Sempre me impressiona como Digimon marcou uma geração nos anos 2000, moldando o gosto de muitas crianças daquela época. Acompanhar a jornada do Digimon Adventure até chegar ao momento icônico em que Patamon se transforma em Angemon é algo que permanece vivo na memória de quem cresceu assistindo, eu incluso.
Apesar desse sucesso, pouco se fala sobre os jogos da franquia, que sempre ficaram à sombra do anime. Agora, com Digimon Story Time Stranger, a série tenta mais uma vez conquistar espaço e provar que ainda tem fôlego no universo dos videogames.
Anomalias do tempo
Em Digimon Story Time Stranger, controlamos um agente da ADAMAS, uma organização secreta criada para lidar com acontecimentos misteriosos. A missão inicial leva a protagonista até Tóquio para investigar o surgimento de um Digimon, mas o que parecia apenas um caso isolado rapidamente se transforma em algo muito maior. A trama envolve distorções de tempo e espaço e coloca o jogador em uma corrida contra o relógio para impedir um futuro catastrófico.
O enredo se destaca pelo jeito como é conduzido, lembrando bastante o estilo de uma animação japonesa. As cenas de evolução dos Digimons carregam aquele exagero típico dos animes, mesmo sem contar com a icônica Brave Heart, e ainda assim funcionam muito bem. A boa dublagem em inglês soma peso aos personagens, enquanto a localização completa em português do Brasil garante acessibilidade e mantém a imersão durante batalhas e diálogos.
Algo que me incomodou bastante durante a jogatina foi a fraqueza da trilha sonora. Por ser um título japonês, ainda mais de turno, era esperado no mínimo um trabalho competente nessa área, mas não é o que acontece aqui. Houve momentos em que a música parecia mais o barulho de uma maquita ligada do que uma composição pensada para o jogo, e o pior é que esse som não aparece apenas em situações pontuais, já que ele persiste por muito tempo e acaba se tornando incômodo. Outro problema recorrente é a ausência de áudio em cenas importantes.
Em uma delas, por exemplo, um Digimon gigante escalava um prédio bem diante da personagem, levantando poeira e causando impacto visual, mas sem som algum para reforçar a cena. Isso acontece em diversos trechos, passando a sensação de que a desenvolvedora simplesmente esqueceu de criar efeitos sonoros para determinados momentos.
Essa inconsistência fica ainda mais evidente em outra decisão curiosa. Dependendo de quem for escolhido como protagonista, o personagem permanece sem voz durante os diálogos, o que soa quase cômico, já que a boca se mexe, mas não sai som algum.
Para piorar, o personagem não escolhido se torna o operador, responsável por dar dicas e informações durante as missões, e esse sim recebe dublagem completa. Em alguns RPGs de turno, protagonistas mudos até funcionam como recurso narrativo, mas aqui passa muito mais a impressão de corte de custos do que de uma escolha criativa. O resultado é um protagonista vazio, sem profundidade, que perde peso na trama justamente por essa ausência de dublagem.
Digimon são campeões
Se por um lado o título apresenta algumas escolhas duvidosas que soam inacabadas, o combate está longe de entregar algo nesse nível. Ele segue o tradicional formato de batalhas em turno, em que esperamos a nossa vez para usar habilidades, causar dano ou aplicar efeitos negativos nos adversários. Também há o clássico sistema de fraquezas elementais, exatamente o que se espera de um RPG de turno. O que realmente dá brilho são as animações, já que cada Digimon tem movimentos próprios ao executar seus golpes. Isso me fez querer trocar a equipe constantemente para ver como cada um deles se apresentava em ação.
Além desses elementos básicos, o jogo ainda permite personalizar os parceiros digitais com equipamentos. Apesar do nome, na prática são habilidades extras que complementam os poderes padrão de cada Digimon. Outro ponto interessante é a participação do próprio protagonista nas batalhas, não entrando diretamente em campo, mas contribuindo por meio das artes cruzadas. Essa barra se enche conforme os confrontos avançam e, quando ativada, libera um especial. No início, o mais comum é o de campo, que aumenta os atributos de toda a equipe em 50% por algumas rodadas, mas com o tempo novas opções vão sendo desbloqueadas.
Alguns confrontos podem ser facilmente evitados caso o seu Digimon seja muito superior ao inimigo encontrado na exploração. Já as batalhas contra chefes trazem um bom desafio, não só pelo nível de dificuldade, mas pelo tamanho e imponência dessas criaturas. Apesar disso, nunca chegam a ser impossíveis. Outro detalhe que gostei bastante é o fato de usar itens ou trocar Digimons não consumir turno, o que dá mais liberdade para curar ou reorganizar a equipe sem perder a chance de atacar.
O elenco de criaturas também é um dos pontos altos. A lista de Digimons disponíveis é extensa, o que me fez querer experimentar vários deles, ainda mais quando o celular do personagem notificava que uma evolução estava disponível. As linhas de digievolução não seguem uma rota única. Claro, quem conhece a franquia sabe que Tsunomon evolui para Gabumon ou que Koromon vira Agumon, mas o sistema permite escolher a forma evoluída por meio de silhuetas que aparecem nas opções.
No geral, os requisitos são simples: atingir determinado nível, possuir uma habilidade específica ou cumprir condições relacionadas ao personagem principal, quase sempre acessíveis ao longo da jogatina, seja avançando na história ou concluindo outras missões.
Para acelerar esse processo, é essencial colocar os Digimons em combate. Deixá-los no banco garante apenas uma quantidade moderada de experiência, tornando a evolução mais demorada. Outra forma é usar a Digifazenda, um espaço que funciona como descanso, mas que vai além disso. Ela lembra um Tamagotchi evoluído, já que podemos alimentar, treinar e até alterar a personalidade dos Digimons conforme interagimos com eles durante a exploração. Passei boas horas nisso, especialmente cuidando de criaturas que, no anime, eram tratadas como vilãs, como o DemiDevimon.
Na parte de exploração, o jogo divide os cenários entre o mundo material, representando cidades e pontos de Tóquio, o Limiar, uma dimensão entre espaço-tempo que lembra um teatro luxuoso, e ainda alguns trechos do próprio mundo digital. O problema é que essa parte é bem água de salsicha. Os mapas são segmentados em blocos com telas de carregamento a cada mudança, têm tamanhos variando de médios a pequenos e oferecem pouco para fazer além de missões paralelas e alguns vendedores de visuais e itens de batalha.
Considerações
Digimon Story Time Stranger acerta em pontos importantes como a narrativa com cara de anime, a extensa lista de Digimons e um sistema de combate consistente que mantém o charme clássico dos RPGs de turno. Também merece destaque a liberdade oferecida pelas linhas de evolução e a Digifazenda, que adiciona uma camada extra de interação com os parceiros digitais.
Por outro lado, a experiência sofre com problemas difíceis de ignorar. A trilha sonora é fraca e muitas vezes chega a incomodar, os efeitos sonoros apresentam ausências notáveis em momentos cruciais e a decisão de manter protagonistas mudos prejudica a imersão. A exploração, apesar de variar entre diferentes dimensões, acaba sendo sem graça e repetitiva, com mapas pequenos e fragmentados.
Nota: 8
Digimon Story Time Stranger chega em 03 de outubro para PC, PlayStation 5 e Xbox Series.
Esta análise foi feita no PlayStation 5, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Bandai Namco.