Muro de igreja vira outdoor para propaganda ilegal de armas e de Bolsonaro

10 ago 2022 - 13h27

O muro de uma igreja evangélica foi usado como outdoor para fazer propaganda de armas e do presidente Jair Bolsonaro (PL), em Cascavel, no interior do Paraná. A congregação pertence à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e é liderada por um apoiador do presidente. O anúncio foi colocado por uma loja de armas e munições que fica ao lado do templo religioso. A propaganda é ilegal por descumprir o Estatuto do Desarmamento, de acordo com especialista ouvido pelo Estadão.

O anúncio foi compartilhado por internautas nas redes sociais e ainda está no local. A igreja fica na região central de Cascavel, município de aproximadamente 330 mil habitantes no oeste do Paraná. A propaganda exibe três pistolas vendidas pela loja, que fica ao lado da igreja. Quem passa pela rua vê a publicidade e, na sequência, a fachada do templo com uma cruz. O muro divide os dois terrenos. Além das armas, o outdoor traz uma foto de Bolsonaro com a frase "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", slogan usado pelo presidente para atrair o público cristão já em 2018.

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O pastor da igreja, reverendo Ednaldo Batista Ribeiro, é apoiador de Bolsonaro. Na campanha de 2018, ele fez uma pregação dizendo que "esta praga do PT tem que acabar, em nome de Jesus". Em abril deste ano, o pastor fez uma nova pregação dizendo ter uma mensagem divina para orientar os fiéis sobre como votar nas eleições de 2022. "Se aquele candidato é comunista, ele está contrário à Palavra de Deus", disse o reverendo da Igreja Presbiteriana, a mesma que discutiu recentemente uma proposta para afastar os cristãos da esquerda.

Ao Estadão, o líder religioso afirmou que o anúncio foi colocado pela loja de armas Pesca & Cia, que vende armas, munições e artigos esportivos. Como o muro é dividido, o estabelecimento colocou o anúncio no lado que pertence à loja. "Fica ruim para a igreja essa propaganda porque alguém que olha pensa que é nosso. Lamentamos, mas não temos o que fazer. Como estamos aqui há muitos anos, não vamos arrumar briga com o vizinho", disse o pastor.

Ele reforçou que a igreja não tem um candidato oficial e que o armamento é tratado pela instituição como um assunto de foro íntimo. "Se a pessoa quer ter uma arma, se ela tem condição psicológica para ter, dentro das normas e da lei, é um direito dela. Tem que desarmar os bandidos. Na igreja, ninguém vem armado, evidentemente."

O Estadão entrou em contato com o proprietário da loja, Adalberto Lavratti, mas ele desligou o telefone quando informado sobre o teor da reportagem. A reportagem também telefonou à loja em busca de manifestação sobre o caso. Não houve respostas.

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Fazer propaganda de armas é ilegal no Brasil. A única exceção, autorizada pelo Estatuto do Desarmamento, é para publicações especializadas, como revistas destinadas a quem consome esses equipamentos. A multa prevista para quem descumprir a lei varia de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Nesse caso, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é responsável por fiscalizar e aplicar sanções no âmbito administrativo. A propaganda pode ser derrubada pela Justiça, se houver um processo questionando a publicidade.

"Na minha leitura, a propaganda é ilegal porque a publicidade só pode ser feita em revista especializada. Ou seja, ela está fora do padrão e extrapola o limite", afirmou o advogado André Luís de Paula, especialista em processo legislativo, ao analisar o anúncio em Cascavel. O jurista assessorou a elaboração do parecer ao projeto de lei que libera a propagada de armas na Comissão de Segurança Pública da Câmara.

A proposta que autoriza a propaganda é de autoria do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro. Na justificativa do projeto, o parlamentar cita uma frase do pai ao dizer que "um povo armado jamais será escravizado" e uma declaração atribuída a Jesus Cristo na Bíblia: "o homem sem uma espada deve vender sua veste e comprar uma". O relator, deputado Eli Corrêa Filho (União-SP), apresentou um parecer contra o projeto na Comissão de Segurança Pública. O relatório, no entanto, foi derrotado e a comissão acabou aprovando a mudança, no dia 7 de junho deste ano. O texto ainda depende da análise de outras comissões da Câmara para avançar.

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