Como se formou nuvem de poeira que 'engoliu' interior de São Paulo

Acúmulo de grande quantidade de poeira causado por longo período sem chuvas e por queimadas aliado à forte tempestade e rajadas de vento de até 95 km/h explicam fenômeno que espalhou pânico e gerou caos, segundo meteorologista.

27 set 2021 - 16h51
Imensa nuvem de poeira vermelha foi observada no interior de São Paulo no domingo (26/9)
Imensa nuvem de poeira vermelha foi observada no interior de São Paulo no domingo (26/9)
Foto: Reprodução/Twitter / BBC News Brasil

Uma grande quantidade de poeira acumulada devido a um longo período sem chuvas e a queimadas constantes. Uma forte tempestade. Rajadas de vento de até 95 km/h.

O resultado da combinação disso tudo provocou a imensa nuvem de poeira vermelha que "engoliu" cidades do interior do Estado de São Paulo, como Ribeirão Preto e Franca, espalhando pânico e gerando caos.

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Segundo a meteorologista Carine Gama, da Climatempo, o fenômeno não é inédito e acontece com regularidade, apesar ter ocorrido desta vez de uma forma mais extensa e ganhado maior repercussão por causa das redes sociais.

"O que aconteceu é que a região norte do Estado de São Paulo, a faixa central e boa parte do Brasil Central passam por um longo período de estiagem (falta de chuvas). Ou seja, é natural durante nosso inverno não termos chuvas regulares, tanto é que a previsão de chuva média para o mês de agosto para a região de Ribeirão Preto é próxima dos 20 milímetros. Não chovia no centro e no norte do Estado de São Paulo, área mais afetada por essa nuvem de poeira, havia três meses", explica.

"Isso acabou deixando o solo muito seco. Paralelamente, sabemos que o número de queimadas aumentou e continuam bastante expressivas por boa parte do país. Por fim, a umidade do ar estava em níveis baixíssimos."

"Então, no domingo (26/9), tivemos uma intensa tempestade que se aproximava da região. Uma tempestade normal de chuva. Ela foi provocada pelo aumento das temperaturas, pelo aumento de umidade vindo da região amazônica e a formação de um cavado. O cavado é uma área de instabilidade dos médios níveis da atmosfera."

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"Quando essa tempestade intensa se aproximou dessa região que estava muito seca, com uma estiagem de três meses, tivemos uma frente de rajada, ventos muitos fortes. Esses ventos muito intensos levantaram as partículas de poeira que estavam no solo, tanto provocada pelas queimadas quanto pelo longo período de estiagem".

"Esses ventos, de até 95 km/h, suspenderam toda a poeira de áreas descampadas, de centros urbanos e de terras agrícolas próximas, favorecendo a formação de uma nuvem de poeira vermelha que estava meio que na frente de uma nuvem de tempestade".

Essa é a razão pela qual, segundo Gama, a população viu uma nuvem em tons "vermelhos e alaranjados".

"Só vimos estes tons por causa da poeira, mas caso ela não estivesse ali, teríamos visto o que normalmente vemos quando temos a aproximação de fortes áreas de instabilidade, aquela tonalidade azul-acizentada", assinala.

Segundo Gama, essa nuvem geralmente provoca falta de visibilidade.

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"Ela é uma nuvem muito densa; essa é a razão pela qual nos vídeos que vimos compartilhados nas redes sociais motoristas não conseguiam enxergar a um palmo de distância".

Mudanças climáticas?

Mas a nuvem de poeira vermelha gigante pode ter sido resultado das mudanças climáticas?

Gama diz que a associação não é direta.

Segundo a meteorologista, as nuvens de poeira e outros fenômenos parecidos, como tempestades de areia, são "condições meteorológicas comuns em áreas áridas e semiáridas do globo, como por exemplo os desertos".

"Então, não se trata de um fenômeno totalmente diferente, provocado pelo ser humano. É um fenômeno natural de áreas áridas e semiáridas".

"O Brasil é muito país muito extenso em seu território. E, durante o inverno, o interior do país fica árido, então é normal termos nuvens de poeira".

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"O grande destaque de ontem é que essa nuvem foi superextensa, atingiu milhares de quilômetros, mas durante o ano passado tivemos dois episódios de nuvens de poeira, também no interior de São Paulo, um em agosto e outro em novembro".

"Não é algo associado (diretamente) ao aquecimento global, é algo normal", reforça.

No entanto, as mudanças climáticas vêm, de fato, alterando o regime de chuvas do Brasil, ressalva Gama.

"Portanto, do ponto de vista climatológico, no interior do Brasil, que a gente chama de Brasil Central, é natural termos estiagem, não chove durante o inverno nessa região".

"O que acontece — e aí sim tem a ver com mudanças climáticas — é que as chuvas durante o período úmido, ou seja, durante a primavera e o verão, estão cada vez menores, mais atrasadas e com acumulados mais baixos".

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Resultado: essa redução de chuvas no período úmido deixa o solo mais seco em menos tempo, o que facilita a dissipação das queimadas e, em último grau, o acúmulo de poeira.

"Passamos de três meses sem chuvas, o que é normal, para quatro a cinco meses com pouca e muita irregularidade de chuva. O solo fica seco mais rápido do que deveria ficar. Ele acaba se tornando mais propício para que queimadas se dissipem, sejam elas causadas por pessoas que soltam balão ou fazendeiros que usam fogo para limpar o terreno", diz.

"Por outro lado, se o solo não estiver seco, é mais difícil de pegar fogo. Então, se a chuva acontece naturalmente ao longo do da primavera e do verão e durante o outono começa a diminuir, o inverno não teria solos tão secos. Não somente o solo onde a gente pisa, mas também em profundidade".

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