Extorsão e preconceito: por onde passa o sonho do diploma

Daniel Favero

  A acirrada disputa por vagas em cursos de medicina nas universidades federais e as mensalidades com preço médio de R$ 4,2 mil nas privadas são os principais motivos que levam brasileiros a buscar uma chance em países vizinhos. No entanto, antes da realização do sonho, os alunos esbarram em dificuldades. Vistos como "endinheirados", enfrentam tentativas de extorsão longe de casa e ainda convivem com a incerteza de conseguir validar o diploma quando retornarem ao Brasil.

  O idioma e o custo de vida são grandes atrativos para a experiência na América do Sul. Para se viver na Bolívia, gasta-se, em média, menos de R$ 2 mil por mês. Ainda há um gasto anual de R$ 700 com visto, mas as mensalidades das universidades não chegam nem a 10% do valor praticado no Brasil, o que acaba compensando. Contudo, é preciso incluir nessa conta as frequentes propinas pagas a agentes públicos para se conseguir, por exemplo, a liberação de documentos.

   "Os brasileiros são extorquidos de forma escancarada, tanto pela faculdade quanto pelo governo boliviano. Aqui é tudo propina, seja na Interpol, seja na imigração, na polícia, onde você for eles colocam dificuldades para que você tenha que pagar por fora. Se você seguir o trâmite legal, leva um mês, mas se pagar, em uma semana tudo se resolve", revela o acriano Deyvson Damasceno, 30 anos, que partiu há quatro de Rio Branco em direção a Cochabamba para cursar medicina na Universidade Privada Aberta da América Latina (Upal).

"Aqui é tudo propina"
Deyvson Damasceno, aluno

  Motivado pelo sonho de ser médico, Damasceno encara uma realidade em que a burocracia alimenta a indústria da extorsão nos setores público e privado. A estabilidade econômica do Brasil faz com que os brasileiros sejam vistos como pessoas de dinheiro e, por esse motivo, se tornam as principais vítimas das propinas, seja em órgãos do governo ou até no comércio, onde pagam mais caro por qualquer produto ou serviço.

  Quando se formam e têm a oportunidade de voltarem para casa, os brasileiros enfrentam outro problema: o preconceito por terem se formado na Bolívia. "O preconceito é muito grande entre as pessoas que não conhecem", relata Damasceno, ao defender a qualidade do ensino boliviano. "Aqui é fácil de entrar, mas é difícil de sair. Tenho amigos que fazem medicina em federais do Brasil e vejo que aqui é mil vezes mais difícil de se formar. O ensino é muito bom, com uma boa estrutura. Muita gente fala porque não tem noção nenhuma de como é. A faculdade é muito boa, é rígida, tem bons professores, com especialização e pós-graduação em outros países".

  Para driblar o preconceito, muitos optam por fazer

"Os brasileiros são extorquidos de forma escancarada", acusa Damasceno (C)
Crédito: Arquivo Pessoal

especializações na Europa. "Tem gente que sai direto para a Espanha, mas muitos se especializam no Brasil mesmo. Outros vão trabalhar ilegalmente em municípios do interior. Todo mundo sabe disso. Assina-se um contrato com uma prefeitura para se juntar dinheiro e fazer uma especialização no País ou fora", afirma.

  De maneira geral, Damasceno não tem reclamações e ainda vê mais vantagens em cursar a faculdade fora. "No Brasil é muito difícil de passar no vestibular e as faculdades particulares são muito caras", explica. Além disso, a comunidade brasileira é grande. "Somos muito unidos. No final de semana a gente se reúne, sempre sai, cada um tem um círculo de amizades bem grande e todos estão próximos", diz o acriano, que chegou a dividir a casa com nove pessoas.

  Apesar de se ambientarem rápido, os brasileiros não pensam em ficar por lá depois de formados. Um dos motivos é o salário de médico com especialização, algo em torno de R$ 5 mil. "Apesar do custo de vida ser muito barato, não compensa se comparado com o Brasil".

  Para voltar, contudo, volta o fantasma da revalidação. "Quem se forma na Bolívia pode trabalhar em qualquer hospital da América Latina, menos no Brasil. Se eu quiser trabalhar no Chile, Peru, Argentina, Espanha eu posso, menos no Brasil", reclama, explicando ainda que a carga horária é maior na Bolívia, algo que lhe deixa confiante para conseguir a validação do diploma junto a universidades públicas e não através do Revalida.