Uma

ponte vigiada

Vagner Magalhães, direto de Foz do Iguaçu (PR)

A sensação de estar sob vigilância nas imediações da Ponte da Amizade - que liga o Brasil ao Paraguai pelos municípios de Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este - não é por acaso. Por ali, a movimentação de quem pretende burlar a lei e daqueles que querem fazer com que ela se cumpra se dá como em um tabuleiro de xadrez. Cada peça só se desloca com a percepção de que o oponente não conseguirá impedir que o objetivo final seja alcançado.

No mapa: a Ponte da Amizade, ligando Paraguai (esquerda) e Brasil (direita). Mapa: Google

Quase sempre, para o crime mais pesado, a Ponte da Amizade passa a ser secundária. Entram em cena o lago de Itaipu e o rio Paraná
O comércio ilegal de drogas, cigarros, bebidas, produtos falsificados, armas e munição, além do contrabando de eletroeletrônicos, do Paraguai para o Brasil, e de veículos roubados, no sentido inverso, é o que move diariamente cidadãos das duas nacionalidades, além de outros estrangeiros sob o comando de suas organizações.

Os criminosos são monitorados e também monitoram as ações do Exército, Polícia Federal, incluindo a rodoviária, e Receita. Além da ponte, o cenário dos crimes está escancarado nos 190 km do rio Paraná (cerca de mil quilômetros de margens), além do lago de Itaipu, locais por onde lanchas atravessam dia e noite os produtos ilícitos.

Gabriel Pucci, delegado-chefe do setor de
imigração da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, explica. “Nós estudamos constantemente essas quadrilhas, mas elas também têm uma logística de olheiros que acompanham nossas missões policiais”, diz. Para ele, o maior prejuízo social para o Brasil está no tráfico de drogas. ”Nós não podemos privilegiar um tipo de ação. Até porque contrabando e tráfico, normalmente utilizam a mesma logística, de portos, barcos, veículos...”, afirma.Próxima página
Basta parar por 15 minutos em cima da ponte e de lá observar alguns portos clandestinos, até onde a vista alcança
A Ponte da Amizade tem 730 m de extensão - metade dela em cada território -, e movimento intenso. Em dias normais, estima-se que 10 mil veículos e 50 mil pessoas cruzem a fronteira dos dois países. No comércio paraguaio, brasileiros vão atrás de preços mais baixos de eletroeletrônicos, cosméticos, remédios, cobertores e brinquedos - nem sempre de procedência lícita e com certificação das autoridades brasileiras -, entre outros objetos de consumo. São os mesmos vendidos nos grandes centros brasileiros.
Quase sempre, para o crime mais pesado, a Ponte da Amizade passa a ser secundária. Entram em cena o lago de Itaipu e o rio Paraná, que demarcam a fronteira entre os dois países. Se o movimento de barcos com esses produtos é bem mais intenso com o cair da noite, a luz do dia não impede que eles se movimentem entre as margens do Paraguai e do Brasil.

Na Ponte da Amizade, policiais federais
e a Receita Federal têm posto fixo para o combate ao contrabando e aos crimes de fronteira. Equipes também costumam trabalhar nas margens dos rios, mas em número infinitamente inferior ao das organizações criminosas. Apesar de as apreensões diárias estarem longe de ser desprezíveis, as próprias autoridades admitem que é pouco em relação ao que é movimentado.Próxima página

Fiscalização é vigiada de perto e ações visam diminuir impacto de apreensões. Vídeo: Fernando Borges/Terra

O limite mensal de compras permitido pela autoridade alfandegária, instalada na entrada da ponte pelo lado brasileiro, é de US$ 300, cerca de R$ 540. Na prática, quem passa por ali são apenas os sacoleiros, com mercadorias de baixo custo unitário para revender no Brasil.
O crime organizado se impôs. O Estado tem de tomar conta de volta. E há uma maneira, que é motivar o funcionário, criar condições de trabalho para que ele fique aqui

Luiz Antonio Pereira, delegado

Luiz Antonio Pereira, delegado do Sindicato dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), afirma que falta estímulo para que os funcionários públicos se fixem nas regiões de fronteira. Uma das principais críticas é a falta de efetivo para o trabalho.

“O crime organizado se impôs. O Estado tem de tomar conta de volta. E há uma maneira, que é
motivar o funcionário, criar condições de trabalho para que ele fique aqui”.

Basta parar por 15 minutos em cima da ponte e de lá observar alguns portos clandestinos, até onde a vista alcança. Dali é possível ver lanchas com motores potentes atravessarem do Paraguai para o Brasil no meio da tarde. Em fila, dezenas de homens se encarregaram de levar o contrabando
para dentro do mato para posterior distribuição no Brasil.

Produtos mais valiosos como eletroeletrônicos e drogas atravessam a fronteira na escuridão, durante a madrugada. Somente na região de Foz do Iguaçu são conhecidos pelo menos 100 portos clandestinos, que são de conhecimento das autoridades.

Vista da Ponte da Amizade a partir do Paraguai; ao fundo, a aduana brasileira. Foto: Fernando Borges/Terra