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Sandman: pandemia do sono e casos da encefalite letárgica realmente existiram

Presente em Sandman, a misteriosa doença do sono foi diagnosticada em centenas de milhares de pessoas a partir de 1916. Ano coincide com a prisão de Morpheus

8 ago 2022 - 17h51
(atualizado às 19h57)

A linha entre a realidade e a ficção pode ser bastante tênue. Na história da arte, são comuns casos em que a fantasia se inspirou na realidade, como acontece na série Sandman, recentemente lançada no Netflix. Logo no primeiro episódio, o Rei dos Sonhos, Morpheus (Tom Sturridge), é aprisionado por um grupo de ocultistas e esta prisão é a origem para a pandemia do sono, que afeta a saúde de centenas de milhares de humanos.

O curioso é que o autor da HQ — que inspirou a série —, Neil Gaiman, baseou-se em um caso real. A misteriosa onda de problemas relacionados ao sono assolou o mundo entre os anos de 1916 a 1927 e, até hoje, não há um consenso e nem uma explicação oficial para os casos de encefalite letárgica (EL) que foram registrados no período. Em muitos sobreviventes, a condição teria aumentado o risco para a doença de Parkinson.

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Foto: Netflix / Canaltech

Para a ficção, a origem da pandemia do sono é somente a prisão de Morpheus, já que ambas teriam sido iniciadas no mesmo ano de 1916. A seguir, confira o que sabemos sobre a pandemia do sono de Sandman.

O que acontece em Sandman que leva à pandemia do sono?

O bruxo Roderick Burgess (Charles Dance) busca capturar a morte e, com isso, planeja negociar e trazer seu filho de volta à vida. Eis que o ritual satânico de invocação traz para o mundo, na verdade, o Rei do Sonhos. Sem saber da confusão, Morpheus é aprisionado no porão da mansão inglesa e, por lá, permanecerá por mais de um século.

Como efeito da sua prisão e do distanciamento de suas atividades oficiais como Perpétuo, a humanidade não consegue mais ter noites tranquilas e, para piorar, muitos são vítimas da doença do sono. Muitos humanos deitarão para dormir, mas não conseguirão acordar. Em paralelo, sonhos e pesadelos invadem o plano real.

O que há de real na história em quadrinhos?

A principal diferença entre a história em quadrinhos Sandman e o mundo real é a duração da pandemia dos sonhos. Isso porque os cientistas apontam que os casos de encefalite letárgica de origem misteriosa ocorreram por aproximadamente 10 anos. Enquanto isso, a doença afetou a humanidade por pelo menos 100 anos na série.

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Apesar do tempo de duração da pandemia, ela realmente existiu e chegar a esta conclusão não foi uma tarefa simples para os médicos da época. Os relatos apontam que os sintomas não surgiam imediatamente e nem tinham a mesma intensidade, o que dificultou o diagnóstico da condição. Basicamente, é possível identificar uma inflamação no cérebro com diferentes consequências para o paciente.

Durante a Primeira Guerra Mundial — período em que os primeiros casos de encefalite letárgica foram registrados —, médicos de lado opostos do conflito bélico chegaram a uma definição semelhante de caso: Jean-René Cruchet, da França; e Barão Constantin von Economo, da Áustria.

Quais eram os sintomas?

Segundo os relatos, os pacientes com encefalite letárgica relatavam dor de garganta, náuseas, dor de cabeça, dor nas articulações e febre. Em outras palavras, eram os mesmos sintomas iniciais de uma gripe. A questão é que o quadro evoluía para estranhos movimentos oculares, como tiques nervosos e visão dupla, já que os olhos não estavam mais coordenados.

Em seguida, surgia uma vontade incontrolável de dormir e incapacidade de abrir os olhos, o que poderia durar por semanas ou anos. Alguns pacientes entraram literalmente em coma e desenvolveram rigidez muscular. Apesar do estado de letargia, as pessoas permaneciam conscientes e poderiam ser brevemente acordadas deste tipo de transe.

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O curioso é que alguns dos indivíduos com encefalite apresentaram sintomas opostos e sofriam de insônia extrema. Nesses casos, a sonolência era observada apenas durante o dia.

Para onde a doença se espalhou?

Os primeiros casos da doença foram observados na Europa, mas também chegaram até as Américas, como em Nova York. Além disso, as estimativas sobre a encefalite letárgica variam bastante, devido à dificuldade em fechar o diagnóstico da doença. Segundo a BBC, a doença teria levado à morte cerca de um milhão de pessoas e deixou quase quatro milhões com sequelas.

O que causou a encefalite letárgica?

Para a ciência, a origem da pandemia do sono ainda é um grande mistério. Existem hipóteses relacionando a condição com uma infecção, uma resposta desmedida do sistema imunológico — o que teria provocado uma condição autoimune — ou ainda a um poluente neurotóxico.

Passados 10 anos de sua existência, a doença sumiu de forma tão misteriosa como quando foi identificada. Aqui, é importante observar que a condição se sobrepôs à gripe espanhola, que ocorreu entre os anos de 1918 e 1920. É possível que haja alguma relação entre as duas doenças.

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Casos de encefalite letárgica tiveram cura?

Em média, a mortalidade dos casos de encefalite letárgica variava entre 30% a 40%. E na maioria das vezes a medicina da época não conhecia formas eficazes de tratar a condição, por isso, as principais medidas eram paliativas. Sabe-se que alguns pacientes que sobreviveram à fase aguda da condição desenvolveram, posteriormente, a doença de Parkinson.

Inclusive, um grupo de sobreviventes dos Estados Unidos foi tratado pelo neurologista e químico Oliver Sacks. Segundo o pesquisador, os pacientes sofriam com um estado de forte rigidez muscular, mesmo quando estavam em repouso.

"Eu nunca tinha visto nada assim: tantos pacientes como aqueles imóveis, às vezes, pareciam estar congelados em posições inusitadas, e você se perguntava: o que está acontecendo? Tem alguém vivo lá dentro?", afirmou Sacks para a BBC.

Em busca de tratamentos, o médico desenvolveu um tipo de terapia com música, o que melhorava o nível de consciência dos pacientes. Também foi adotado o uso de uma medicação contra o Parkinson, o levodopa. Inicialmente, os resultados foram promissores, mas a maioria dos pacientes retornou ao estado anterior, marcado pela letargia.

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Para quem se interessou pela história de Sacks e os pacientes da pandemia do sono, o médico escreveu o livro Tempo de despertar, onde detalha suas experiências no tratamento de pessoas com a encefalite letárgica. Inclusive, a obra originou um filme homônimo, marcado pelas interpretações de Robert De Niro e Robin Williams. Atualmente, a produção está disponível para aluguel no YouTube, Google Play Filmes e Apple TV.

Fonte: Scientific American, BBC e Neurology Live  

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