Os Libertadores do Corinthians #1 - Mano Língua: prisão, promessa e o que precisar pelo Timão

No início da série que contará histórias de torcedores corintianos na saga pela Libertadores inédita, Língua conta a odisseia para ver o jogo de ida da final, em Buenos Aires

27 jun 2022 - 11h26
(atualizado às 11h26)
Além da saga na Argentina, Língua também estave no Pacaembu na final da Liberta, em 2012 (Foto: Acervo Pessoal)
Além da saga na Argentina, Língua também estave no Pacaembu na final da Liberta, em 2012 (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Lance!

Quando a cavadinha de Romarinho cruzou a risca do gol de Orión, em Buenos Aires, nenhum torcedor do Corinthians comemorou mais do que Rodrigo Parente, ou melhor, Mano Língua, como é conhecido em meio às organizadas corintianas.

Um dos mais populares moradores do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro, tinha no seu maior prazer cometer loucuras pelo Timão. Àquela, na capital argentina, não era a primeira que Língua cometeu pelo Corinthians, mas foi a mais emblemática pela circunstância, que deu o inédito título continental para o clube alvinegro.

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Até mesmo naquela edição da Libertadores, Rodrigo Parente já havia passado os seus maus bocados. Na primeira fase, quando o Timão foi para Assunção, enfrentar o Nacional, do Paraguai, ele chegou atrasado ao aeroporto e perdeu o voo. Não deixaria de ver o Corinthians, então voltou para a casa e resolveu dirigir quase 2 mil quilômetros até a capital paraguaia.

Língua conseguiu assistir a vitória corintiana por 3 a 1, em uma quarta-feira a noite, mas precisou voltar logo após a partida, para não perder o trabalho da sexta-feira. O corintiano, porém, não suportou o cansaço e bateu o veículo quando dirigia na rodovia Presidente Dutra. A perda só não foi total porque o torcedor conseguiu ver o Timão vencer. A outra conquista foi seguir vivo para contar a história.

De prejuízo, mais de R$ 20 mil. De lucro, mais uma loucura pelo Time do Povo.

Saravá, São Jorge, Mano Língua também é muito devoto da Nossa Senhora da Aparecida. E, para ele, definitivamente, o manto azul da Padroeira do Brasil tinha tons em preto e branco. O torcedor não tem dúvida alguma que foi ela que o abençoou em todos os episódios de maluquices em nome do Corinthians.

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Natural de Ribeirão Preto, mas acolhido pelo Rio de Janeiro, onde mora desde 1999, já era complicado para Língua seguir acompanhando o Timão de perto com frequência morando em outro Estado. Mas o sushiman sempre foi um dos mais insanos do bando de loucos e fazia questão de ir em, pelo menos, dois jogos do Corinthians por mês, viajando para São Paulo ou até outros pontos do Brasil ou fora do país.

Comprometeu o casamento e até mesmo um restaurante que tinha aberto. Mas nunca abriu mão do seu time do coração. Nos dias que antecederam aquele 27 de junho de 2012, Língua colocou em risco até mesmo a sua liberdade individual para acompanhar de perto os primeiros 90 minutos da libertação corintiana.

A viagem para Buenos Aires não previa sustos. Rodrigo Parente programou o voo com alguns dias de antecedência, para curtir a capital argentina. Não tinha passaporte, mas sabia que poderia entrar no país vizinho com uma cédula de identidade, mas não reparou que a carteia de habilitação só tinha essa validade em território nacional. Começou, então, uma saga única na sua vida.

Transferiu a passagem para Porto Alegre, a fim de ficar mais perto da Argentina e ver o que faria depois dali. Pagou a diferença de valores e embarcou. Da capital gaúcha, foi até a cidade de Uruguaiana, também no Rio Grande do Sul, e que faz divisa com Buenos Aires.

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Na duana, foi barrado de entrar em território argentino, pelo mesmo motivo que foi embargado em São Paulo, a falta da cédula de identidade.

Não seria o novo impedimento que encerraria a saga de Língua em busca de ver o Timão. Naquele episódio, o dia do jogo já ficava mais perto, e nem ingresso o torcedor tinha. Somente a esperança de que chegaria na Bombonera no dia da partida e a devoção que Nossa Senhora da Aparecida, a quem fez a promessa de que se conseguisse assistir ao jogo no estádio iria a pé do Rio de Janeiro até São Paulo.

Mano Língua, então, tentou entrar na Argentina de forma irregular. Um taxista indicou uma pessoa que o colocaria em solo portenho através dos matagais, de madrugada. O corintiano, então, tentou, mas foi detido pela segurança local.

Porém, mesmo no pior dos momentos, algo que Língua não perdeu foi o seu senso humor. Brincou com os guardas, os presenteou com um boné do Corinthians e os convenceu a soltá-lo.

