O quebra-galho virou regra na vizinhança. Os outros moradores do bairro São Marcos, na Serra, seguiram o exemplo da dona de casa, principalmente depois do início do racionamento e das ameaças de sobretaxa e apagão. Eles fazem parte de uma realidade que foge às estatísticas da Escelsa.

A assessoria de imprensa informou que não houve aumento significativo de "gatos" nesses tempos de contenção de energia. Pelos cálculos da empresa, existem cerca de 20 mil ligações clandestinas no Estado, representando um perda comercial de 9,8% da energia requerida no Estado.

Fiscalização - Mas para os "come-fios", como são chamados os fiscais que localizam os pontos de furto de eletricidade, o trabalho dobrou depois das medidas anunciadas pelo governo federal.

"Em alguns bairros, localizamos até 150 gatos e fraudes no relógio por dia. Um medidor costuma ser utilizado por várias casas e os moradores dividem a taxa mínima de R$ 5,50. O número de ligações clandestinas aumentou 50% após racionamento", disse Raimundo Ivan Feitosa, eletricista da Conger, prestadora de serviços da Escelsa.

Risco - A reportagem de A Gazeta acompanhou essa semana a rotina de uma equipe de fiscalização na localidade de Pantanal, uma ocupação próxima ao bairro de Serra Dourada II, na Serra. Cada poste tinha pelo menos uma ligação clandestina. São instalações precárias que colocam em risco a vida dos próprios moradores.

Até cerca de arame farpado costuma ser utilizada como condutor de energia. Tudo para economizar na compra de fios. "Moro de aluguel. A fiação custa caro. Estou recolhendo para os fiscais não levarem os fios", disse Angélica Rodrigues de Oliveira, não descartando uma nova ligação irregular após a saída da equipe de fiscalização.

O trabalho dos técnicos tornou-se uma tarefa inglória. Em apenas 10% dos casos, os moradores aceitam comprar o padrão, equipamento utilizado para medir energia. As ligações clandestinas são geralmente refeitas pelos moradores. A Escelsa não multa o infrator, mas formaliza uma queixa na delegacia, responsabilizando o morador em casos de acidente na rede.

Algumas operações contam com auxílio da Polícia Militar para evitar represálias dos moradores. "Já fomos ameaçados com faca e arma de fogo. O pessoal joga pesado, mas estamos apenas recebendo ordens", disse Feitosa.

Programa - A Escelsa criou um programa popular de financiamento para regularizar o fornecimento de energia nas áreas mais carentes. "Os moradores podem adquirir o padrão, descontando na conta de luz apenas R$ 3,88 por mês, durante dois anos", afirmou o assessor de imprensa da Escelsa, Ernane Buaiz.

Pela primeira vez em quatro anos, a casa do autônomo Alcimar Justino Carreiro deverá ter o fornecimento de energia regularizado. Quando se mudou com a família para Pantanal, na Serra, a luz da imóvel já tinha sido cortada por falta de pagamento do antigo morador. Ele sempre improvisou um "gato" para não ficar no escuro.

"Fiz o pedido para a Escelsa na semana passada. Posso parcelar o meu débito, mas não vou pagar a dívida do antigo proprietário. Quero ter energia como todo mundo, sem precisar fazer ligação clandestina", garantiu.

Serviço sai por R$ 100

O racionamento de energia está criando um movimentado mercado de eletricistas especializados em ligações clandestinas. São os "gatunos" ou profissionais do "gato". Em Cariacica, eles estão cobrando R$ 100,00 para desviar a energia da rede da Escelsa.

O serviço ganhou força em bairros como Tanguá e Mata da Praia, naquele município. "Pedi para fazer a ligação de energia na semana retrasada. Não adianta fazer economia na minha casa enquanto a iluminação na Avenida Expedito Garcia fica acesa até na parte da manhã", disse uma empregada doméstica, que pagou pelo serviço ilegal.

As ligações clandestinas sobrecarregam o sistema, provocando a queima dos transformadores. Com isso, os piques de energia tornam-se freqüentes, danificando os eletrodomésticos.

Incidência - A moradora da localidade de Pantanal, em Serra Dourada II, Lucinéia dos Santos, afirma ser vítima das ligações clandestinas feitas pelos vizinhos. "Convivemos com piques de energia todas as manhãs. Os gatos já queimaram duas televisões e uma geladeira na minha casa", revela Lucinéia.

O roubo de energia ocorre principalmente em invasões, como Flexal II, Nova Rosa da Penha, Castelo Branco e Padre Gabriel, em Cariacica, e Zumbi dos Palmares, Cidade da Barra e Ulisses Guimarães, em Vila Velha.

Na Serra, o problema ocorre nos bairros de Feu Rosa, Jardim Carapina, Jacaraípe, Parque das Gaivotas, São Marcos e Serra Dourada II. No Centro de Vitória, ambulantes que vendem produtos eletrônicos e CDs também fazem as ligações clandestinas para expor os produtos aos clientes.

OS NÚMEROS DO "GATO"

Ligações irregulares - 20 mil
Grande Vitória - 75%
Interior - 25%
Desperdício - 9,8% de toda a energia requerida no Estado
Perda comercial de energia - 547.052 quilowatts/hora
Demanda no Estado - 7,84 milhões de quilowatts/hora
Perda de arrecadação - Não informado
Custo do medidor de energia (padrão) - Desconto mensal de R$ 3,88, num financiamento de 24 meses