Brasil tem maior número de desabrigados e emergências por chuva em 5 anos

Estudo com base em dados das prefeituras mostra que 61,7 mil pessoas perderam casa e não tinham para onde ir neste verão; crise climática piora cenário, afirmam cientistas

20 jan 2022 - 17h06

A um mês e meio do fim da estação chuvosa, o Brasil já tem o maior número desabrigados - 61.786 pessoas - e de decretos de emergência por causa dos temporais (1.302) dos últimos cinco anos. Até agora, Minas e Bahia são os Estados mais afetados, com 51 mortes, deslizamentos, bairros submersos e ameaças de rompimentos de barragens. Para especialistas, os números expõem a intensidade e a frequência crescentes de eventos extremos, causados pelas mudanças climáticas, além da vulnerabilidade socioeconômica das vítimas.

O balanço, obtido pelo Estadão, reúne dados reportados pelas próprias prefeituras no Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil de 1.º de outubro do ano passado a 17 de janeiro deste ano. A compilação foi feita pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Além dos que ficam sem teto, há os desalojados: quem sai de casa e pede abrigo a vizinhos ou parentes. No total, conforme dados das prefeituras, foram 226.786, número que já é o segundo maior para o período.

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A cozinheira Rosane Maria de Jesus, 51 anos, de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte teve a casa, a 10 metros do Rio Paraopeba, tomada pela enxurrada. Desde o dia 8, vive em uma igreja. A irmã e os filhos tentam salvar o que restou do imóvel, engolido pela lama. "Está cheio de rachaduras e não há previsão de liberação pela Defesa Civil", conta Rosane, que cozinha para cerca de 70 pessoas, também desabrigadas. "São dias de pouca esperança."

Pai de três filhos - um deles bebê -, o mototaxista Claiton Coimbra, de 31 anos, correu para salvar a família. "Minha casa foi tomada pela água até o teto e acabou, ficou toda trincada", diz ele, de Raposos, na Grande BH. "Perdi tudo, mas a vida é o mais importante", conclui ele, que prevê pedir abrigo à sogra.

Em nota, o governo de Minas disseque vai destinar mais de R$ 600 milhões para cidades e atingidos. O auxílio emergencial para 60 mil desabrigados ou desalojados terá R$ 78 milhões. Na região, ONGs também colhem doações, como alimentos, roupas e brinquedos.

Prefeitos e governadores podem decretar emergência por eventos como temporais, inundações e secas. Neste verão, o total de decretos de chuva já é 48% maior do que em toda a estação anterior (878). Por trás disso, estão temporais em mais locais e áreas onde não é normal chover tanto nesta época. "Não temos notícias na Bahia de algo parecido, com tamanho impacto", relata o coronel Carlos Miguel, superintendente de Proteção e Defesa Civil do Estado, que reconhece a necessidade de fortalecer o setor. Nesta semana, Marabá (PA) tem sofrido com chuvas torrenciais.

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"Além das perdas de vida, o período mais difícil para as prefeituras ainda vai começar. Vem depois das chuvas, que é tentar reconstruir o que se perdeu", afirma o presidente da CNM Paulo Ziulkoski. "Se olhar os municípios da região Serrana do Rio, até hoje muitos não recuperaram o que se perdeu há uma década (em 2011, um deslizamento deixou mais de mil mortos)."

Os decretos são cadastrados no sistema nacional de defesa civil e permitem aos municípios requisitar auxílio material e financeiro da União para cuidar de desabrigados, desalojados e obras de emergência. Cada decreto tem duração máxima de 180 dias e podem ser repetidas vezes, se houver novos eventos adversos.

Mais temporais nos próximos meses

Meteorologistas apontam efeitos, sobretudo, de dois fenômenos: La Niña, causador de chuvas no Norte e seca no Sul; e a zona de convergência do Atlântico Sul, espécie de corredor de umidade que explica a precipitação na Bahia e em Minas na virada do ano. São previstos mais temporais nos próximos meses.

Já do ponto de vista mais amplo, é o aquecimento global, dizem os especialistas, que aumenta a escala das tragédias. "Faz 20 anos que os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, das Nações Unidas) apontam que a intensidade e a frequência desses eventos iria aumentar. Agora está acontecendo e vindo até mais forte do que as previsões mostravam", diz Paulo Artaxo, físico da USP e autor de um dos capítulos do documento do IPCC.

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O último relatório, de agosto de 2021, mostrou que a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial na década de 2030, dez anos antes do projetado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos, como enchentes e ondas de calor, com maior frequência.

Os efeitos na economia também são claros. De 2017 até hoje, R$ 55,5 bilhões foram perdidos em eventos extremos relacionados à chuva, diz o estudo da CNM. O período chuvoso de 2020/2021 foi, até agora, o de maior prejuízo: R$ 18,9 bilhões. Mas, ainda antes do fim da temporada, o período 2021/2022 já resultou em mais de R$ 17,2 bilhões perdidos.

As populações pobres são as mais prejudicadas. "O que acontece com um morador da cidade rica nos Estados Unidos afetada por um tornado é o mesmo que acontece com o morador pobre da cidade brasileira?", aponta Márcio Astrini, do Observatório do Clima. "É muito parecido com a covid. Afeta a todos, mas nem todos podem ficar em casa trabalhando, evitar ônibus e metrôs lotados e se proteger." / COLABOROU HELIANA FRAZÃO, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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