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Spielberg apresenta a sua versão para o clássico de 10 Oscars 'Amor, Sublime Amor'

Diretor, que era um adolescente quando o filme original estreou, tinha para si que um dia faria a refilmagem do musical icônico

8 dez 2021 - 05h10

Causou surpresa o anúncio de que Steven Spielberg faria seu primeiro musical. Mas, segundo o cineasta, West Side Story faz parte do seu DNA. Ele tinha apenas 11 anos de idade quando seus pais compraram o álbum do musical, em 1957. O pequeno Steven sabia cantar todas as letras de Stephen Sondheim, inclusive aquelas que continham expressões impróprias para um garotinho, como "bastardo" e "FDP".

Em sua cabeça, sempre foi inevitável que um dia fizesse sua versão de Amor, Sublime Amor, como foi traduzido no Brasil. E Spielberg tinha razão. O filme finalmente estreia nesta quinta, 9, com um ano de atraso por causa da pandemia e dedicado ao pai do diretor, Arnold, que morreu em agosto de 2020, antes de ver a adaptação do musical que tanto amava feita pelo filho.

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Arnold não foi o único a perder a estreia. Sondheim morreu no último dia 26, três dias antes da pré-estreia mundial, em Nova York. "Foi uma honra ter podido trabalhar com ele, que participou de três semanas de pré-gravações das músicas com os artistas", disse Spielberg em entrevista coletiva.

O cineasta tinha levado um tempo para tomar coragem e contar a Sondheim sobre sua vontade de fazer o musical, considerado um dos maiores da história, com música de outro gigante, Leonard Bernstein. O filme, com direção de Robert Wise e do também coreógrafo Jerome Robbins, ganhou 10 Oscars em 1961.

Não era fácil, portanto, justificar a razão de uma nova versão, ainda mais em um cenário hollywoodiano em que tudo parece ser refilmagem. Até Tony Kushner, que tinha sido roteirista de dois filmes de Spielberg, Munique e Lincoln, ficou relutante. "Falei para meu marido (o jornalista Mark Harris): Steven me pediu algo completamente insano. Como eu fujo dessa?", contou o vencedor do Pulitzer na coletiva. "Porque mesmo se fizéssemos um ótimo trabalho, ainda assim estaríamos à sombra de um dos mais amados musicais da história."

Mas Harris incentivou o marido a aceitar. E Kushner ficou intrigado com a vontade de Spielberg de mostrar que, mais de 60 anos depois, os temas de Amor, Sublime Amor continuam relevantes. "Fiquei emocionado, mas também perturbado, porque o racismo, a xenofobia, os legados do colonialismo, os efeitos da pobreza, os males que catalisaram a criação do musical ainda estão conosco", falou Kushner em entrevista.

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Respeito e reverência

Para Spielberg, o respeito beirava a reverência. E, no entanto, era necessário fazer um filme de compreensão contemporânea e com valores contemporâneos. Amor, Sublime Amor é uma obra-prima, mas é também um produto de sua época, um filme feito por quatro homens brancos sobre a luta de duas gangues rivais, os Jets, caucasianos, e os Sharks, porto-riquenhos, que acabava em tragédia quando a latina Maria e o polonês Tony se apaixonavam. Kushner defendeu as obras originais. "Quando o filme saiu em 1961, ou o musical em 1957, certos tipos de articulações e explorações não estavam disponíveis. E, também, era um musical. Fazer o que fizeram na época era radical", contou. "Eu acredito que ambos ajudaram muito no progresso da representatividade. Mas não são perfeitos, claro."

Durante todos esses anos, houve críticas porque Amor, Sublime Amor reforçava estereótipos de latino-americanos como violentos membros de gangues, ou porque no elenco não havia quase porto-riquenhos. Rita Moreno, que ganhou o Oscar por sua Anita, era uma exceção, já que no filme Maria era interpretada por Natalie Wood, filha de russos, e Bernardo, pelo também oscarizado George Chakiris, descendente de gregos. E, mesmo assim, ela usou maquiagem para escurecer seu tom de pele.

