Auxílio 2022 pode reduzir pobreza, mas conta para os mais pobres virá depois, alerta economista da FGV

Marcelo Neri afirma que a pobreza diminuiu com Auxílio Emergencial, mas aumentou ainda mais assim que ele acabou em março de 2021: "Talvez seja trailer do que aconteça em 2023".

9 ago 2022 - 07h43
(atualizado às 15h32)
Pobreza deve cair nos próximos meses, mas pode voltar ainda maior em 2023, diz economista
Pobreza deve cair nos próximos meses, mas pode voltar ainda maior em 2023, diz economista
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O governo federal iniciou nesta semana o pagamento de uma série de benefícios sociais que pretende colocar dinheiro na mão das famílias mais pobres do país, além de um auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros e taxistas. Mas, na visão do diretor do FGV Social e fundador do Centro de Políticas Sociais (FGV Social/CPS), Marcelo Neri, essas medidas devem reduzir a pobreza apenas até o fim do ano, quando a maior parte das ações realizadas a partir da "PEC das bondades" diminui ou acaba.

"Esse pacote tem boas e más notícias. As boas vêm na frente. As más vêm depois. Quando o auxílio entra, a pobreza cai. Mas, quando ele sai, gera um aumento de pobreza maior que a redução inicial. Vimos isso em março de 2021, quando a pobreza subiu para 71,9 milhões de pessoas depois de ter caído para 42 com o auxílio emergencial", diz Neri, que foi ministro chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) durante o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.

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Neri ganhou fama como um dos principais especialistas a identificar o fenômeno que ficou conhecido como ascensão da classe C.

Ele afirma, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), que a primeira edição do Auxílio Emergencial de R$ 600 reduziu a população com renda até R$ 497 em 23 milhões, entre março e agosto de 2020. Já a interrupção dele elevou a pobreza em 25 milhões de pessoas até janeiro de 2021. Para ele, o momento atual é de contenção, não de gastos.

"Agora, seria o momento de uma grande poupança, não crédito. O que houve no começo de 2021 talvez seja trailer do que aconteça em 2023", afirma Neri sobre a PEC, que terá custo de R$ 42,1 bilhões aos cofres públicos.

Em sua visão, essa injeção temporária de dinheiro no bolso dos brasileiros "é uma montanha russa ruim", que causa instabilidade e é ainda pior para os mais pobres. Ele diz que oferecer crédito consignado de maneira inédita para pessoas que recebem benefícios sociais é especialmente perigoso e faz uma analogia.

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"Pegar crédito é comparável a andar de bicicleta. Você começa com duas rodinhas, depois uma. Mas o que o governo está falando hoje (oferecendo o consignado) é para o povo descer a ladeira sem rodinhas sem nunca ter andado antes", afirma Neri.

Para o economista da FGV, não há dúvidas de que o "pacote de bondades", como está sendo chamada a PEC, aquecerá a economia no fim do ano, que já é um período em que a população gasta mais por conta do 13º salário e trabalhos temporários.

Sua preocupação, no entanto, é como ficará a economia a partir de janeiro, sem todos esses estímulos e com parte da população mais pobre do país com um possível comprometimento do benefício social que recebe por conta do empréstimo consignado.

"A gente vai ver uma redução na pobreza no próximo mês, mas depois que houver a normalização no início do ano haverá um novo retrocesso. A pobreza e a insegurança alimentar estão altas, mas não é criando crédito consignado que se resolve o problema", diz Neri.

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Contrapartida para injeção de dinheiro na economia ainda não está clara, segundo coordenadora do Idec
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O economista diz que as medidas de injeção de dinheiro tem caráter político e ajudam a trazer boas notícias antes da eleição. Mas "a conta virá depois".

Primeiro, acontecerá uma queda nominal do benefício, de R$ 600 para R$ 400, agravada pela elevada inflação e acompanhada de um comprometimento da renda por conta do possível empréstimo consignado", explica.

Para ele, o governo deveria implantar um programa de distribuição de renda mais consistente, com um valor mais sustentável a longo prazo e que leve em conta o tamanho da família. Sem essa opção, o melhor, recomenda o especialista, é economizar para se preparar para o próximo ano.

"O que a gente deveria fazer é um esforço de poupança e conscientizar a população de que dias difíceis vêm pela frente e que é importante fazer um pé de meia. É importante gerar cautela na população para que ela possa suavizar seu padrão de consumo ao longo do tempo".

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Veja quais são as principais medidas adotadas pelo governo federal para turbinar a economia até o fim do ano:

Aumento do Auxílio Brasil

O Auxílio Brasil é o principal benefício social do país — e foi instituído no lugar do Bolsa Família. O pagamento terá um reajuste de R$ 200 a partir de agosto e vai até dezembro. A medida terá um custo extra para os cofres públicos de R$ 26 bilhões.

Além disso, o governo ainda vai estender o benefício a 1,6 milhão de pessoas que estavam na fila, mas ainda não recebiam o Auxílio Brasil.

