AVC. Dados do Ministério da Saúde confirmam aumento no atendimento a pessoas de até 40 anos por infarto e AVC entre 2020 e 2024. No entanto, segundo os profissionais ouvidos pelo Verifica, o crescimento está ligado a fatores de risco como obesidade, hipertensão, colesterol alto e má alimentação, entre outros.
Saiba mais: a postagem foi feita pelo deputado estadual de Santa Catarina Alex Brasil (PL). Em junho, o Verifica mostrou que outro post dele sobre aumento de gelo na Antártica enganava o negar o aquecimento global que, segundo ele, seria uma "arma ideológica" e não um fato científico.
Desta vez, o deputado ataca as vacinas contra a covid ao relacioná-las ao aumento de casos nos últimos anos de infarto e AVC em pessoas de até 40 anos. Ele escreve no Instagram: "coincidência ou consequência? As vacinas contra cov¡d, empurradas goela abaixo com promessas de 'salvação', agora levantam sobrancelhas". A associação, no entanto, é falsa.
O deputado foi procurado, mas não respondeu.
Dados do Ministério da Saúde
O Verifica consultou o Ministério da Saúde, que disponibilizou os dados disponíveis desde 2020. Em relação aos atendimentos no SUS por infarto no País em pessoas de até 40 anos, foram 61,2 mil em 2020, 58,1 mil em 2021, 67,3 mil em 2022, 71 mil em 2023 e 71,6 mil em 2024. Até julho de 2025, houve 39,9 mil registros. Na comparação entre 2020 e 2024, houve um aumento de cerca de 17%.
Já em relação aos atendimentos na rede pública por AVC na mesma faixa etária, foram 46,9 mil em 2020, 75,6 mil em 2021, 95 mil em 2022, 92,5 mil em 2023 e 104,2 mil em 2024. Até julho de 2025, foram 55,3 mil atendimentos. Entre 2020 e 2024, o crescimento é de cerca de 122%.
O Ministério da Saúde explica que os números representam quantidade de atendimentos ambulatoriais e internações, podendo representar mais de uma ocorrência por pessoa.
Aumento tem relação com fatores de risco, não com vacina
O dado explorado equivocadamente pelo deputado consta em matéria do Metrópoles publicada em julho. A reportagem utilizou dados do Ministério da Saúde mostrando que, entre 2022 e 2024, foram registrados mais de 234 mil atendimentos hospitalares por infarto em pessoas com menos de 40 anos no Brasil. O texto não cita a vacina contra a covid, nem dados de AVC.
O número difere do repassado ao Verifica: como mostrado acima, foram cerca de 210 mil atendimentos por infarto de 2022 a 2024. Segundo o Ministério da Saúde, a discrepância entre os dados é explicada pela atualização dos sistemas, o que pode resultar em queda nos números.
Em janeiro, o Estadão mostrou que, em duas décadas, internações por infarto abaixo dos 40 anos no Brasil subiram mais de 184%: 1,7 casos por 100 mil habitantes em 2000 para quase 5 em 2022. A reportagem também não faz qualquer menção à vacina covid.
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As reportagens citam predisposição genética, obesidade, colesterol alto, hipertensão, tabagismo, uso de drogas, de anabolizantes, estresse, má alimentação e sedentarismo dentre os fatores associados ao aumento de infarto entre jovens.
"São os fatores de risco, e eles sempre existiram", explicou ao Verifica o cardiologista do Hospital do Coração (HCor) e especialista em infarto Leopoldo Piegas.
O cardiologista afirma que os fatores de risco podem estar mais exacerbados atualmente, mas nega que exista uma epidemia de infarto em jovens.
"As gerações mais jovens hoje têm mais risco do que há 30 anos", disse. "A obesidade, hipertensão e o consumo de alimentos com mais gordura e sal, por exemplo, estão mais comuns. Mas não vejo uma 'epidemia' de casos de infarto em jovens, como se pudéssemos dizer: 'olha, tem uma coisa aqui que antes não havia'".
O cardiologista nega que as vacinas contra a covid tenham relação com infarto em jovens. "Não tem nada provado sobre isso. Não existe nenhum estudo bem feito que mostre isso", concluiu.
Vacinas contra covid têm efeito protetivo contra infarto e AVC
Por outro lado, segundo o cardiologista, estão comprovados os efeitos protetivos da vacina contra danos no coração provocados pela covid-19. Segundo Piegas, a infecção pelo vírus da covid-19 provoca inflamação dos vasos das artérias que irrigam o coração, causando infarto.
"Houve casos de infarto provocados por covid, eu vi isso acontecer no hospital, principalmente nas fases mais agudas da pandemia", lembrou. "E o que controlou a pandemia? Foram as vacinas, sabemos disso".
Infectologista e coordenadora do Centro de Vacinação do HCor, Morgana Padilha explica que, até o momento, nenhum estudo constatou relação causal entre os imunizantes e casos de infarto e AVC. Assim como Piegas, ela destaca o efeito inverso, protetivo da vacina.
"A vacina foi um fator protetor para esses eventos, como mostra um estudo feito com toda a população adulta na Suécia", disse Morgana.
O estudo a que ela se refere foi publicado no European Heart Journal em setembro de 2024, com o título "Cardiovascular events following coronavirus disease 2019 vaccination in adults: a nationwide Swedish study" (em português, Eventos cardiovasculares após a vacinação contra a doença por coronavírus 2019 em adultos: um estudo nacional sueco).
O estudo analisou dados de mais de 8 milhões de adultos e constatou que a vacinação completa, especialmente após a terceira dose, reduziu substancialmente o risco de eventos mais graves como o enfarte do miocárdio, a insuficiência cardíaca e o AVC provocados pela covid.
Segundo editorial do European Heart Journal sobre o estudo, a vacinação é uma medida preventiva crucial para reduzir o impacto cardiovascular da covid, especialmente os danos mais graves.
AVC: aumento ligado também a fatores de risco
Neurologista do Hospital Albert Einstein, Gisele Sampaio explica que diversos estudos publicados por grupos independentes investigaram eventos cardiovasculares e neurológicos após a vacinação contra a covid-19. Segundo Gisele, nenhum deles traçou relação causal entre os imunizantes e AVC.
Por outro lado, acrescenta Gisele, a infecção por covid "está associada a aumento claro do risco de AVC". Ela também destaca o efeito protetivo da vacina. "Ou seja, o risco de AVC é muito maior após ter covid do que após vacinar. Assim, a vacinação reduz o risco ao prevenir infecções que por si aumentam o risco vascular."
De acordo com Gisele, os fatores associados ao aumento de casos de AVC entre pessoas de até 40 anos são obesidade, hipertensão e diabetes. A ocorrência desses problemas tem aumentado entre jovens.
Outros fatores, como tabagismo e uso de outras substâncias, como drogas e álcool, também impactam no risco de AVC. A neurologista destaca ainda sedentarismo e maior consumo de alimentos ultraprocessados como comportamentos de risco.
Gisele observa que o aumento de casos também pode refletir o melhor acesso ao diagnóstico, com mais oferta de exames de imagem.