Kathryn Bigelow cria suspense urgente sobre armas nucleares em 'Casa de Dinamite'; leia entrevistas

Oito anos após seu último longa, cineasta de 'Guerra ao Terror' e 'A Hora Mais Escura' retorna com filme intenso que escancara os bastidores do poder e a fragilidade do sistema antibélico

10 out 2025 - 19h06

Kathryn Bigelow constrói uma espécie de bomba-relógio cinematográfica em Casa de Dinamite. Seu retorno à direção de um longa oito anos depois de Detroit em Rebelião, e 15 anos após ela se tornar a primeira mulher a vencer o Oscar de Melhor Direção (por Guerra ao Terror) não poderia ser mais pungente. A narrativa de uma ameaça nuclear moldada como uma corrida contra o tempo expõe não apenas o quão próximos estamos de algo do tipo realmente acontecer como também as estruturas de poder e sobre quem recai a responsabilidade de definir, em breves minutos, o destino de um planeta.

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Na história, que chega aos cinemas nesta semana e na Netflix no próximo dia 24 de outubro, um míssil sem autoria identificada é lançado em direção aos Estados Unidos, e as autoridades iniciam uma corrida contra o tempo para tentar determinar o responsável pelo ataque e como reagir antes que o pior aconteça.

O longa é dividido em três capítulos, cada um acompanhando o desenrolar dos eventos pelo olhar de funcionários de setores diferentes do governo norte-americano — todos eles trabalhando em níveis da mais alta segurança da gestão.

"O mais surpreendente foi [descobrir] como o presidente tem tanta autoridade em uma decisão tão épica e potencialmente catastrófica", confessa Kathryn Bigelow, ao falar sobre o processo de pesquisa do filme, em entrevista coletiva com a presença do Estadão. "É só esse único homem que, em questão de minutos, precisa decidir sobre a utilização ou não dessas armas. E o que eu não entendo é isso ser uma atitude de defesa que pode significar a aniquilação global. O que você está defendendo? Não sobra nada."

O longa se ancora no realismo para mostrar o encadeamento de eventos nas mais altas cúpulas governamentais diante da ameaça de uma arma nuclear. Cada setor, da Sala de Crise ao Comando Estratégico, Pentágono e presidência trabalham em uníssono para tentar impedir que o míssil atinja seu alvo e indicar como o governo deve responder a ele — sabendo que devolver o ataque tem o poder de iniciar uma nova guerra mundial. A estrutura de capítulos, com três perspectivas diferentes do mesmo recorte temporal, é usada para demonstrar de forma realista o pouco tempo que há em mãos para tomar uma decisão tão drástica.

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"Dividimos em três capítulos para permanecer em tempo-real, porque uma jornada de 18 minutos seria, obviamente, muito curta para um longa-metragem", explica a diretora. "Então, repartimos em três fases para fazer um mergulho profundo em cada uma das instâncias do poder à medida que você sobe na cadeia alimentar."

Em cada uma dessas fases o público conhece personagens diferentes, e mergulha nos sentimentos e na pressão sentida por eles diante da ameaça iminente.

"Queríamos que o público sentisse a pressão de como são esses 18 minutos, e vivesse a falta de orientação que os tomadores de decisão sentiriam caso algo assim acontecesse", completa o produtor e roteirista Noah Oppenheim. "No primeiro capítulo, a audiência está absorvendo aquilo. Então paramos e você tem a oportunidade de experimentar aquilo novamente em um novo contexto. Infelizmente, na realidade, as pessoas que precisam tomar essas decisões não têm o luxo de uma segunda ou terceira tentativas."

Pesquisa de elenco e compromisso com a realidade

Se para o público a sensação de urgência é o que prevalece, para o elenco o primordial para mergulhar no clima do filme foi a intensa pesquisa envolvendo seus personagens e suas linhas de texto, recheadas de siglas e termos técnicos disparados na velocidade da luz. A diretora e o roteirista prezaram pelo realismo para replicar da forma mais autêntica possível o desenrolar das decisões nas equipes de segurança governamentais.

"Se você vai levar o público para trás das portas fechadas, para a Sala de Crise e para o Comando Estratégico, então você quer retratar da forma mais fiel possível o que acontece lá. Desde o início, quando começamos a trabalhar, Kathryn deixou claro que os diálogos precisavam soar realistas. Trabalhamos muito e conversamos com pessoas que estiveram nessas salas antes, para que pudéssemos tentar replicar com precisão como isso se desenrolaria", explica Oppenheim.

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"Acho que é a combinação de um roteiro incrível, ter a segurança da Kathryn e [a presença de] Larry Pfeiffer, que de fato foi chefe da Sala de Crise", opina Rebecca Ferguson, intérprete da Capitã Olivia Walker, protagonista da primeira parte do filme. "Perguntei tudo a ele, até coisas como quem receberia essa mensagem primeiro. Para nós, a autenticidade de criar algo que fosse reconhecível para qualquer um que tenha trabalhado nessa sala era importante."

"Basicamente, quando o presidente assume, qualquer presidente, ele recebe instruções rápidas a respeito da maleta que o acompanha, às vezes por menos de uma hora, e é isso", explica Noah, citando a mala nuclear, conhecida como Nuclear Football, que contém os códigos de lançamento para o caso de um ataque. "O fato de as pessoas no topo da cadeia de decisão, o presidente e o secretário de defesa, serem talvez as menos instruídas para um momento como esse foi surpreendente para nós."

"O dia deles é tão cheio que a ideia de para tudo e revisar este protocolo não é nem possível de se considerar", completa Bigelow. "E mesmo assim, no StratComm [Comando Estratégico], quando visitamos, um almirante nos disse que eles treinam o protocolo nuclear 400 vezes por ano. Eles estão bem treinados, mas o presidente não. É um paradoxo surpreendente."

A estrutura temporal escolhida por Kathryn Bigelow e Noah Oppenheim vai além de reproduzir a sensação de urgência requerida para uma situação como esta, e cria uma espécie de casulo claustrofóbico em que não há saída ou respostas simples.

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À medida que a história avança, o público é conduzido por uma experiência verdadeiramente estressante, mas satisfatória. Cada nova camada de história é adicionada com a delicadeza de uma cineasta magistralmente habilidosa e a firmeza de um roteirista capaz de equilibrar muitas partes móveis sem pesar a mão ou soar artificial.

O resultado deixa no ar uma reflexão sobre a fragilidade das estruturas de poder, e também conversa com as obras anteriores da cineasta de modo a aprofundar sua pesquisa sobre a complexidade moral, psicológica e social das guerras modernas.

"Minha esperança é iniciar uma conversa sobre armas nucleares. Há nove países nucleares e apenas três são membros da OTAN. Só isso já deveria deixar todo mundo pensativo. O filme é uma oportunidade e um braço estendido para que as pessoas levem a conversa adiante", finaliza Bigelow.

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