O argumento da gestão do presidente Bolsonaro é que o impacto da guerra na Ucrânia tirou o poder de compra das famílias e causou principalmente um aumento no custo dos alimentos, combustíveis e gás de cozinha. E que esses benefícios servirão para evitar que a população passe fome até que a economia se estabilize novamente.

Empréstimo consignado

Bancos de todo o país ainda poderão oferecer um empréstimo consignado para quem recebe o Auxílio Brasil.

A nova lei ainda aumenta para 45% o percentual que pode ser descontado de aposentados e pensionistas que fizerem empréstimos consignados. Para quem tem carteira assinada, o limite é de 40%.

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A coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ione Amorim, defende que o governo deveria permitir que apenas os bancos públicos oferecessem esse tipo de crédito.

"Essa é uma medida muito descabida dentro de uma situação onde o governo admite que ele concede uma renda que não supre a necessidade mínima dos beneficiados. Isso atrai a atenção para fazer um aceno aos bancos privados, que levarão vantagem. Essa renda vai fazer pouca diferença porque temos hoje uma inflação de dois dígitos e esse empréstimo vai aplicar uma taxa de juros a partir de 79%, o dobro do consignado dos servidores públicos do INSS, por exemplo", afirma Amorim.

Economista da FGV diz que novo "pacote de bondades do governo" tem boas e más notícias e as más virão a partir de 2023
Foto: Divulgação/ FGV Social / BBC News Brasil

A coordenadora do Idec alerta ainda para o aumento do número de golpes e fraudes bancárias após a liberação do empréstimo.

"Já há anúncios nos postes nas ruas antes mesmo da liberação do benefício. Vamos ver muita fraude e crédito sendo tomado sem autorização. Foi o que aconteceu em outubro de 2020, com liberação da margem de 5% extra para consignados", diz.

Auxílio Gás

O presidente Jair Bolsonaro aprovou o aumento do Auxílio Gás de R$ 53, a cada dois meses, para R$ 110. Hoje, 5,6 milhões de famílias são beneficiadas por esse programa.

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A previsão é que a medida custe R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

O argumento usado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que foi o relator da PEC para aumentar o valor do auxílio, é de que o país enfrenta uma situação de emergência "decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados".

A coordenadora do Idec diz que o pacote de bondades "é um auxílio que chega a poucos meses da eleição e tem claramente um caráter político".

"A gente vai ter um impacto nas contas públicas porque não tem contrapartida de onde esse dinheiro vai ser retirado. Foram anos de pandemia e a população sofreu várias consequências e só agora a gente vê esse projeto emergencial", diz.

Redução do ICMS

Além da PEC, foi aprovado um projeto de lei que limita em 17% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, gás natural, transporte coletivo, energia elétrica e telecomunicações. O efeito prático é que essas reduções causam um efeito cascata e também fazem cair os preços em diversos outros setores, como o de alimentos.

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Políticos de oposição, especialistas, gestores e organizações não-governamentais alegam, em geral, que o projeto não impede que os preços dos combustíveis continuem subindo e ainda compromete as finanças públicas de Estados e municípios.

Na última semana, Jair Bolsonaro (PL) anunciou que a medida levou a Petrobras a reduzir em R$ 0,20 o preço do litro do diesel nas refinarias. A expectativa é que essa medida reduza o valor do frete em todo o Brasil e impacte em toda a cadeia de produtos transportados por rodovias no país, como alimentos e insumos industriais.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que as contas de celular terão grandes descontos nos próximos meses, em uma publicação no Twitter.

"A queda do ICMS (que reduziu os combustíveis) também trará mais benefícios para o povo. Assim, teremos desconto significativo nos serviços nacionais de telefonia a partir do próximo mês", afirmou na rede.

Bolsonaro pretende compensar os Estados zerando os impostos que incidem sobre o diesel e o gás até o fim do ano, além de zerar PIS/Cofins no mesmo período.

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Caminhoneiros e taxistas

Todos os caminhoneiros cadastrados no Registro Nacional de Transportadores de Cargas receberão um auxílio de R$ 1.000 até o fim de 2022. A medida foi estendida a cerca de 300 mil taxistas de todo o país.

A intenção também é compensar esses trabalhadores pelos recentes aumentos dos combustíveis.

Estimativa do professor é que pobreza diminua com auxílio turbinado, mas dispare novamente em 2023
Foto: Andre Neri/ FGV Social / BBC News Brasil

O caminhoneiro Wallace Landim, conhecido como Chorão, é tido como um dos líderes da categoria e disse que esse auxílio de R$ 1.000 não faria muita diferença para os trabalhadores de carga, mas que a redução de R$ 0,20 no valor do diesel pode ser positiva se chegar às bombas.

"Eu olho com cautela essa possibilidade de redução do preço. Mais de 20% do nosso diesel é importado por terceiros e existe uma escassez de diesel no mundo. Se o preço no Brasil não for lucrativo para os importadores, eles simplesmente não vão importar. Eles querem lucro e os caminhoneiros e os brasileiros são reféns desse sistema."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62472716

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