Em meados de setembro, os primeiros casos de intoxicação por metanol começaram a aparecer na cidade de São Paulo, após as vítimas ingerirem bebidas alcoólicas destiladas. A situação escalou para o quadro atual, com 24 casos de intoxicações confirmados pelo Ministério da Saúde e 5 mortes. Enquanto as Polícias Civil e Federal trabalhavam para investigar como o tóxico se espalhou, nas redes sociais via-se a exploração da tragédia por meio de conteúdos falsos nas redes sociais.
A tendência de desinformação mais comum observada pela equipe de checagem do Estadão foi a de afirmar que outros alimentos estariam contaminados com o metanol. O Verifica recebeu e identificou publicações de conteúdos que afirmavam que itens como café, Coca-Cola e leite de caixa estariam contaminados com o tóxico.
Todas essas alegações foram negadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Ministério da Agricultura e Pecuária e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), que informaram não ter nenhuma notícia de contaminação por metanol em bebidas não alcoólicas.
Nos casos descritos, os vídeos usavam inteligência artificial para distorcer a imagem da jornalista Renata Vasconcellos e simular notícias sobre intoxicações no Jornal Nacional.
O Verifica encontrou até mesmo anúncios de venda de supostos canudos "anti-metanol". Essas postagens levavam à aplicação de golpes virtuais - já que ainda nem existe um produto desse tipo no mercado.
Para além dessas postagens desmentidas pela equipe do Verifica, surgiram nas redes teorias de conspiração afirmando que os casos de intoxicação por metanol poderiam indicar uma nova pandemia ou uma nova forma de controle sobre as bebidas alcoólicas.
Desde a pandemia de covid-19, não é incomum que crises em saúde sejam acompanhadas de amplo compartilhamento nas redes sociais e, muitas vezes, desinformação. Em tempos como esses, estamos ficando mais suscestíveis às mentiras?
Estamos mais suscetíveis a acreditar em mentiras em tempos de crise?
A crise das intoxicações com metanol de fato exige cuidado. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recomendou que a população evite o consumo de bebidas alcoólicas destiladas. Os sintomas podem demorar de 6 a 72 horas para aparecer.
A recomendação é procurar imediatamente o serviço de emergência médica mais próximo ao apresentar sinais de: sensação de embriaguez que não passa, dor de cabeça, tontura e confusão mental acompanhada de náuseas, vômitos, dor abdominal forte ou desconforto gástrico.
Embora realmente exista motivo para preocupação, nas redes sociais tudo fica exacerbado.
O professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Antônio Jaeger explicou ao Verifica que diante de uma ameaça real, como a do metanol, é natural que o medo e a ansiedade deem espaço para acreditar que a tragédia vai acontecer conosco.
"A facilidade de acreditar em desinformação é um efeito de proteção do ser humano, de se evitar o máximo uma perda real, seja de saúde, seja da própria vida", explicou Jaeger.
Essa insegurança natural do ser humano pode fazer com que as pessoas acreditem em conteúdos desinformativos. O medo acaba impedindo que o usuário de redes sociais reflita sobre o que está consumindo.
"Como estamos em alerta, a gente não consegue pensar na estatística de que são 5 mortos e 24 casos confirmados em um País de 200 milhões de pessoas", afirmou o professor da UFMG. "Nosso cérebro não não é estatístico, ele vê fatos e a gente logo pensa o que aquilo pode afetar a gente".
O professor cita outro ponto, mais simples, que nos faz acreditar em notícias falsas em momentos de crise: "Somos seres que acreditam, geralmente".
Pesquisadores de desinformação apontam que outros fatores psicológicos entram em jogo em períodos de vulnerabilidade. Geralmente, as pessoas querem encontrar maneiras mais simples de resolver problemas complexos. Outro comportamento comum é pensar no automático e fazer julgamentos rápidos. Tudo isso favorece o risco de cair em desinformação.
Como lidar com postagens do tipo?
Antes de acreditar, é necessário se certificar de que as informações que você recebeu são confiáveis e foram confirmadas por órgãos oficiais - principalmente em casos de alerta como a que vivemos com o metanol. Alguns conceitos psicológicos listados pela organização First Draft podem auxiliar na prevenção da desinformação:
adotar o ceticismo: ter consciência do potencial de manipulação e desejo de compreender se o conteúdo é verdade ou não; adotar o ceticismo emocional: ter consciência do potencial da manipulação através das suas emoções, ter um momento de calma antes de compartilhar uma publicação chocante, mas falsa; adotar o pensamento analítico: avaliação cuidadosa ao invés de julgamentos precipitados sobre o assunto ou conteúdo em questão pode ajudar a identificar uma desinformação.