'A Idade Dourada' mostra o nascimento de uma nação

Nova série do criador de 'Downton Abbey' se passa na Nova York de 1880 e mostra a criação dos Estados Unidos como potência

21 jan 2022 - 21h15

Downton Abbey, a série mais famosa de Julian Fellowes, vencedora de 15 Emmys, A Idade Dourada também é de época e fala majoritariamente de pessoas ricas. "É verdade que senhoras WASP (brancas, anglo-saxãs e protestantes) são minha marca. E eu lamentaria se escrevesse algo que não tivesse pelo menos uma personagem assim", disse Fellowes, com ar divertido, em mesa-redonda com participação do Estadão. A Idade Dourada estreia o primeiro de seus nove episódios na segunda-feira, 24, na HBO Max.

Mas há diferenças significativas também. Sai o palácio campestre na Inglaterra entre 1912 e 1926 e entra a Nova York da Era Dourada, mais precisamente de 1880. "A verdade é que a dinâmica das duas séries é mais ou menos oposta", disse Fellowes. "Em Downton Abbey, eles estão em declínio e precisam lidar com sua perda de importância e de fortuna." A situação dos Crawley, liderados pelo patriarca Robert (Hugh Bonneville), espelha a do Reino Unido, em decadência enquanto império.

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Em A Idade Dourada, é o oposto. "É o início de um novo nascimento dos Estados Unidos. E está sendo feito do jeito americano, sem seguir o modelo das aristocracias europeias. Eles criam essa autoimagem de vencedores. Querem refazer tudo e reinventar tudo. É a imagem ainda hoje que se tem dos americanos." É, no fim, a criação do mundo em que ainda vivemos hoje. Fellowes gosta de se debruçar sobre períodos de intensa mudança. "É bom porque isso coloca pressão nos personagens, que precisam lidar com o fato de que as coisas não são mais como antigamente", disse.

As relações por vezes conflituosas, por vezes afetuosas, entre o andar de cima e o andar de baixo, que eram um dos centros da Downton Abbey, também existem aqui. Mas, pelo menos nos primeiros episódios de A Idade Dourada, não parecem ser tão centrais, à exceção de Peggy (Denée Benton), uma jovem negra que vai parar na casa das irmãs Agnes Van Rhijn (Christine Baranski) e Ada Brook (Cynthia Nixon) depois de ajudar a sobrinha das duas, Marian Brook (Louisa Jacobson). Marian vai morar com as tias após o pai morrer e deixá-la sem fortuna.

"Os Estados Unidos têm muita diversidade. Então os empregados são todos imigrantes. Também me parecia importante abordar a questão racial. Eu não sabia, por exemplo, que havia uma burguesia negra na Nova York dessa época", disse Fellowes. Para isso, contou com a ajuda da roteirista Sonja Warfield. "Ela é três coisas que eu não sou: uma mulher, americana e afro-americana. Foi fundamental", explicou o criador da série.

O conflito maior em A Idade Dourada, na verdade, está entre o "dinheiro antigo" e o "dinheiro novo", ou, em termos paulistas, entre os quatrocentões e os novos ricos. Van Rhijn e sua irmã são do primeiro grupo. No segundo, estão seus vizinhos, George (Morgan Spector) e Bertha Russell (Carrie Coon), muito mais ricos e agressivos, dispostos a tudo para serem aceitos e respeitados pela alta sociedade nova-iorquina.

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Mas a principal diferença entre Downton Abbey e A Idade Dourada é o tom. "Esta série é muito mais profunda, o mundo é mais sombrio", disse Fellowes. "Nem todos são adoráveis e estão fazendo seu melhor. Downton Abbey é uma série fofa, e não acho que seja o caso aqui."

De fato, a nova série aposta menos no melodrama e mais na construção de personagens ambivalentes. Agnes, por exemplo, é esnobe com os novos ricos, mas abraça sem pestanejar as qualidades de Peggy -claro que Peggy se encaixa no modelo desejável de uma pessoa negra então (e hoje). "Eu me identifiquei bastante com ela e como precisa lidar com o mundo", disse Denée Benton, que vem da Broadway. E A Idade Dourada é ácida ao abordar o que é necessário para vencer no mundo dos milionários e construir uma superpotência.

Perguntas e respostas

'Não é fácil ser mulher nos EUA e ter de sair para trabalhar'

Depois de quinze vezes indicada para o Emmy e vencedora de um troféu, Christine Baranski é uma das rainhas da TV americana. Na série A Idade Dourada, ela faz a aristocrática Agnes Van Rhijn.

A dinâmica entre as irmãs é uma das coisas mais intrigantes da série. Você se inspirou em situações da vida real para criá-la com Cynthia Nixon?

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Eu tenho duas filhas e conheço bem a dinâmica. A primogênita costuma ser forte e mandona. Minha filha mais nova está sempre tentando agradar sua irmã. Ela me confessou que era uma espécie de dança, em que seu papel era ser boazinha. A mais velha chegou a fingir ser o anjo da guarda da pequena, que se convenceu disso.

E a série também parece bastante atual, você concorda?

Há muitas semelhanças com o mundo de hoje, não resolvemos vários dos problemas. A disparidade de renda, por exemplo, só piorou. Temos bilionários fazendo passeios espaciais, enquanto tem gente com dois ou três trabalhos para tentar sobreviver. Grande riqueza não ajuda a espalhar riqueza, porque os milionários manipulam o sistema só para enriquecer cada vez mais. Ainda temos racismo. Há a questão de classe. Então, a série é um grande panorama e muito americana.

A Idade Dourada é focada nas mulheres, que muitas vezes não têm poder formal, mas têm poder informal. Você por acaso vê semelhanças com o que passam as mulheres hoje?

Só digo que continua muito difícil para as mulheres hoje em dia. É muito duro principalmente ser uma mãe que trabalha nos Estados Unidos e encontrar um equilíbrio. Porque um homem que sai de casa para ganhar dinheiro não é criticado. E uma mulher paga o preço, seja em críticas ou em culpa por ter de ir trabalhar. Então, são dois pesos e duas medidas.

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