O que estão compartilhando: que não existia qualquer ajuda humanitária a bordo da flotilha com destino a Gaza. Postagens nas redes sociais afirmam que "havia sim muitas garrafas de bebida vazias e embalagens de preservativo usados". Conteúdos repercutem a alegação de Israel de que os barcos não carregavam doações aos palestinos.
O Estadão Verifica checou e concluiu que: é falso. Mais de cem vídeos e fotos divulgados pela Global Sumut Flotilla nas últimas semanas comprovam que os barcos carregavam suprimentos em direção a Gaza, como caixas de alimentos e remédios. O Ministério das Relações Exteriores de Israel informou ter localizado duas toneladas de mantimentos nos 42 barcos da flotilha, quantidade que considera insuficiente. Não há registro de que garrafas de bebidas e camisinhas usadas tenham sido encontradas nas embarcações.
Saiba mais: No dia 1º de outubro, as Forças Armadas de Israel detiveram uma flotilha com aproximadamente 40 embarcações que transportavam ativistas pró-Palestina que tentavam romper o bloqueio israelense à Faixa de Gaza e levar mantimentos.
A alegação sobre a ausência de suprimentos na flotilha passou a circular após um vídeo publicado no Instagram, no dia 2, por Dean Elsdunne, porta-voz internacional da Polícia de Israel.
O porta-voz gravou o interior de um barco, afirmando estar dentro de um dos maiores navios da flotilha. Ele disse que estava faltando "toda a ajuda que eles deveriam levar para Gaza". Na descrição da publicação o autor pergunta: "onde está o auxílio?".
O Ministério das Relações Exteriores de Israel repercutiu no X (antigo Twitter) o conteúdo de Elsdunne. O governo comentou que a polícia de Israel estava procurando ajuda humanitária que iria a Gaza, "o único problema: até agora eles não encontraram muita coisa".
No dia seguinte, o site de notícias The Jerusalem Post publicou que o ministério teria informado que nenhuma das 40 embarcações participantes da Flotilha Global Sumud transportava ajuda humanitária. Contudo, no site do órgão não há comunicado nesse sentido.
Novamente no X, no dia 6, o ministério informou que as 42 embarcações apreendidas levavam apenas 2 toneladas de doações.
"Não é de se admirar que a flotilha Hamas-Sumud, que oferece ajuda falsa, tenha rejeitado todas as propostas de Israel, Itália e Grécia para descarregar pacificamente a ajuda para Gaza em um dos portos regionais: depois de verificar todos os navios e iates da flotilha, a 'ajuda' total que encontramos chegou a apenas 2 toneladas em 42 embarcações. Isso equivale a menos de um décimo de um único caminhão de ajuda!", publicou o ministério.
A organização da flotilha não divulgou a quantidade de donativos enviados nas embarcações. Em nota, a Global Sumut Flotilla afirmou que o objetivo era furar o bloqueio de Israel à Faixa de Gaza e abrir um corredor humanitário para entregas de ajuda.
"Os suprimentos que transportamos eram reais e representativos: reais porque eram urgentemente necessários e representativos porque navios civis não podem transportar toda a ajuda de que Gaza necessita, o que só se torna possível quando o bloqueio é levantado", afirma a nota.
Fotos e vídeos mostram donativos dentro das embarcações da flotilha
Fotos e vídeos publicados desde o final do mês de agosto comprovam que as embarcações carregavam suprimentos de saúde e alimentação.
Em uma nota publicada na última sexta-feira, 3, a Global Sumut Flotilla, que organiza a mobilização, disponibilizou um link com imagens da ajuda humanitária. Os 146 registros disponíveis mostram fotos e filmagens feitas desde a coleta das doações, transportes, deslocamentos no porto e ao interior das embarcações.
É possível ver caixas com itens de socorro, como algodão, gaze, máscara, luva, soro e curativo. As imagens ainda mostram que havia comida de bebê, como papinhas e leite em pó, e pacotes de alimentos, como arroz, lentilha e enlatados. Além disso, há pacotes de remédios para convulsões, alergias, anti-inflamatórios, hipertensão, anestésicos e outros.
Os conteúdos disponibilizados pela Global Sumut Flotilla foram registrados antes e durante a viagem em direção a Gaza, que se iniciou em 15 de setembro a partir da Tunísia. O Verifica analisou os metadados das imagens e confirmou a data em que elas foram capturadas.
Metadados são informações contidas no arquivo das imagens que mostram quando e onde a fotografia foi feita. Os metadados podem ainda informar o modelo de câmera e o autor das imagens. Embora eles possam ser alterados, são evidências bastante robustas da veracidade das fotos e vídeos.
Ainda é possível visualizar fotos de doações feitas por entidades, como a Asociación José Guardia Necesidades Sin Fronteras, da Espanha. Procurada pela Verifica, a entidade confirmou que entregou 10 caixas com ajuda humanitária a ser levada pelos barcos da flotilha.
Em um dos vídeos, a ativista sueca Greta Thunberg, uma das lideranças da flotilha, aparece organizando caixas dentro de um barco.
Outras gravações mostram compartimentos das embarcações preenchidos inteiramente com comida.
Os participantes da flotilha publicaram outras provas nas redes sociais. No Instagram, a jornalista Mathilda Mallinson, do veículo Middle East Eye (MEE), que tem sede no Reino Unido e divulga notícias principalmente do Oriente Médio, documentou a existência de doações nos barcos (1 e 2). Greta também compartilhou um vídeo, ao longo da viagem, que mostra ativistas organizando mantimentos.
Outro vídeo publicado pelo jornalista Kieran Andrieu, do veículo Novara Media, que tem base no Reino Unido, em 1º de setembro, mostra dezenas de caixas de suprimentos sendo carregadas aos barcos.
Em nota, a Global Sumud Flotilha afirmou ser falsa a alegação de Israel de que não havia ajuda humanitária nas embarcações. Conforme o posicionamento, os barcos foram carregados com suprimentos médicos, alimentos e outros bens essenciais, o que foi documentado por jornalistas, observadores de direitos humanos, parlamentares e organizações humanitárias.
O boletim de Atualização da Situação Humanitária da ONU nº 327, de 2 de outubro, disse que a população palestina enfrenta a deterioração do acesso aos meios de sobrevivência, "em meio a bombardeios intensificados, linhas de vida em colapso e um número crescente de organizações de ajuda forçadas a suspender suas operações". Há falta de água, comida, materiais de saúde e outros itens essenciais.
Em agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou, em agosto, que mais de meio milhão de pessoas em Gaza enfrentam "condições catastróficas caracterizadas por fome, miséria e morte", caracterizado pelo nível mais alto (Fase 5) da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC). A análise apontou ainda para mais um milhão de palestinos em situação de emergência (Fase 4) e aproximadamente 400 mil em crise (Fase 3).
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, mais de 2,5 mil pessoas foram mortas e 18,9 mil ficaram feridas ao tentarem acessar suprimentos de ajuda. Até 1º de outubro, foram relatadas 455 mortes relacionadas à desnutrição, incluindo 151 crianças. Ao todo, o órgão registrou 66,1 mortos e 168,7 mil feridos desde outubro de 2023.