Juliana Cabral, ex-capitã da Seleção Brasileira e medalhista olímpica, relembra sua trajetória no futebol e celebra sua nova fase como comentarista na CazéTV, destacando a luta pela presença feminina no esporte e sua paixão pelo futebol.
Às sextas-feiras, quando a noite caía e o pai se encontrava com os amigos para jogar bola, uma menina de olhos atentos acompanhava cada movimento. O barulho das chuteiras batendo forte no chão, o balançar da rede, os gritos dos homens depois de um gol. Cada jogo parecia se transformar em um tijolo, um pedaço de concreto, que pavimentava o caminho de Juliana Cabral até vestir a camisa da Seleção Brasileira, tornando-se medalhista olímpica e, hoje, sendo uma das principais vozes do esporte.
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Durante o dia, era nas ruas e nos pátios da escola que ela corria atrás da bola ao lado do irmão Leandro, parceiro e cúmplice das primeiras aventuras. A mãe, no entanto, tentava segurá-la dentro de casa, impondo tarefas para impedir que descesse às pressas e, suada, voltasse com a alegria estampada no rosto. Mas o destino parecia insistir. E foi a própria mãe, que tanto desconfiava da bola, quem a levou pela primeira vez a um teste de futsal.
Naquele time improvisado, de meninas que dividiam sonhos e até a mesma kombi para chegar aos jogos, Juliana descobriu algo maior que uma brincadeira: um pertencimento. Entre risadas, pancadas e pequenas vitórias, o futebol foi tomando a forma de casa. E quando, em 1996, ela viu mulheres defendendo o Brasil nos Jogos Olímpicos, entendeu de uma vez: a bola não era apenas passatempo -- era destino.
A chegada da prata histórica
Aos 12 anos, Juliana começou no futebol de salão, rapidamente chamando atenção em campeonatos locais. Em 1996, migrou para o São Paulo e brilhou ao lado de craques como Sissi e Formiga. Com apenas 16 anos, já era campeã paulista (1997 e 1999) e campeã brasileira (1997).
A ligação foi forjada não só pelo talento e dedicação, mas pelo papel que o esporte cumpriu em sua vida -- de apoio quando perdeu sua mãe para o câncer, em 1995.
Com corpo e alma no futebol, entre 2001 e 2004, assumiu a braçadeira de capitã da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, conquistando a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003. Também esteve em duas Olimpíadas: Sydney 2000 e Atenas 2004. Na bagagem de volta da Grécia, trouxe para casa a histórica medalha de prata.
O auge coincidiu com um momento difícil para a modalidade. O São Paulo encerrou o time feminino em 2000 e, mesmo tentando voltar em 2001 e 2005, não teve continuidade até 2015. Mesmo com uma conquista olímpica no peito, as portas estavam fechadas para o futebol feminino.
"A gente jogava na Seleção com um peso gigantesco de ser a salvação da modalidade. A medalha de prata não mudou a realidade do futebol feminino no País. Sempre jogamos para mostrar que tínhamos capacidade, mas pedíamos apoio, estrutura e organização melhor de quem tem o poder da caneta", lembra Juliana.
Em 2004, Juliana jogou na Suécia, seguiu para os Estados Unidos e sofreu uma lesão. Em 2006, retornou ao Saad EC, de São Caetano do Sul. Em 2008, foi capitã do Corinthians, mas se decepcionou quando o clube dissolveu o time.
"Quando isso aconteceu, me fez repensar. Eu já era medalhista olímpica, capitã da Seleção Brasileira. Já tinha passado por grandes clubes. E aquilo... aquela luzinha que sempre teve dentro de mim, que brilhou e que sempre resistiu a tudo, naquele momento, falou: Opa, não sei... Não sei se eu quero mais. Não sei se eu tenho força para mais", conta sobre o momento que decidiu pendurar as chuteiras.
Professora capitã
Depois de pendurar as chuteiras precocemente, aos 26 anos, Juliana saiu do campo e entrou imediatamente na sala de aula. Sem tempo para se arrepender ou duvidar de si, ela entrou no ritmo que só quem é professor entende.
Apesar da paixão pelo futebol, os pais de Juliana mantiveram um requisito: finalizar o ensino médio. Enquanto jogava e representava o Brasil, ela se desenvolvia academicamente e chegou a se formar em Educação Física.
Professora da disciplina desde 2009, dedicou 16 anos à escola onde começou como estagiária. "A escola me manteve durante muito tempo viva, longe do que eu mais sou apaixonada e do que o meu olho brilha nessa vida que é o futebol", relembra. Nesse período, viveu episódios marcantes, como alunas que organizaram abaixo-assinados para ter um time de futebol e jovens que se inspiraram em sua trajetória para praticar esportes.
"Até hoje, eu tenho a carta de uma das meninas. De uma menina da terceira série do ensino médio que passou a praticar esporte pelo meu incentivo, pelo meu exemplo", revela, orgulhosa.
A experiência, segundo a ex-futebolista, a transformou. "A escola me tornou uma pessoa melhor, uma profissional melhor porque os desafios são diários. E você precisa estar sempre disposta a aprender, a buscar mais conhecimento, a buscar mais ferramentas."
A ligação com o futebol, no entanto, nunca deixou de pulsar. Anos mais tarde, o futebol a chamou de volta, mas de outra forma. Em 2023, Juliana recebeu o convite para comentar a Copa do Mundo na Cazé TV, um divisor de águas em sua trajetória. "Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. A cobertura foi muito especial, a forma como fui tratada pelo que eu era e havia sido no futebol foi muito especial. Era a oportunidade de voltar a fazer aquilo que eu gostava", diz.
Desde então, engatou transmissões de competições internacionais, como a Bundesliga, a Eurocopa masculina e feminina, e agora vive a expectativa de comentar a próxima Copa do Mundo.
Uma nova etapa
Agora, mãe de Pietro, Juliana se vê diante de uma nova fase: mais madura e experiente. Convidada pela Cazé TV, encerrou sua carreira como educadora e se dedica integralmente como comentarista.
"Por isso eu estou voltando àquilo que me brilha os olhos, a luz que me acende, que me motiva e que me deixa em êxtase. Então, desistir do esporte, nunca."
O que a atrai nesse novo momento da carreira é a liberdade de expressão e o ambiente acolhedor. "É uma forma de se comunicar mais leve, mais você. Eu sou muito chorona, e na Cazé eu pude sentir as emoções. O ambiente me permitiu ser quem eu sou, e isso me ligou demais à equipe", explica.
Agora, em um novo papel, Juliana reconhece avanços na presença feminina no esporte, mas também ressalta que a conquista de espaço não foi concessão, e sim fruto de luta. "Não é que as pessoas começaram a aceitar do dia para a noite. Foi pela postura, pelas conquistas de espaço, pelas falas. Ainda assim, é uma luta diária para provar que a mulher pode comentar, narrar, arbitrar, jogar. Hoje o espaço é enorme, e dificilmente vamos dar passos para trás."
Sobre o futuro, ela evita projetar grandes planos, mas tem duas prioridades: a família e a chance de viver novamente o futebol. "Neste primeiro momento, quero dar todo o conforto para minha família nessa mudança e aproveitar cada segundo dessa magia que vou viver nos próximos anos, respirando futebol. Estou muito feliz e empolgada para tudo isso."
E deixa um conselho às meninas que sonham em trilhar o mesmo caminho: "Aproveitem o espaço com consciência. É importante a gente olhar para trás e entender o porquê que esse espaço existe. E, de resto, ninguém nessa vida vai te dizer o que você pode ou não fazer. É suportar, resistir e correr atrás do sonho".