A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) criticou a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que derruba a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o atendimento e direito ao aborto legal em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Na visão da parlamentar, a tramitação da proposta nem deveria ter sido permitida por Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara.
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"Esse projeto não poderia nem tramitar. Quem está fazendo o que não poderia fazer, que é decidir sobre um procedimento médico, de saúde, de criança vítima, isso não pode ser decidido no âmbito do plenário da Câmara dos Deputados. Nem tudo é política, nem tudo é decisão entre maioria e minoria. Aqui, é a vida e a dignidade humana de pessoas, sobretudo de crianças, que devem ser prioridade absoluta e terem atendimento humanizado", argumentou a deputada em entrevista ao Terra Agora, nesta quinta-feira, 13.
Para a parlamentar, um dos pontos mais críticos do projeto é a argumentação de que a decisão sobre a realização do aborto deve ser feita pela família da vítima, sem o envolvimento da criança. Maria do Rosário considera esse um ponto problemático, pois na maioria das vezes o abusador é algum familiar da menor de idade. "Há situações em que, dentro da família, estão os abusadores. E são a maioria das situações. A maioria das crianças que sofrem abuso sofrem dentro de casa, por algum familiar ou pessoas conhecidas pela família."
"É muito importante que a criança seja escutada, além de analisada sua situação como criança, com o seu corpo, sua mente e seu desentendimento. Por isso, a gente diz que criança não é mãe. Estuprador não é pai, é violento e não pode ser premiado com a vítima sofrendo tanto", diz a deputada.
Maria do Rosário defendeu que a legislação brasileira prevê o aborto legal em duas circunstâncias: no caso de um estupro e de risco de vida para a gestante. Todas as menores de 14 anos que engravidam são vítimas de violência sexual e também correm risco de vida por não terem o corpo desenvolvido o suficiente para suportar uma gestação.
"Gerar demanda ter um corpo em condições de fazê-lo. Essa criança, que tem um corpo pequeno e foi vítima de um abuso... Talvez existam muitas que sequer sabem o que está acontecendo com o seu corpo, dada a situação de infância e violência em que vivem. Em geral, essa violência é praticada por integrantes da família. Então, não é razoável que os deputados queiram que a decisão seja exclusivamente do pai, do padrasto, da família, porque, quando eles estiverem envolvidos nisso, não será possível."
A deputada ainda criticou o uso de discursos religiosos para debater o assunto. "Muitas vezes se misturam as religiões, de forma a pensar que a Constituição é menos importante do que os textos religiosos. Não é. Nós devemos todos atender à dimensão civil da sociedade e resguardar os princípios da nossa religiosidade para a nossa vida privada e nossa família, mas olhar a sociedade de uma forma mais aberta e não fundamentalista", conclui Maria do Rosário.
Entenda o projeto
A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 5 a suspensão da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) de 2024, que trata do atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e a garantia de seus direitos.
A resolução do Conanda determina que a criança deve ter garantido o seu direito de acesso à informação sobre a possibilidade de aborto caso a gestação seja resultado de episódio de violência sexual, e permite também que o aborto seja feito sem a necessidade de lavrar boletim de ocorrência ou supervisão judicial relatando o caso.
A deputada Chris Tonietto (PL-RJ), autora do projeto, usa como um dos argumentos para a suspensão da resolução o fato de não haver especificada um limite temporal para a interrupção da gravidez, o que abriria brechas para o aborto legal ser realizado próximo às 40 semanas de gestação. Outro ponto criticado é que a regulamentação dispensa a autorização dos pais ou responsáveis para a realização do aborto.
O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado para entrar em vigor.