Quanto o técnico do seu time realmente faz diferença nos resultados?

Pesquisadores calcularam que o treinador é responsável por apenas 8% do que acontece com determinada equipe. Mas, quando você para e pensa no assunto, 8% é bastante coisa

1 dez 2021 - 20h11
(atualizado às 20h11)

Para o novo treinador que está chegando ao clube, o primeiro dia deve ser bem estressante. Há todo um elenco de jogadores para enfrentar, conhecer e conquistar. Há uma comissão técnica, nervosa com suas intenções e temerosa quanto ao que o futuro lhe reserva, para convencer e, com alguma sorte, comandar.

cronogramas de treinamento para traçar e táticas para implementar, além de uma imensa pilha de vídeos para assistir, na tentativa de descobrir e corrigir o que deu errado - porque, na maioria das vezes, alguma coisa de fato deu errado, e é por isso que o novo treinador arrumou esse emprego. Há correntes políticas para detectar, alianças para forjar, inimizades para aplacar. E não há muito tempo, porque uma primeira partida já se assoma no horizonte e, muitas vezes, a primeira impressão é a que fica.

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E, mesmo assim, antes de tudo isso, há uma coisa que parece consumir todos os novos treinadores, jovens e velhos, renovados e enrugados, esperançosos e experientes, uma questão que deve ser tratada antes que qualquer outra coisa aconteça, uma decisão que dará o tom ao seu reinado: o que o novo técnico pensa sobre o ketchup?

Os treinadores parecem gastar mais tempo do que se poderia conceber estabelecendo uma política muito bem clara sobre os condimentos alimentícios. Poucos dias depois de chegar ao Aston Villa,Steven Gerrard os proibiu. Antonio Conte fez o mesmo quando se transferiu para o Tottenham.

É claro que, como qualquer outra coisa, trata-se de um jogo de poder. É uma forma de impor domínio sobre todos os aspectos da vida dos jogadores, de colocar o treinador como uma figura de autoridade, de deixar claro que o condicionamento físico é sua prioridade absoluta. (A maioria dos técnicos, quando aceita um novo emprego, se surpreende com a péssima forma física de todos aqueles atletas de elite magros e musculosos que de repente se colocam à sua disposição).

Mas existe uma interpretação alternativa: a presença dos condimentos pode ser tão significativa quanto sua ausência. Nos casos em que o novo treinador chega para substituir um extremista anti-ketchup, a volta dos condimentos pode ser vista como um ramo de oliveira (bom, uma tapenade, um prato típico originário da França), uma forma de sinalizar ao time que os dias brutais e insípidos do regime anterior chegaram ao fim e que agora se instala uma atmosfera mais colaborativa e confiante.

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A importância de tudo isso é, obviamente, exagerada. Os jornalistas se concentram em pequenos detalhes (o novo treinador é pró ou contra ketchup?) para apresentar um símbolo que ilustre de um jeito bem imediato e compreensível que tipo de técnico o recém-chegado quer ser - um símbolo que nem a nova rotina de treinamentos consegue expressar.

A obsessão aparentemente insaciável da mídia pelos condimentos, porém, aponta para uma verdade maior que em geral não é dita, que flerta com a quebra da quarta parede: os técnicos, via de regra, não fazem tanta diferença quanto pensamos. Na maioria das vezes, sua contribuição é marginal, suas decisões, escolhas e abordagens são irrelevantes para o desenrolar de seus mandatos, seu poder se limita ao seu próprio destino e ao que os jogadores podem comer nas refeições.

É, sem dúvida, o que concluíram quase todos os estudos acadêmicos sobre a influência dos treinadores de futebol. Alguns desses estudos entraram no debate geral: a pesquisa do livro Soccernomics que calculou que o técnico é responsável por apenas 8% dos resultados de determinada equipe e o trabalho publicado em The Numbers Game que subiu o índice para 16%.

Outras pesquisas continuaram restritas aos círculos acadêmicos - um estudo de 2013 revelou que os técnicos interinos tendem a ter um impacto mais direto nos resultados do que os permanentes - mas, em linhas gerais, todas chegaram à mesma conclusão. Apenas os técnicos verdadeiramente grandiosos, gente como Alex Ferguson e Arsène Wenger, tiveram um impacto mais tangível e perceptível. Todos os outros se viram à mercê de fatores não estavam inteiramente sob seu controle: a potência financeira do clube, a qualidade dos jogadores do elenco, a força de seus oponentes. Basta dar uma olhada no Paris Saint-Germain para saber que, mesmo com um técnico de alto calibre e um plantel de alta qualidade, às vezes a mistura não dá certo: para fazer as coisas funcionarem, é preciso gerar algum tipo de faísca, algo entre a química e a alquimia.

