Frank Williams, 1942-2021

De um internato na Escócia para a construção de um colosso na Fórmula 1, Frank Williams marcou para sempre o automobilismo e se tornou lenda

28 nov 2021 - 14h45
Frank Williams morreu aos 79 anos
Frank Williams morreu aos 79 anos
Foto: Reprodução / Grande Prêmio

Mais que simplesmente as brigas na pista, a emoção da velocidade e as corridas onde os pilotos ganham aura de destemidos cavaleiros da era motorizada, a Fórmula 1 se cria e populariza de personalidades. Caricaturas, sem usar da palavra de maneira pejorativa, que representam as mais diferentes versões humanas em posições de exposição. E destas caricaturas nascem histórias, crescem eternidade de um mundo que já não existe mais. O passado nunca existe mais, afinal. Na Fórmula 1, ninguém representou mais o romantismo da virada dos tempos que Frank Williams. O fundador da equipe que leva seu sobrenome foi a representação da posteridade no presente por tempo demais.

Filho de um militar e uma professora, Frank nasceu em 1942 na cidade de South Shields, no nordeste da Inglaterra, mas a separação dos pais ajudou com o que se tornaria a missão de uma vida. Adolescente, foi enviado a estudar num internato escocês em Dumfries. Foi lá, no fim dos anos 1950, que viu despertar a paixão pelos automóveis. Um amigo mais endinheirado chegou com o lançamento do ano de 1957, o Jaguar XK150, e deu na mão de Williams. Foi amor ao primeiro toque: apaixonado, sabia que era daquilo que gostaria de viver para o resto da vida.

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Nos anos seguintes, de chegada à vida adulta, Frank tentou ser piloto, viveu a vida de mecânico e conseguiu, em 1966, abrir o próprio negócio. O trabalho mexendo, montando e desmontando carros ajudou, claro, mas a parte mais importante da grana para estabelecer a Frank Williams Racing Cars foi o trabalho de caixeiro viajante. Tudo que Frank Williams fazia tinha o objetivo de alimentar e construir o que era mais do que apenas paixão, a obsessão.

Frank Williams junto de Ralf Schumacher e Juan Pablo Montoya em 2001 (Foto: Emmanuel Dundand)

Embora a meta final fosse a Fórmula 1, os primeiros anos foram dedicados às Fórmulas 2 e 3, então possíveis, até 1969. Foi então que, mais experiente, comprou um chassi da Brabham para entrar de vez no paraíso. O chassi escolhido era também parte de um plano, uma vez que Piers Courage defendia a Williams nas outras categorias desde o começo e, em 1968, guiara exatamente o mesmo carro da Brabham na F1 para alguns pontos. Courage defenderia a Williams no ano de inauguração da história da F1 para dois pódios: segundos lugares em Mônaco e nos Estados Unidos, em Watkins Glen. Richard Atwood passou por uma corrida naquele mesmo ano num segundo carro.

Williams não tinha a potência financeira, mesmo naqueles tempos onde bilionários eram coisa do futuro, para se manter no auge junto a gente poderosa. A costura de parcerias, então, era fundamental para a escalada. Algumas deram certo, outras, nem tanto. Em 1970, o parceiro era argentino-italiano Alejandro de Tomaso, fundador da De Tomaso Automobili, mas durou somente alguns meses. Os laços foram cortados após o primeiro grande golpe em Frank: a morte de Courage no GP da Holanda. Williams nunca escondeu que a morte do amigo Courage marcou para o resto da vida.

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Frank seguiu comprando chassis de outras construtoras para colocar a marca Williams na pista até meados da temporada 1972, quando, finalmente, o primeiro carro totalmente feito pela companhia tomaria a pista no GP da Inglaterra. Duraria pouco. Ainda naquela corrida, o único piloto da Williams a receber o carro, Henri Pescarolo - José Carlos Pace era companheiro de equipe -, destruiu rapidamente num acidente. Frank gastara mais do que tinha no desenvolvimento daquele chassi filho único - o Politoys FX3 - que considerava um investimento para o sucesso futuro, e ficou em situação financeira dramática. Até o telefone da fábrica da Williams e de seu escritório foram cortadas por falta de pagamento. Assim, a solução foi ir atrás de uma patrocinadora robusta: as escolhidas foram a Marlboro, gigante da indústria do tabaco, e a Iso Rivolta, fabricante italiana de carros.

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Frank Williams na garagem da equipe em 2009 (Foto: Mario Laporta/AFP)

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As duas companhias aportaram algum suporte no ano seguinte, mas não era o suficiente para acabar com todo o drama financeiro para o restantes dos tempos. Jacques Laffite marcaria um pódio mais para aquele time a caminho da extinção, em 1975, mas a chegada de Walter Wolf, um magnata canadense do ramo do petróleo, decretou aquilo que já se desenhava há alguns anos: o controle da equipe não pertencia mais a Frank, que resolveu deixar a companhia após 1976.