Mudanças, portanto, eram necessárias. Spielberg e Kushner colocam as coisas em contexto. Os Jets são filhos e netos de imigrantes irlandeses, italianos, poloneses vindos no século anterior. São brancos, mas ficaram para trás no sonho americano. Os porto-riquenhos começaram a migrar depois da Segunda Guerra e enfrentaram a discriminação. Os dois grupos disputam uma área que está sendo derrubada para a construção do Lincoln Center. "O território pelo qual eles dizem brigar está sob a sombra de uma bola de demolição", explicou Spielberg. A abertura troca a vista aérea de Manhattan por uma vista aérea do que parece uma zona de guerra.

Spielberg fazia questão que todos os latino-americanos no elenco fossem, de fato, de origem latina. Depois de uma busca que envolveu milhares de jovens e um processo seletivo que durou um ano, Rachel Zegler, americana neta de colombiana, foi escalada para ser Maria. A produção caçou o filho de cubanos David Alvarez, que tinha sido Billy Elliot na Broadway e estava afastado da atuação, para viver seu irmão e líder dos Sharks, Bernardo. De pai afro-porto-riquenho, Ariana DeBose foi selecionada para ser a nova Anita. Em certos momentos, eles falam espanhol, sem que seus diálogos sejam legendados em inglês.

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Também era obrigatório que todos os atores cantassem e dançassem. No filme original, Natalie Wood, Richard Beymer, que faz Tony, e até Rita Moreno foram totalmente ou parcialmente dublados nas canções.

A decisão confere energia aos números musicais, que também ganham no fator espetáculo com a mobilidade das câmeras modernas.

Rita Moreno

Atriz, que completa 90 anos no sábado, 11, ganha um papel especial. Sua Valentina, viúva do farmacêutico, é prova de que o amor entre um americano branco e uma porto-riquenha é possível. É ela quem acolhe Tony (Ansel Elgort), que aqui se afastou dos Jets depois de um período na cadeia. É ela que interrompe a agressão a Anita, um momento estranho, segundo a atriz, já que ela fez a cena do outro lado no original. E é ela quem canta uma das músicas mais famosas do musical, Somewhere, dando um novo significado à letra, que diz "há um lugar para nós, em algum lugar".

As apostas deram certo. O filme mantém a beleza inigualável das músicas e das coreografias originais, mas atualiza o musical para 2021, com motivações mais claras, personagens mais definidos, consciência social. Amor, Sublime Amor demorou para estrear, mas chegou no momento certo, quando os espectadores - e a Academia - estão sedentos por um grande e grandioso filme de Hollywood. A pergunta agora é se a nova versão consegue repetir as 11 indicações - e os 10 Oscars - do longa original.

Perguntas e respostas com Rita Moreno

Como o filme se relaciona com nossos tempos?

As diferenças são grandes e profundas, porque este filme tem uma consciência social grande que a produção original não tinha. Não porque seus criadores fossem pessoas más, e sim porque estavam simplesmente adaptando o show da Broadway. Então erros foram cometidos, omissões.

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Por exemplo?

Os personagens porto-riquenhos usando maquiagem pesada, como se todos tivessem a mesma cor em Porto Rico, quando tivemos franceses, holandeses e espanhóis por lá. Para Steven Spielberg e Tony Kushner, era importante respeitar a comunidade hispânica. Eles queriam que essas pessoas fossem tratadas da maneira correta.

Em relação aos temas, eles continuam atuais?

Sim. Conhecemos bem aquele ódio de outras pessoas que vêm de outras partes e que só causa mal. Não precisamos mencionar nomes, mas uma certa pessoa abriu uma caixa de Pandora. O dano que ele causou não vai ser reparado facilmente. Tenho muito medo do que vai acontecer neste país nos próximos anos. E o filme é uma forma de dizer que não precisa ser assim. Que há maneiras de combater isso, por meio do amor, da compreensão, da falta de julgamento.

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