Presa por tráfico, influenciadora da Cracolândia acumula milhares de seguidores nas redes

Policiais suspeitam que Lo Bauer tenha se associado ao PCC e começado a atuar na Cracolândia entre seis meses e um ano atrás. Ela teve prisão preventiva decretada pela Justiça na sexta-feira passada

30 jul 2021 - 03h01

Nas redes sociais, Lorraine Cutier Bauer Romeiro, de 19 anos, aparentava uma vida confortável. Antes de ser presa duas vezes por tráfico de drogas em menos de um mês, a jovem branca e loira era seguida por 36 mil pessoas no Instagram e postava fotos em locais paradisíacos, com praias ou cachoeiras ao fundo. Quase sempre aparecia em poses sensuais e trajes mínimos. Hoje, os seus seguidores saltaram para 58,8 mil.

Para a investigação da Operação Caronte, Lo Bauer (alcunha que consta em relatório de inteligência da Polícia Civil) era responsável por atuar em uma das cerca de 30 barracas que alimentam a feira de drogas a céu aberto na Cracolândia, no centro de São Paulo. As tendas são arrendadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que controla o território, cobra aluguel e fatura ao menos R$ 200 milhões por ano. Na hierarquia do tráfico, um barraqueiro está acima de dependentes químicos e frequentadores do fluxo, mas abaixo de lideranças da facção.

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Órfã do pai e mãe de uma bebê que tem menos de 10 meses, a investigada morava até então com a filha, a mãe e o irmão em uma casa comum de Barueri, na Grande São Paulo. Após ter a prisão preventiva decretada pela Justiça na sexta-feira passada, 23, ela está na carceragem do 89º Distrito Policial (Portal do Morumbi).

Policiais suspeitam que Lo Bauer tenha se associado à facção e começado a atuar na Cracolândia entre seis meses e um ano atrás. "Não era rica, mas também não precisava. Foi uma forma que ela encontrou para conseguir ostentar e pagar passeios de barco em Angra (RJ)", diz Luiz Carlos Zaparoli, chefe de Investigações da Seccional do Centro.

Segundo policiais, o envolvimento com o tráfico teria começado a partir do relacionamento com André Luis Santos Almeida, o MC Tatu China, o primeiro líder da tenda. Na Cracolândia, o casal ainda tinha um ajudante. Com a prisão do namorado no mês passado, Lo Bauer teria assumido a gerência do ponto, mas o seu comando na barraca durou apenas 22 dias.

Diante da repercussão do caso, o irmão da investigada chegou a publicar vídeo responsabilizando Lo Bauer. "Infelizmente ela se envolveu com pessoas erradas. Sempre teve vida boa, uma família boa, que apoiou e deu conselhos. Mas ela se envolveu com pessoas erradas nesses últimos tempos e acabou tomando escolhas erradas", afirmou. "Agora ela vai pagar pelo que fez. A gente, a família dela de maneira alguma vai passar a mão na cabeça."

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A família já havia enfrentado a primeira tragédia em 2014. O empresário Ricardo Bauer Romeiro, o pai dela, foi baleado e morreu em uma tentativa de assalto em Barueri, de acordo com a polícia. "Sem dúvida, é um drama familiar", afirma o delegado Severino Pereira de Vasconcelos, titular do 77.º Distrito Policial (Santa Cecília), responsável por liderar as investigações contra o tráfico na Cracolândia.

Apesar de Romeiro aparecer em dois registros policiais, os investigadores descartam que o pai de Lo Bauer tivesse um perfil perigoso ou envolvimento com crime. Segundo afirmam, os antecedentes seriam de lesão corporal, por causa de um acidente de trânsito, e posse de droga.

O advogado criminalista José Almir foi contratado pelos parentes para defender Lo Bauer. Procurado, ele afirmou que só iria encontrar a investigada nesta quinta-feira, 28, motivo pelo qual não poderia se posicionar sobre o caso.

'Em liberdade, já demonstrou que continuará a delinquir'

Por volta das 13h30 do dia 30 de junho, equipes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) se preparam para mais uma rodada de faxina na Cracolândia. Nessa hora, dependentes químicos, chamados de "travessias", são usados pelos traficantes para desmontar as barracas, recolher mesas e arrastá-las até uma rua próxima para que a feira de drogas continue. Daquela vez, no entanto, os GCMs formaram uma espécie de cordão de isolamento para revistar os frequentadores do fluxo.

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Uma patrulha da Polícia Militar notou uma moça loira, de blusa vermelha e calça jeans, que tentou evitar a revista dos guardas e começou a se movimentar no sentido contrário. Esse seria o primeiro flagrante de Lo Bauer.

Os agentes relatam que, após acelerar o passo e mudar de direção bruscamente, ela foi abordada na Rua Helvétia, já depois da Praça Princesa Isabel, e levada para a base da PM no local. Na revista, uma policial encontrou 9,9 gramas de maconha, 9 de cocaína e 15 pedras de crack, escondidos no sutiã e na calcinha dela. No bolso, a detida trazia um aparelho celular avaliado em mais de R$ 6 mil.

Na audiência de custódia, Lo Bauer negou ser traficante, alegou que era usuária e afirmou que ainda estava amamentando a filha, então com oito meses. Na ocasião, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) converteu o flagrante em prisão domiciliar: "Só podendo a investigada deixar o local comprovado nos autos como sendo sua residência para consultas médicas, exames e procedimentos relativos a tratamento de saúde próprio e da filha".

A segunda prisão aconteceria no mês seguinte, no dia 22, já no âmbito da Operação Caronte. No relatório de inteligência, a Polícia Civil chegou a incluir print do Instagram de Lo Bauer. Em um story capturado pelos agentes, ela publica uma imagem de palhaço, símbolo associado ao PCC. Em outro, há desenhos de carpas e do yang-yin, também simbolicamente ligados à ascensão em facções criminosas. "Duas carpas vivem em nossos corações, o amor e o ódio. Sobrevive aquele que for mais alimentado", dizia a mensagem.

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Em vez da própria residência, Lo Bauer foi encontrada às 7 horas na casa do namorado, também em Barueri. Autuado por descumprimento de prisão domiciliar, ela teria admitido envolvimento no tráfico e apontado que sua droga estaria em uma mochila, guardada em um prédio invadido na Rua Helvétia.

No local, a polícia relata ter encontrado 295 porções de cocaína, 97 de lança-perfume, 85 de maconha, 16 de ecstasy e oito de crack. Também foram apreendidos R$ 750 em dinheiro, uma balança de precisão, um machado, uma faca e um celular. Já na delegacia, ela ficou em silêncio. "Ela demonstrou que é capaz de controlar as emoções", descreve o delegado Vasconcelos.

Em nova audiência, o TJ-SP decretou a prisão preventiva. Na decisão, a juíza Celina Maria Macedo Stern ponderou que Lo Bauer não tem emprego comprovado e estava com quantidade e diversidade de droga que indica "finalidade de mercância".

Ao mandá-la para a carceragem, a magistrada também escreveu: "A conversão do flagrante em prisão preventiva se faz necessária a fim de se evitar a reiteração delitiva, eis que em liberdade e, até mesmo, em prisão domiciliar, frise-se, (Lo Bauer) já demonstrou concretamente que continuará a delinquir".

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