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A saída não significava o fim do desejo de Frank Williams fazer parte do viciante mundo da Fórmula 1, especialmente porque Bernie Ecclestone começava a se posicionar como negociador coletivo das equipes inglesas com circuitos pelo mundo e a FIA, o que passava a render mais receitas e fazia os envolvidos mais espertos vislumbrarem o dia em que aquela brincadeira seria um negócio rentável e não mais somente uma maneira divertida de meninos ricos jogarem dinheiro no ralo. Imediatamente, Frank se juntou ao engenheiro Patrick Head, que saiu da equipe prévia junto dele, para formarem um novo negócio, aproveitando o nome e alguma pouca renda que sobrara. Juntos, compraram um galpão na cidade de Didcot e começaram outro projeto: a Williams Grand Prix Engineering.

A nova Williams entrou no páreo já em 1977, mas foi no ano seguinte que apareceu o FW06, primeiro carro assinado por Head. Era o começo de uma nova era. O primeiro pódio veio naquele ano com a vitória de debute em 1979, com Clay Regazzoni, na Inglaterra. Alan Jones venceria quatro outras corridas no fim da temporada. Era, também, a preparação que a Williams precisava. O aviso do que seria o futuro. A equipe se avisava como um dos times dos anos 1980.

Embora nada disso jamais tenha sido oficializado, Ecclestone relata em sua autobiografia 'Nunca fui Anjo', que fez diversos empréstimos a Frank, que se colocava como um aliado nas brigas políticas pelo controle das negociações coletivas na F1, para que mantivesse o controle e a estabilidade da Williams em meio àquele sucesso que se avizinhava. Algumas vezes, os empréstimos se transformavam também em roupas e objetos luxuosos. Uma tentativa de Frank não apenas vencer nas pistas e ser respeitado como dono de equipe, mas de pertencer ao clube da riqueza que estava estabelecido entre seus pares.

Frank Williams acompanha equipe em 2008 (Foto: AFP)

O sucesso bateu de vez. Ao longo dos anos 1980, a Williams ganhou quatro vezes o Mundial de Construtores (1980, 1981, 1986 e 1987) e três de Pilotos (Alan Jones em 1980, Keke Rosberg em 1982 e Nelson Piquet em 1987). O ano de 1986 é o mais importante para a biografia pessoal de Frank, entretanto. Em março daquele ano, o já histórico Frank acompanhou um teste da Williams na pista francesa de Paul Ricard, próxima a Marselha. No fim do dia e desejoso de participar de uma meia maratona em Londres, no dia seguinte, pegou o carro para ir até o aeroporto de Nice, perto de Mônaco, mas perdeu o controle de um Ford Fiesta 1600 ao longo da viagem. O carro caiu numa pequena ribanceira até tocar o chão quase 2.5 m abaixo.

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Consciente, Williams soube imediatamente que não conseguia se movimentar e foi retirado do carro por Peter Windsor, na época gerente de marketing da equipe, que estava no banco do carona e sofrera somente escoriações leves. Os médicos salvaram a vida de Frank, que ficou extremamente ameaçada, mas a fratura entre a quarta e a quinta vértebra da coluna espinhal decretou que o chefão viveria o restante da vida tetraplégico.

"Eu me atrasei para um voo para o qual eu não precisava ter me atrasado, confundi os horários da França e da Inglaterra", explicou certa vez sobre os motivos de ter ido a um aeroporto mais distante. "Mas a vida tem de continuar. Eu pude continuar os negócios em que já estava, mas, em termos gerais, tem sido uma deficiência no sentido verdadeiro da palavra", apontou.

A esposa Virginia, popularmente chamada de Ginny por Frank e na Fórmula 1, conseguiu fazer com que o marido fosse levado de volta para seguir o tratamento na Inglaterra, mas Williams ficaria longe das rédeas da equipe ao longo de 1986, numa campanha vencedora e enquanto a relação entre os titulares Piquet e Nigel Mansell azedava de maneira olímpica. Head ficou responsável pela garagem. As vitórias nas pistas e a vida salva renderam a Frank a medalha de Comandante da Ordem do Império Britânico, pela Rainha Elizabeth II, no fim daquele ano.

