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Seria possível cumprir o teto de gastos em 2022 com cortes em despesas não obrigatórias

Precatórios seriam pagos integralmente e um reajuste de R$ 14 bilhões no Bolsa Família caberia nas contas

25 set 2021 - 04h10

Os gastos com sentenças judiciais e precatórios chegarão a R$ 89,1 bilhões em 2022, um crescimento de 61% em relação ao previsto para este ano. Associada à piora das expectativas para a inflação, a elevação das despesas com ações perdidas pela União na Justiça coloca em xeque o cumprimento do teto de gastos do ano que vem. Nesse contexto, a Instituição Fiscal Independente (IFI) tem alertado, em seus trabalhos, para o risco de soluções que, embora legítimas, podem colocar em risco a credibilidade da política fiscal.

Vale lembrar que, até meados de 2021, o cenário para o teto de gastos de 2022 parecia confortável. A inflação elevada de junho havia provocado uma correção expressiva do teto e a expectativa era de que a pressão sobre os preços cedesse de forma relevante até dezembro. Como os gastos de determinado exercício são mais sensíveis à inflação do fim do ano anterior, o descasamento entre os índices observados em junho e dezembro de 2021 provocaria uma folga no teto de gastos de 2022. Essa folga poderia, então, acomodar novas despesas, como a já aguardada ampliação do Bolsa Família (ou de seu substituto, o Auxílio Brasil).

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Por que a inflação de dezembro é tão importante para os gastos do ano seguinte? Basicamente, porque gastos com benefícios previdenciários, assistenciais e trabalhistas são corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) apurado em dezembro do ano anterior. Essas despesas respondem por mais da metade das despesas primárias da União.

Além disso, a inflação do fim do ano, em comparação com a de junho, também tende a ter maior influência sobre os preços de bens e serviços adquiridos pelo setor público no ano seguinte. Ocorre que o cenário para o teto de gastos de 2022 mudou. O processo inflacionário, afetado inicialmente pela taxa de câmbio e pelos preços de alimentos, combustíveis, energia e bens industriais, já se dissemina para o setor de serviços. As expectativas mais recentes do mercado para o IPCA de 2021 superam os 8,0% (estavam próximas a 6% em junho). Ainda assim, se o IPCA e o INPC ficarem entre 8% e 8,5%, haveria folga no teto de 2022.

Além disso, o Executivo informou que os gastos previstos com sentenças judiciais e precatórios de 2022 passaram de R$ 57,8 bilhões para R$ 89,1 bilhões. Em outras palavras, a folga do teto de gastos, hoje, é bem menor do que se previa em junho. Essa redução na folga ocorre tanto em função da surpresa na inflação, que deve ser mais alta ao final deste ano, quanto em decorrência do maior volume de gastos obrigatórios após divulgação da nova previsão para os precatórios. O desafio para o teto de gastos está posto.

Para contornar tal situação e abrir espaço no teto de gastos, surgiram propostas que visam criar uma "solução" para a questão dos precatórios. Basicamente existem quatro propostas na mesa. A primeira corresponde à PEC 23/2021, que propõe o parcelamento de parte dos precatórios e sua exclusão do teto de gastos. A segunda preconiza a retirada das sentenças judiciais e dos precatórios do teto. A terceira trata de limitar essa despesa e postergar o excesso para 2023. A quarta é uma variação da terceira, mas incluindo possibilidade de realizar encontros de contas entre dívidas da União com terceiros (precatórios) e destes com a primeira.

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O Relatório de Acompanhamento Fiscal da IFI (RAF) de setembro avaliou cada uma das propostas, à exceção da última, e mensurou a folga que se abriria no teto de gastos em cada caso. O espaço no teto derivado da retirada do teto é de R$ 48,6 bilhões, o mesmo calculado para as propostas que fixam limite máximo. Já o parcelamento abriria espaço fiscal de R$ 39,2 bilhões. Como se percebe, essas soluções envolvem uma alteração no atual arcabouço do teto de gastos. A decisão por alterar ou não uma regra fiscal deve ser precedida de debate técnico e deve ir na direção de fortalecer a regra. Alterar a regra do teto de gastos, em um contexto de dificuldades para cumpri-la, poderá abalar ainda mais a credibilidade da política fiscal.

As contas realizadas pela IFI mostram que seria possível cumprir o teto em 2022 com cortes em despesas discricionárias (não obrigatórias), que ficariam em R$ 104 bilhões. O nível é baixo, historicamente, mas não inviabiliza o funcionamento do Estado. Os precatórios seriam pagos integralmente e um reajuste de R$ 14 bilhões no Bolsa Família caberia nas contas. Além disso, deve-se questionar a classificação dos precatórios do Fundef (R$ 16,2 bilhões), dado que os gastos federais com seu sucessor, o Fundeb, foram explicitamente excluídos do teto de gastos. O enfraquecimento da confiança no compromisso com a disciplina fiscal independe da aquiescência do governo ou de que eventual alteração das regras do jogo obtenha o crivo do Legislativo. Basta que os agentes econômicos deixem de perceber que as regras vigentes são capazes de moldar o comportamento das contas públicas.

A questão, portanto, não é necessariamente gastar mais ou menos, mas fazê-lo de forma transparente, respeitando as regras do jogo e demonstrando que o expediente é compatível com critérios de eficácia e eficiência e com uma trajetória sustentável para o endividamento público. Ou se estará fragilizando justamente o regime fiscal que supostamente se pretende preservar.

*SALTO É DIRETOR EXECUTIVO DO IFI; COURI É DIRETOR DO IFI e VILMA É DIRETORA DO IFI

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