Especialista cita decisão de Simone Biles: "Ato de coragem"

Ginasta desistiu de disputar a final individual geral da ginástica artística nos Jogos de Tóquio para cuidar da saúde mental

28 jul 2021 - 11h22
(atualizado às 11h45)
Simone Biles é o maior nome da ginástica artística das Olimpíadas de Tóquio (LOIC VENANCE / AFP)
Simone Biles é o maior nome da ginástica artística das Olimpíadas de Tóquio (LOIC VENANCE / AFP)
Foto: Lance!

Um ato de coragem! A ginasta Simone Biles desistiu de disputar a final individual geral da ginástica artística nos Jogos de Tóquio 2020, que será disputada na quinta-feira, 29. A atleta norte-americana ainda não confirmou presença em outras finais como no salto e barras irregulares no domingo, 1º, solo na segunda-feira, 2, e trave na terça-feira, 3. Em entrevista ao LANCE!, a especialista em psicologia do esporte Teresa Fragelli analisou a decisão da atleta.

Para muitos, desistir pode ser sinônimo de covardia ou fraqueza, porém o gesto de Simon Biles pode significar algo maior. Uma reflexão acerca da saúde mental não só dos atletas que convivem diariamente com a pressão por medalhas e resultados positivos, como para a população mundial. A especialista classificou como um ato de coragem a atleta expor o problema, que seria "quase como quebrar o tabu da perfeição que se espera de um atleta de alto rendimento". 

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"Vejo o gesto de de Simone Biles como determinante para que se repense o treinamento de um atleta de alto rendimento. O esporte visto como espetáculo, tem levado a um número enorme de atletas que sucumbem ao treinamento, apresentando Síndrome de Burnout, transtornos depressivos e síndrome do pânico, implicando muitas vezes em falhas, agressividade e até abandono precoce da carreira por parte atletas", analisou.

"Quando um atleta olímpico desiste de competir, ainda mais com chances reais de medalha, depois de todo o sacrifício que implica nessa preparação, abre mão do prestígio dessa conquista, frustrando não só a sua expectativa, mas carregando junto com ela as expectativas de sua CT, familiares, amigos e de uma nação", ressaltou. "Alega problemas emocionais não enxergo comigo um ato de fraqueza, mas de muita coragem, de quem escolhe a si mesma e não a atleta. É quase como quebrar o tabu da perfeição que se espera de um atleta de alto rendimento".

De acordo com a professora e especialista em psicologia do esporte, apesar da importância da saúde mental, esses aspecto ainda é tratado em um patamar inferior em relação ao técnico, tático e físico. A profissional tem vasta experiência na área, com passagens por clubes como Fluminense e Botafogo acredita que a psicologia do esporte é essencial saúde mental de atletas e todos os envolvidos com as diversas modalidades

"Ao longo das edições dos Jogos Olímpicos, temos visto muitas manifestações de atletas sobre a importância do treinamento mental; isso não é novo, a diferença agora vem do fato de acontecer via a maior esperança de medalha olímpica na ginástica. Ainda hoje, vemos o treinamento mental num patamar inferior ao treinamento técnico, tático e físico".

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"Se pensarmos que o atleta vai usar o seu treinamento técnico, tático e físico na competição por um certo período de tempo, que no caso da ginástica é pequeno, mas que vai usar o treinamento psicológico antes, durante e depois da competição, entendemos a importância da psicologia do esporte na sua preparação", afirmou.

A pressão psicológica e atenção aos sintomas

Na preparação para grandes eventos, os atletas convivem diariamente com níveis altos de estresse e pressão psicológica. Um dos fatores que também pesaram na preparação para os jogos de Tóquio foi a pandemia de covid-19, que ceifou a vida de milhares de pessoas no mundo e adiou o evento para 2021.

"Os psicólogos do esporte acompanharam com muita atenção o adiamento das Olimpíadas. Nós esperávamos algumas consequências emocionais para os atletas. Na preparação dos atletas de alto rendimento, existem etapas importantes a serem cumpridas. Desde o início da preparação até o polimento final. Assim como o treinamento técnico, tático e físico vão sendo dosados para que o atleta chegue a competição em seu estado ótimo, o acompanhamento psicológico também se dá em diferentes etapa", salientou.

"Questões como motivação para buscar resultados, tolerar as pesadas cargas de treinamento, lidar com frustrações e lesões são acompanhados de perto. Ao fim da preparação, em fase de polimento o atleta teoricamente está apto para competir. Adiar por um ano o estado de preparação máxima de um atleta pode ser muito complicado, principalmente em relação a sua motivação. A pandemia e o isolamento social, o receio de testar positivo para a covid-19, a perspectiva dos estádios vazios, o impedimento de parentes apoiando, foi na verdade um estresse a mais para o atleta".

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Ao deixar a Arena da Olimpíada de Tóquio, Simone Biles deixou claro que antes de atleta de alto rendimento, os competidores são seres humanos. Ela chamou atenção para a saúde mental e o bem-estar. "Não somos apenas atletas. Somos pessoas, afinal de contas, e às vezes é preciso dar um passo atrás", disse a ginasta norte-americana, que já foi quatro vezes medalhista de ouro na história das Olimpíadas.

"Um atleta pode apresentar os mesmos sintomas de um indivíduo comum ao estresse (desgaste emocional). Insônia, irritabilidade, inapetência, tristeza, cansaço, desmotivação, agressividade, descontrole, agitação psicomotora, dificuldade de realizar tarefas cotidianas. No caso dos atletas, pode acarretar até em dificuldades de executar esquemas de treinamento, de manter o foco de atenção, lidar com frustrações e resultados adversos e se manter motivado para continuar a competir", completou a especialista.

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