Uma auditoria interna realizada no Corinthians expôs um cenário amplo de irregularidades na gestão dos materiais fornecidos pela Nike, revelando problemas que vão desde falhas básicas de controle até o desvio e a comercialização clandestina de uniformes oficiais.
O relatório, encaminhado ao presidente Osmar Stabile, ao Conselho Deliberativo e também à Polícia Civil, que já conduz um inquérito sobre o caso, menciona diretamente o vice-presidente Armando Mendonça como figura central em parte dos episódios classificados como inconformes.
Segundo o documento, o clube extrapolou em quase 300% a cota contratual anual de materiais recebidos da Nike. Apenas entre 2024 e 2025, o Corinthians acumulou R$23,7 milhões em produtos, um excedente de R$15,7 milhões em relação ao limite de R$4 milhões por ano previsto no contrato. Ainda assim, diversas modalidades do clube seguem sem uniformização adequada, com relatos de peças desgastadas, remendadas ou simplesmente inexistentes.
A auditoria listou sete irregularidades consideradas graves. Entre elas, o acúmulo de materiais antigos sem destinação, ausência de inventário há mais de quatro anos e notas fiscais não lançadas no sistema, que somam R$6,4 milhões e representam risco fiscal ao Corinthians. O relatório também aponta distribuição desigual de uniformes, pedidos sem planejamento, retirada de materiais sem seguir o fluxo de aprovações e solicitações feitas por pessoas sem autorização.
Embora o Corinthians possua dois almoxarifados, o do Parque São Jorge, que atende base, feminino e outros esportes, e o do CT Joaquim Grava, que abastece o profissional masculino, o funcionamento de ambos foi considerado desorganizado e frágil.
A desordem contrasta com a quantidade de itens recebidos. Só em 2025, até 10 de outubro, foram 41.963 produtos enviados pela Nike. Ainda assim, modalidades como esportes aquáticos não receberam uniformes oficiais, e a base foi instruída até a "racionar material" antes da Copinha.
Categorias como sub-12 e sub-13 treinam com modelos de 2019 e jogam com peças de 2021. Em paralelo, o Corinthians gastou R$776 mil na compra de 13,5 mil itens licenciados para suprir departamentos como futsal e basquete, mesmo que os uniformes fornecidos pela Nike não gerassem custos ao clube.
A desorganização chegou ao ponto de afetar o time principal. Às vésperas do duelo contra o Fluminense, em 13 de setembro, o clube percebeu que não havia camisas brancas suficientes para o uniforme número 1. Sem tempo hábil para reposição, o Corinthians pediu ao rival que ambos atuassem com o segundo uniforme, o que foi aceito.
A auditoria também investigou uma denúncia anônima sobre venda ilegal de uniformes. O esquema, segundo o relatório, envolvia funcionários do clube comercializando peças do estoque oficial.
Um deles foi flagrado vendendo camisas por R$150 e R$180, admitiu participação e confirmou o desvio. Seu nome não foi divulgado.
Responsável pela gestão dos materiais desde maio, Armando Mendonça aparece como protagonista em diversas ações consideradas incômodas ou irregulares.
O relatório aponta que ele foi o principal destinatário de camisas solicitadas sob o argumento de "relacionamento da diretoria", normalmente de seis a 11 peças por jogo. Também teria pedido para si 19 camisas especiais usadas no clássico contra o Palmeiras, com patch da NFL. Ao saber que o pedido havia sido detectado, cancelou a solicitação, mas retirou oito peças sem formalização posterior.
Entre 6 de junho e 30 de outubro, o vice retirou 131 itens, sem contar as camisas em dias de jogo. Há registros de retiradas diretas na rouparia, sem controle formal. A auditoria também menciona a transferência de materiais considerados insatisfatórios do CT para o Parque São Jorge, sem documentação fiscal.
Além disso, o documento relata que Mendonça teria adotado tom agressivo em conversas com o diretor de Tecnologia, Marcelo Munhoes, responsável pela auditoria. Em um dos episódios, o vice teria entrado sem convite em reunião com representantes da Nike, formulando perguntas e respondendo ele mesmo, o que gerou "constrangimento e intimidação".
O relatório final lista 17 recomendações para reorganizar processos internos, reforçar sistemas de controle e corrigir distorções na distribuição de materiais. Para os auditores, as falhas encontradas revelam um ambiente de baixa governança e riscos que podem ter permitido desvios e uso indevido de patrimônio.
A diretoria do Corinthians não se manifestou até a publicação do relatório.
Armando Mendonça contestou os pontos apresentados. Ele afirma que não é responsável pela política de distribuição de materiais, que apenas ajudou a reorganizar processos caóticos encontrados no início da gestão e que o relatório é "tendencioso" e "desconectado da verdade". Diz que solicita melhorias no sistema de controle e defende que as retiradas feitas se destinavam a ações de relacionamento. Também nega qualquer ameaça ou interferência na investigação.
"Lamento profundamente informações desamparadas de material probatório", afirmou, acrescentando que sempre apoiará "melhorias, maior controle e apuração correta de irregularidades".