CHAPADA DOS GUIMARÃES, MT - Ao encerrar a cúpula dos ministros da Agricultura das 20 maiores economias do mundo em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cobra da comunidade internacional ajuda financeira para manter a produção de alimentos dentro de um modelo mais sustentável. O ministro insiste que produtores rurais que mantém áreas de vegetação nativa de pé devem receber por isso. "É fundamental sair do discurso e ir para a prática do compromisso da produção sustentável. O Brasil apresentou o seu modelo de produção sustentável, que é a recuperação de áreas degradadas, o que exige muito investimento", disse Fávaro, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, nos bastidores dos encontros do grupo de trabalho da Agricultura do G20 Brasil. Esse compromisso da comunidade internacional com sistemas alimentares mais resilientes e sustentáveis foi firmado na sexta-feira, 13, em uma declaração conjunta dos ministros da Agricultura do G20.
Recebendo o G20 pela primeira vez, Fávaro descarta a possibilidade de impactos negativos da ocorrência das queimadas em meio à realização da cúpula no País. "Mostramos a todas as delegações o mundo real, que o Brasil produz muito, que o Brasil tem o Código Florestal mais exigente do mundo, mas que, infelizmente, temos desafios gigantes", afirmou o ministro. Ele também defendeu o fomento a práticas para desestimular o desmatamento, como o pagamento por serviços ambientais, e reiterou a posição contrária do Brasil contra a lei antidesmatamento da União Europeia. "Somos plenamente favoráveis a uma política de preservação ambiental e de não desmatamento, mas não dessa forma", refutou.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
O Brasil encerrou hoje o grupo de trabalho da agricultura do G20 Brasil, primeira vez que o Brasil recebe a cúpula, e, depois de cinco anos, com um compromisso firmado pelos ministros da Agricultura. Agora, após liderar o G20, como o Brasil se posiciona nos debates de segurança alimentar e produção agropecuária sustentável?
O presidente Lula voltou ao comando do Brasil buscando o restabelecimento das boas relações diplomáticas. O Brasil vem caminhando a passos largos na abertura de novos mercados, com 186 deles abertos para produtos agropecuários em 20 meses. É um recorde absoluto, resultado desse trabalho. A participação efetiva dos Ministérios da Agricultura nesse GT mostrou também a resiliência na busca desse posicionamento, com a conquista de uma declaração única entre os países. Isso coloca o Brasil no protagonismo mundial de um novo modelo de agropecuária a ser implementado pelo mundo. Um modelo que tem respeito ao meio ambiente, metas claras de inclusão social, inclusão da agricultura familiar, de povos originários e a superação de barreiras comerciais.
E o fato de ter recebido o GT de Agricultura em Mato Grosso, que é celeiro do agronegócio, aproxima o público mundial da produção brasileira?
Foi uma escolha estratégica. Sabíamos que estaríamos em um mês seco e que, possivelmente, poderia haver algumas queimadas no Estado de Mato Grosso. Mas é relevante para mostrar in loco como funciona o sistema agropecuário e como produzimos tanto e com respeito ao meio ambiente.
Como conciliar essas imagens das queimadas com o discurso de sustentabilidade do Brasil?
Chegamos a um momento em que as mudanças climáticas se consolidam de forma muito severa. Há quatro meses tivemos uma enchente sem precedentes no Rio Grande do Sul e, nesses meses seguintes, uma seca também sem precedentes em todo o Brasil. Estamos há 150 dias sem chuva, o que gerou queimadas e incêndios criminosos em todos os Estados. Não tenho dúvida de que é uma emergência climática. É o mundo real. Mostramos a todas as delegações o mundo real, que o Brasil produz muito, que o Brasil tem o Código Florestal mais exigente do mundo, que mais de 97% dos nossos produtores cumprem essas legislações, mas que, infelizmente, temos desafios gigantes.
Quais são esses desafios?
Temos o desafio de mudarmos a forma de ocupação do solo. Há um compromisso brasileiro com o desmatamento zero em 2030 e que vai se viabilizar pelo fomento de um novo modelo produtivo, a recuperação das áreas degradadas. Nada melhor do que trazer a comunidade internacional para conhecer e ver, por exemplo, a degradação causada pelo fogo, pelos incêndios, e a oportunidade de o Brasil intensificar a produção, recuperando essas áreas degradadas e trazendo a segurança alimentar também tão necessária para o mundo.