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Essa conclusão, entretanto, não é tão simples quanto parece. Oito por cento, para usar a estimativa mais baixa disponível, pode não parecer muito, mas, no contexto do futebol de elite, é uma variável enorme e difícil de manobrar. Afinal, trata-se de um esporte em que as margens são bem estreitas: uma breve perda de concentração, uma ligeira variação tática, uma única decisão tomada instintivamente por um jogador brilhante - tudo isso pode decidir o jogo. O fato de um único membro do clube ser diretamente responsável por quase um décimo do resultado é prova não da irrelevância do técnico, mas do contrário.

O Manchester United - sim, eles de novo - é um exemplo disso. O United tem um dos times mais caros e bem remunerados da história do futebol - fatores que, supostamente, compõem o grande corolário do desempenho: em teoria, quanto mais você paga aos seus jogadores, maior a chance de saber em que posição eles vão terminar o campeonato.

Depois que Ole Gunnar Solskjaer foi demitido, o United acabou em sétimo lugar na Premier League. Foi humilhado, em rápida sucessão, por Liverpool, Manchester City e Watford. Havia pouca ou nenhuma coesão na defesa, nenhum plano de ataque identificável, nenhum sinal de que alguém ali soubesse o que deveria fazer.

Nem tudo é culpa do técnico, claro: os principais culpados foram a desordenada política de contratações do United e sua estrutura falha e desatualizada. Mas o fato de os problemas terem ficado tão visíveis e pronunciados sob Solskjaer, treinador que obviamente não estava à altura do desafio, não deixa de ser um lembrete bem claro: não importa quão bons sejam seus jogadores, eles não conseguem fazer tudo sozinhos.

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Também eles precisam ser coordenados com eficiência, não apenas para competir com o City e o Liverpool, dois dos quatro melhores times do planeta, mas para sobreviver contra um retardatário como o Watford. Afinal, num esporte de margens tão estreitas, não é preciso muito para balançar o equilíbrio e alterá-lo drasticamente. Um técnico apenas bom pode passar a impressão de que não causa muito impacto. Quando não alcança nem mesmo o mínimo, o efeito, como vimos, fica bem óbvio - independentemente de sua política quanto ao ketchup.

A RECOMPENSA VEM DEPOIS DA TEMPORADA

Mas existem circunstâncias atenuantes. Na quarta-feira da semana passada, o Borussia Dortmund partiu para o jogo contra o Sporting na Liga dos Campeões sem vários jogadores titulares: nada de Mats Hummels, Giovanni Reyna nem Raphael Guerreiro, muito menos de Erling Haaland, claro. O técnico Marco Rose estava com recursos tão reduzidos que não conseguiu nem encher o banco de reservas.

Mesmo assim, o fato de a participação do Dortmund na Liga dos Campeões se encerrar antes de dezembro deve ser considerado um fracasso. Até porque - contra Ajax, Sporting e Besiktas, o campeão turco - o Dortmund não pôde lamentar nem as cruéis vicissitudes de um empate difícil na fase de grupos.

Que até mesmo esse grupo tenha se mostrado difícil demais indica que as coisas desandaram em Dortmund. Por mais de uma década, o clube foi apontado como um paradigma de como prosperar no novo mundo do futebol: o sucesso do Dortmund se construía, essencialmente, em torno da ideia de ser um trampolim para os jovens talentos mais brilhantes do mundo, uma estação intermediária no caminho para a glória.

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Não é um elogio despropositado. Embora não tenha levado nenhum título da Bundesliga desde 2012, o clube se manteve competitivo - de maneira geral - ao mesmo tempo em que regularmente vendia ou era despojado da próxima geração do futebol: Robert Lewandowski, Christian Pulisic e, mais recentemente, Jadon Sancho. A sensação, porém, é de retornos cada vez menores. Enquanto as estrelas continuam se formando - Haaland partirá no próximo verão e Jude Bellingham no ano seguinte, provavelmente - os resultados estão diminuindo.

A impressão é de que as prioridades do Dortmund mudaram: vender jogadores já não é o subproduto do esforço de formar uma equipe jovem e competitiva; competir é que agora parece ser uma consequência feliz e ocasional do esforço de compor uma equipe jovem que pode ser vendida. Não chegar às oitavas de final da Liga dos Campeões é um fracasso, claro. Mas não era um troféu que o Dortmund esperasse ganhar este ano. Seu objetivo, em vez disso, é garantir que Haaland seja vendido com uma grande margem de lucro no verão. E esse plano continua em curso. Se é o caminho certo, bom, isto já é uma outra questão...

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