- Pô, cara, você não sabe o bem que está fazendo para mim em me deixar ver esse jogo - disse Língua aos policiais, em relato exclusivo ao LANCE!.

- Eles acabaram me liberando - concluiu o torcedor corintiano.

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E os guardas não só soltaram Língua como o levaram até a rodoviária para que pudesse comprar uma passagem de ônibus até Buenos Aires.

No percurso rumo à capital argentina, duas blitz quase interromperam a odisseia. Em uma delas, precisou retornar a Paso de los Libres, cidade onde ficou detido por algumas horas. Fez com que dois policiais entrassem em conflito sobre o que fariam com ele, mas, no fim, foi solto novamente e colocado em outro ônibus.

Na segunda batida policial no veículo que estava, teve que tirar a roupa para provar para a autoridade que não carregava drogas consigo. Mas não tinha problema, contando que não perguntassem a ele sobre a identidade. Passou em branco e ele seguiu.

O destino que parecia que nunca chegaria, chegou, na tarde do dia 27 de junho, horas antes da bola rolar na Bombonera.

A saga, então, era a busca por ingressos. Eram mais de 5 mil corintianos na capital argentina sem ter o bilhete para entrar no estádio.

Língua não lembrou de comer, beber, dormir, até mesmo de fazer as necessidades básicas de um ser humano. A luta era conseguiu a entrada ao estádio do Boca Juniors. Chegou até mesmo dar entrevistas para veículos de comunicação do Brasil e da Argentina, contando a sua história, mas desistiu quando viu que os times já entravam em campo e ele assistia em uma televisão pequena ao lado de diversos outros corintianos do lado de fora de La Boca.

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Foi quando um ônibus da Gaviões da Fiel chegou até a porta do estádio, já atrasado, e fez todos aqueles corintianos se calassem. Por alguns minutos, a atenção que estava na tevê se voltou ao veículo, quando um representante relatou que tinha um ingresso sobrando, pois um dos integrantes da caravana ficou no caminho por falta de documento de identidade.

A decisão dos integrantes da uniformizada, então, foi dar aquele ingresso para o mais louco daquele babdo, e como a história do Mano Língua já havia chego ao conhecimento dos torcedores, a escolha foi por ele.

Língua então se juntou aos membros da caravana, passou pelo processo de entrada, com revista e identificação. Entrou na Bombonera para assistir o segundo tempo. Viu Roncaglia abrir o placar para o Boca, mas tinha certeza que toda a sua saga até Buenos Aires não era nada perto da que o Corinthians viveu para chegar até aquela final de Libertadores. O torcedor não tinha dúvidas que o Timão não sairia daquele jogo perdendo. Virou certeza no gol do Romarinho.

Na semana seguinte, o Time do Povo alegrou a sua Fiel Torcida ao confirmar o título inédito, e faltava ao Mano Língua cumprir uma promessa, que foi paga no ano seguinte, em 2013, quando ele foi a pé de Rio até SP.

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Língua contou com a ajuda de diversas pessoas durante o trajeto a pé, e também fez amizades no percurso (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Lance!

Durante o pagamento da promessa, Língua teve que dormir em locais pouco confortáveis (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Lance!

O trajeto foi relatado diariamente pelo Corinthians, através dos portais oficiais, algo fundamental para que Rodrigo Parente cumprisse a trajetória, pois contou com o apoio de outros loucos do bando a apoiá-lo quando ele necessitou.

- Rodei a (rodovia Presidente) Dutra por 14 dias, 480 km até Itaquera. No primeiro dia eu andei 60 km. Os três primeiros dias foram muito sofridos, começou a dar muita bolha no pé. O Corinthians colocou no site que eu estava pagando a promessa e quando atravessei a divisa entre Rio e São Paulo eu não andei mais sozinho. Tinha dia que andei com 17 pessoas ao meu lado, teve dia que era um, dois, mas sempre tinha alguém caminhando comigo. Em uma hora que eu estava quase desistindo, meu pé estava cheio de bolhas, e tinha um corintiano com pomada, me ajudou - contou Língua, ao L!.

Anos mais tarde, Língua voltou a fazer loucuras pelo Timão. Chegou até a entrar em ônibus errado de caravana e parar em Aracaju. E ele segue religiosamente a sua média de ir em, pelo menos, dois jogos do Corinthians por mês, as vezes até mais.

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Em 2022, voltou a Buenos Aires para acompanhar o Time do Povo contra o Boca, pela fase de grupos. Retornará para o jogo de volta das oitavas de final. E espera chegar até Guaiaquil, no Equador, para ter mais histórias para contar com o caneco da segunda Liberta corintiana.

Dez anos depois da saga de 2012, Língua voltou a Buenos Aires para assistir um jogo do Corinthians (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Lance!
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