Não é exagero dizer que o Brasil praticamente inteiro parou para acompanhar os desdobramentos do sequestro de Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, por seu ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, na época com 22. A jovem foi mantida em cárcere privado no apartamento em que morava com a família, em Santo André, interior de São Paulo, de 13 a 18 de outubro de 2008. O sequestro terminou de forma trágica: Eloá morreu no hospital após ter sido baleada na cabeça; sua amiga, Nayara Rodrigues, foi atingida com um tiro no rosto.
Durante os cinco dias de sequestro, esmiuçados pela imprensa que montou acampamento no bairro Jardim Santo André, onde Eloá morava, Lindemberg foi tema de noticiários e programas vespertinos de fofoca, sua personalidade foi analisada com a ajuda de amigos e colegas de trabalho, e algumas imagens — como a da jovem na janela, com as mãos para a frente pedindo calma — ficaram eternizadas. Desde então, muito se debateu e ainda se debate sobre os equívocos, das autoridades ou da mídia, que levaram o sequestro a um desfecho indesejado.
No documentário, Ghattas isola o contato direto da imprensa com o criminoso como o que teria feito ele se sentir "a estrela" do momento. Pouco tempo depois, Lindemberg passou a ignorar os contatos das autoridades e a falar apenas por meio de programas de televisão. As negociações, que já não avançavam, ficaram ainda mais estagnadas.
Embora a apresentadora não apareça no documentário, seu então repórter Luiz Guerra é um dos entrevistados para o material, e conta os bastidores de sua vivência. Na época, ele gravou a primeira entrevista com Lindemberg no cativeiro, e logo depois o sequestrador quis falar ao vivo com Sonia Abrão.
Em um dos trechos do filme, Guerra diz que não se arrepende e questiona por que outros repórteres e veículos que também conversaram com Lindemberg não são tão lembrados quanto ele e o programa no qual trabalhava. "Me colocaram numa situação de culpado. Eu garanto para você isso, e pra você que está assistindo agora: qualquer jornalista gostaria de estar no meu lugar. Eu entrei no cativeiro, levei o público pra dentro do cativeiro", afirma.
Ao questionar a atuação da imprensa, o documentário também joga luz sobre o quanto a própria presença da mídia pode ter influenciado na condução da polícia. A ação do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais), considerada repleta de falhas, é mostrada diante da pressão da opinião pública veiculada em programas de TV e do então governador de São Paulo José Serra, que defendia a cautela da polícia.
Durante o sequestro, um sniper ficou posicionado aguardando autorização para atirar em Lindemberg. No entanto, o tiro jamais foi autorizado. Na ocasião, a PM entendeu que o sequestrador não era um criminoso, e sim um ex-namorado sem antecedentes criminais e em desespero.
Questionadas sobre a abordagem com os jornalistas entrevistados para o documentário, e sobre a própria ausência de Sonia Abrão, Cris e Verônica dizem que todas as possibilidades foram cobertas pela equipe durante a pesquisa, mas nem todos puderam ou quiseram aparecer.
"A Sonia Abrão não pôde, não quis participar, e a gente foi buscando os nomes que também eram muito relevantes e quiseram falar", contextualiza a produtora. "Queríamos ouvir todos os lados com imparcialidade, para fazer essa reflexão mais ampla. O documentário não está aqui para julgar nenhum elo dessa corrente, e sim mostrar as fragilidades e potencialidades de cada participante dessa história horrorosa."
Cris complementa: "Claro que a gente precisa de um recorte porque não cabe tudo dentro de um filme, mas demos abertura para todas as pessoas que tiveram um envolvimento mais constante. É importante contrapor visões, porque temos a realidade factual, objetiva, e também a realidade subjetiva, que é a verdade de cada um. Procuramos trazer para a história quem teve um envolvimento maior com o caso e quem traz uma visão com distanciamento crítico da situação."
Lições para o futuro
Para além de remoer um caso de interesse e conhecimento público, Cris Ghattas e Veronica Stumpf analisam o documentário como uma oportunidade de observar o quanto a cobertura midiática e o entendimento público se transformaram a partir do caso Eloá.
Para a produtora, houve uma curva de aprendizado em relação à imprensa, mas ela também pondera que as coberturas com viés considerado sensacionalista não existem em um vácuo.
"É impossível falar disso sem falar da sociedade. Não haveria imprensa sensacionalista se não houvesse um público que consome. O objetivo do documentário é fazer a gente rever por que se consome tanto isso de forma tão irresponsável e sem autocrítica. Seria muito pretensioso da minha parte achar que um documentário pode resolver todos os problemas, mas eu espero contribuir um pouco para esta reflexão", torce.
Para a diretora, no entanto, o grande legado está regulamentado; hoje, a atuação da imprensa em casos de sequestro em andamento é limitada para não prejudicar o curso das negociações.
"Não adianta a gente só apontar para um lado, todos nós aprendemos. Durante as entrevistas, tivemos muitos momentos de autocritica, de revelações que ficaram indigestas. A imprensa questionou o seu papel. As pessoas têm direito a informação, mas qual é o limite disso?", reflete Ghattas.
"Para mim, o que mais chocou foi ver que, depois de tantos anos, a sociedade ainda continua culpando a mulher pela própria morte e pela violência que ela sofre", pontua Stumpf. "Ao revisitar o caso Eloá, ainda escutamos, algumas vezes de maneira sutil, [frases como] 'mas aquela menina tão jovem já namorava...' Para mim, é muito triste identificar que nós mulheres ainda somos culpadas pelo nosso próprio infortúnio", finaliza.