A Porsche decidiu sair do FIA WEC e reforçar sua presença na Fórmula E devido a questões de marketing, estratégias financeiras e alinhamento com sua política de eletrificação, priorizando redução de custos, exposição em um público jovem e consolidação como marca de carros elétricos.
Se tem alguém que está bastante nas manchetes automotivas nos últimos tempos é a Porsche. Os alemães têm contado com dias bem atribulados em 2025. Normalmente, toda grande organização faz suas previsões anuais. Normalmente, são considerados vários cenários, indo dos otimistas, moderados e os pessimistas. No caso da Porsche, a coisa pegou. E feio.
Nos últimos anos, a Porsche contou com uma situação financeira invejável, apresentando lucros crescentes ano após ano após de todo o escandalo do Dieselgate. Tanto que levou a investir pesado em uma eletrificação de sua linha. Porém, os ventos mudaram e os tempos de fartura viraram: queda de vendas na China e Europa, tarifas nos Estados Unidos (principal mercado) e os investimentos na eletricidade viram receitas e lucros caírem.
Nestes instantes, saem os entusiastas e entram em ação os planilheiros, prometendo a salvação da lavoura com cortes de gastos e investimentos mirabolantes. Só resta citar a frase que estava na entrada do Inferno, colocada por Dante Alighieri na "Divina Comédia": Vós, que entrais, abandonai toda a esperança.
Os planilheiros farejam custos para corte com a sanha de um faminto em busca de saciar a fome. E o que logo aparece na frente na indústria automotiva? Ponto para quem respondeu "esporte a motor".
No caso da Porsche, a parte mais fácil de ser cortada seria o programa de Hypercar. O 963 veio às pistas em 2023 e logo se mostrou competitivo, tendo a pesada e competente estrutura de Roger Penske como operadora tanto no FIA WEC e IMSA. E claro que, honrando a tradição da marca, quem tivesse a disposição de gastar 2,8 milhões de euros poderia comprar um exemplar para botar na pista.
Mesmo com o campeonato de pilotos em 2024 no FIA WEC,a permanência já ficava em xeque. A discussão sobre a prorrogação dos regulamentos era bem-vinda, mas tinham dois pontos que a Porsche discutia: o Balanço de Performance (BoP) e a convergência entre as plataformas LMDh (IMSA) e LMH (FIA/ACO).
Desde o início, a Porsche havia decidido pela plataforma LMDh, mais simples tecnicamente, usando sistema híbrido padrão e acionado pelo eixo traseiro e no câmbio. A fórmula do Balanço de Perfomance se mostrou mais efetiva no IMSA do que no FIA WEC, embora os dados de homologação sejam os mesmos para os dois campeonatos. Para o FIA WEC, os LMDh têm que fazer um esforço maior para chegar nos LHM. A edição 2025 das 24 Horas de Le Mans acabou sendo um pouco demonstrativa disso, com os Porsche andando boa parte do tempo "pendurados" para poder andar próximos de Ferrari e Toyota.
Embora as discussões tenham sido intensas, a Porsche decidiu deixar o FIA WEC com seu time oficial ao final da temporada encerrada com as 8 Horas do Bahrein. Porém, graças aos acordos com a Penske, optou por manter a operação nos EUA. Só a Operação da Porsche Penske no FIA WEC é estimada entre 60 e 80 milhões de doláres.
Porém, semanas depois do anúncio de saída do FIA WEC, a Porsche surpreende ao anunciar na última segunda (17) que alinhará um segundo time na Fórmula-E a partir da Temporada 13, quando será introduzido o novo GEN4.
Mas como explicar a saída de um campeonato,onde o interesse do público vem crescendo ano após ano, e o reforço de posição em um certame que tem tido turbulências e joga suas fichas em um pacote técnico totalmente renovado e que tem parte dos fãs torcendo o nariz?
Explica-se pela combinação de marketing, finanças e teimosia.
Pelo lado do Marketing, embora o FIA WEC tenha sido um belo chamariz para a marca, a Fórmula-E faz mais sentido para a política da Porsche investir em uma linha 100% elétrica. Não podemos esquecer que a Porsche e o Grupo VW tem sim uma consciencia pesada do que aconteceu no Dieselgate e esta é uma forma de "expiar" seus pecados, tentando construir uma imagem de "ambientalmente responsável".
As projeções iniciais eram de que as marcas europeias parassem de fabricar motores a combustão em 2026 e que em 2035, somente carros elétricos e/ou hibridos fossem vendidos. Porém, a Guerra da Ucrânia em 2022 deu início ao fim do sonho de energia barata na Europa. Além disso, os desafios tecnológicos ainda não foram totalmente transpostos, o que tem feito uma série de politicas serem repensadas.
O Grupo VW se jogou de cabeça na eletrificação e a Porsche faz parte do esforço. Porém, as apostas não foram tão acertadas assim e isso tem pesado no balanço financeiro, Desistir agora da eletrificação não se pode, mas o ritmo tem sido mudado.
Diante deste quadro, investir em um modelo híbrido que tem pouca coisa feita em casa em termos de equipamento e acaba sendo mais firme em gestão de energia (softwares) vale a pena? O investimento na Fórmula-E acaba sendo mais lógico neste quadro.
Pelo lado do custo, investir em um time na Fórmula-E acaba sendo mais barato. A categoria também conta com o sistema de teto orçamentário como a F1. No caso da Porsche, ela teria um teto de 13 milhões de euros como time e de 25 milhões de euros como fabricante de trem de força para poder desenvolver. Teria mais lógica gastar aqui pois a parte de eletricidade dos carros pode ser mais mexida...
E pelo lado da teimosia, entra a questão de negócios não finalizados. Nos últimos anos, especialmente com o Gen3, a Porsche tem mais louros com os outros do que de seus próprios. No caso da Andretti, ela usou os trens de força da Porsche, mas isso passou totalmente batido pelo publico. Mesmo sendo o time com mais pontos marcados na categoria e tenha vencido o Campeonato de Construtores em 24/25 e o título de pilotos com Pascal Wehrlein em 23/24, a Porsche não é vista como vencedora pelo público da Fórmula E.
Neste sentido, ao invés de fornecedor trens de força para outros times, vale a pena montar um segundo time oficial, com 100% de controle total. Isso vai um pouco de encontro com o que a Stellantis está fazendo, tendo a DS Penske e agora a Citroen Racing (que substitui a Maserati). Seria uma maior exposição a um custo equivalente ao do FIA WEC perante um público mais jovem.
Diante deste contexto, a escolha da Porsche faz sentido. Entretanto, ainda há muita coisa em aberto e não seria surpresa alguma os alemães anunciarem brevemente o seu retorno ao FIA/WEC. Mas isso é conversa para outro time...