Como desestimular a abertura de novas áreas e envolver a comunidade internacional nessa necessidade? É preciso apoio dos países mais ricos para preservação e manutenção das florestas nos países em desenvolvimento?
É fundamental sair do discurso e ir para a prática do compromisso da produção sustentável. O Brasil apresentou o modelo de produção sustentável, que é a recuperação de áreas degradadas, o que exige muito investimento. Não estamos de pires na mão pedindo recursos para financiar. Já estamos fazendo isso com R$ 7,7 bilhões no programa RenovaAgro do Plano Safra, com juros de 7% a 8,5% ao ano, dois anos de carência e dez anos de pagamento para fomentar essa produção regenerativa e a recuperação do solo degradado. Isso também inibe a ocupação de novas áreas para desmatamento. Mas é fundamental que outros países se sintam estimulados a aportar recursos nesses modelos, garantindo dois componentes: o combate ao desmatamento e a ampliação da produção de alimentos. Já temos exemplos concretos desse investimento com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), que vai aportar recursos no programa.
O setor produtivo defende o pagamento, como compensação, pelos serviços ecossistêmicos prestados pela manutenção da floresta em pé...
O segundo ponto relevante que pode ser aproveitado é o pagamento por serviços ambientais como forma de estimular o produtor a receber pela floresta ou pelo cerrado mantido em pé. O produtor tem, pelo Código Florestal Brasileiro, direito de fazer supressão vegetal dentro dos limites legais, mas ao estimular, pagando por serviços ambientais, certamente ele prefere deixar aquela área intacta com a preservação da floresta nativa ou do cerrado nativo e investir na recuperação de áreas degradadas. Apresentamos à comunidade internacional este modelo brasileiro e tenho certeza de que a oportunidade está colocada na mesa.
O governo brasileiro pediu à União Europeia (UE) a suspensão da lei do antidesmatamento. Qual é a sua expectativa de conciliação? O pedido de adiamento pela Alemanha e Itália fortalecem o do governo brasileiro?
O Brasil precisa exercer a sua liderança, principalmente aqui na América do Sul. Recebemos o apoio de todos os países membros do Conselho Agropecuário do Sul à posição brasileira. Não é nenhum tipo de retaliação. É legítimo cada país ou cada bloco, no caso o Parlamento Europeu, legislar sobre a legislação que queira. Mas, de forma unilateral e até intransigente, eles legislaram sobre outros países. E o Brasil se levantou contra isso. Somos plenamente favoráveis a uma política de preservação ambiental e de não desmatamento, mas não dessa forma. Por isso, pedimos mais prazo para a implementação da lei na UE. Nós vemos dentro do próprio bloco manifestações favoráveis à prorrogação, vindas de Espanha, Alemanha, Itália, Portugal e de todos os países da América do Sul. Quero crer que a resposta da ampliação dos prazos para a implementação será atendida. Caso não seja respondida até o começo de outubro, já combinamos outras medidas na busca da salvaguarda dos direitos dos países que serão afetados por essa legislação.
Nesse caso da União Europeia, o Brasil estaria disposto a acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC) para travar esse processo, a fim de preservar as exportações?
Creio na força da diplomacia e do diálogo. Também há de se convir que hoje a OMC está precarizada. A falta da nomeação do membro norte-americano prejudica as deliberações da OMC. Mas, sem sombra de dúvida, caso não seja atendido esse período de prorrogação, um caminho a ser considerado muito provável é o Brasil acessar a OMC para levantar a discussão sobre o tema.
O grupo de agricultura do G20 emitiu uma declaração reforçando a necessidade de combate à fome e de garantia à segurança alimentar - tema que o senhor vem enfatizando. Qual a responsabilidade do agronegócio na redução da fome?
São várias. A principal delas é a produção de alimentos em abundância e com preços acessíveis. O Brasil, nesse aspecto, se mostra muito eficiente. É muito difícil alguém competir em pé de igualdade, sem barreiras tarifárias, com as proteínas produzidas no Brasil, porque somos muito eficientes, produzimos alimentos de qualidade e com preços muito acessíveis. O agro tem essa missão para com o mundo e o Brasil dá o exemplo. Creio que, a partir dessa declaração, que é formadora de políticas públicas no G20, o mundo caminha para a erradicação da fome, para que a comunidade internacional possa atacar em bloco essa questão.
*A jornalista viaja a convite da JBS.