Nigel Mansell brilhou com a Williams (Foto: Adelaide GP/Reprodução/Instagram)

Após 1987, a Williams teve que aceitar que era hora de sentar no assento do observador para a McLaren dominar a F1 nos anos seguintes. Mas só até a virada da década. Em 1991, empurrada por motores Renault, a Williams começava a colocar em prática o desenho da suspensão ativa e de um carro que mudaria o jogo. As coisas esquentaram no fim daquela temporadas, mas em 1992 o Carro de Outro Mundo. Mansell, de volta à equipe após os dissabores de anos antes, enfim levantou o caneco da F1. A pontuação de Mansell foi quase o dobro do vice-campeão, Riccardo Patrese, que não por acaso era o companheiro de equipe.

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Alain Prost, então tricampeão mundial e que ficara fora do grid em 1992 após a briga com a Ferrari em 1991, ficou interessado. Mansell, como campeão de maneira dominante, queria segurança de que seria tratado pela equipe como piloto #1, sobretudo para evitar os problemas com Piquet no fim dos anos 1980 e com o próprio Prost na Ferrari. Frank não quis fazer qualquer promessa, então Nigel decidiu deixar o time. Prost chegou e recebeu Damon Hill, que fora piloto de testes no ano anterior, como companheiro. Prost não sobrou como Mansell, mas fez o suficiente para conquistar o tetracampeonato e se aposentar.

Ayrton Senna, então, era o nome da vez. Williams se interessava no brasileiro há muito tempo, mesmo antes do Senna sequer participar da F1. Era somente agora, com Ayrton tricampeão e veteranos de dez anos, que a oportunidade aparecia de verdade. As muitas mudanças de regras técnicas para 1994 complicaram a Williams, que começou o ano tendo de correr atrás da concorrência.

"Frank teve um caso de amor com Ayrton", disse a filha e sucessora Claire, em 2019. "Ayrton entrou no coração e na cabeça, e [Frank] sempre quis colocá-lo em seu carro. Os desejos do meu pai se tornaram realidade, mas terminaram da pior forma possível", lembrou.

Senna fez pole-position nas três primeiras provas da temporada, mas não completou nenhuma. Acidentes no Brasil e no GP do Pacífico precederam a tragédia de San Marino. A morte de Senna levou Frank para os tribunais, onde chegou a ser acusado de homicídio culposo, onde não há intenção de matar, pela Justiça italiana, por conta de problemas no carro da equipe. Seria inocentado algum tempo depois. Mas Senna nunca mais deixou o carro enquanto Frank esteve lá: um logo do piloto brasileiro passou a ser colocado na asa dianteira de 1995 em diante.

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Damon Hill levou a Williams ao título em 1996 (Foto: Reprodução)

Com Damon Hill acompanhado de Mansell e David Coulthard no resto da temporada, a Williams ainda conquistou o tricampeonato do Mundial de Construtores. Voltaria a levar a melhor em 1996 e 1997. Após Mansell em 92 e Prost em 93, Hill e Jacques Villeneuve levariam a glória de Pilotos em 1996 e 1997, respectivamente.

Os tempos mudaram nos anos 2000. A Williams não conquistou mais títulos após 1997 e caíram de rendimento a partir do meio da Era Schumacher. Entre momentos melhores e piores, nunca mais houve briga por caneco. Desde 2004, a Williams só venceu duas corridas: o GP do Brasil de 2004, com Juan Pablo Montoya, e o GP da Espanha de 2012, com Pastor Maldonado. Os garagistas, como Frank, passaram a ser raça em extinção. A era da F1 como um clube de playboys desapareceu há muitos anos, mas abriu espaço para o tempo das grandes corporações e seus orçamentos incalculáveis. A Williams sobrou durante muitos anos como uma fotografia feita em lambe-lambe: um reflexo do tempo que já foi.

Os problemas de saúde fizeram Frank se afastar das operações diárias da Williams em 2012, quando ele cedeu o lugar no Conselho-Diretivo para a filha Claire Williams. Frank se manteve oficialmente como chefe de equipe, mas era Claire, como chefe-adjunta, que dava as ordens de verdade. A estrutura se manteve durante a venda das divisões de engenharia e de motores híbridos da Williams, em 2014, para aplacar os problemas financeiros. E foi com essa estrutura que chegou a venda para o grupo de investimentos Dorilton Capital, em 2020, que encerrou a ligação da família e de Frank com a equipe que foi o projeto de sua vida.

Uma lenda da Fórmula 1, Frank Williams sobrevive pelos filhos Jonathan, Jamie e Claire, e netos. A esposa Virginia morreu em 2013.

"Foi uma grande jornada, uma jornada que eu gostaria de refazer se fosse mais novo. Não faria nada diferente exceto tentar evitar os acidentes", disse em entrevista à BBC em 2010. A jornada de Frank é a F1 na mais romântica das faces.

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