Há alguns exemplos da
relação entre retração
salarial e aumento de violência entre adolescentes
ao longo das últimas décadas. Em 1983,
por exemplo, o salário real teve queda de 14,54%
no Rio, o que foi acompanhado de aumento de 17,6%
na probabilidade de homicídio para homens de
18 anos. Em 1991, uma retração de 21%
no salário real veio com um aumento de 27,8%
nas chances de meninos de 15 anos serem assassinados.
Para os dois economistas, o aumento da taxa de homicídios
entre adolescentes é um indicador seguro de
ingresso em atividades criminosas. Os chamados estudos
de "vitimização" mostram que
a maior parte dos assassinatos ocorre dentro do grupo
de jovens criminosos. Em outras palavras, há
uma identidade entre quem mata e quem morre. Por essa
razão, altas taxas de homicídio em um
grupo indicam envolvimento no crime.
Mônica explica que não são aquelas
coincidências pontuais entre quedas de salário
real e aumento de homicídios de adolescentes
que dão consistência científica
às conclusões do trabalho. O estudo
dos dois economistas foi feito a partir da base de
dados do Sistema de Informação da Mortalidade
(SIM), colocada à disposição
pelo Ministério da Saúde, que contabiliza
quantas pessoas morreram em cada ano e por qual causa,
discriminando município de ocorrência,
idade, sexo e outras informações.
Mônica e Lisboa cruzaram esses dados, entre
1981 e 1997, com informações sobre população
e diversas variáveis econômicas, como
salário real, distribuição de
renda e emprego. Usando ferramentas estatísticas
chamadas de regressões, é possível
analisar uma determinada correlação
- por exemplo, entre salário real e taxa de
homicídios -, isolando-a de outros fatores.
Lisboa exemplifica com um exercício feito
com os dados de 1984, que mostra que uma queda de
10% no salário real levaria a aumento de quase
5% na taxa de homicídios na população
de 16 anos no mesmo ano. Se o ano usado ou a mudança
no salário real variarem, os resultados mudam,
mas na maioria dos casos seu sentido permanece o mesmo.
Para 1984, o trabalho estatístico mostra que
uma queda do salário real naquele ano teria
efeitos prolongados na taxa de assassinatos de adolescentes.
No ano seguinte, aquela mesma faixa etária,
já com 17 anos, sofreria aumento da taxa de
homicídios de 2,5%. Esse aumento dos assassinatos
se vai reduzindo gradativamente, até desaparecer
em alguns anos. "O importante é observar
o efeito cumulativo e prolongado do aumento dos homicídios
de adolescentes causado pela queda do salário
real em apenas um ano."
Esse fenômeno, batizado pelos economistas de
"efeito inércia", é central
na interpretação que Lisboa e Viegas
dão a sua pesquisa. As crises econômicas
que pontilharam a década perdida de 80 e a
década turbulenta de 90 criaram impactos sobre
a criminalidade que seguem muito de perto o padrão
revelado pelas regressões em cima dos dados
de 84.
Em muitos daqueles momentos, houve fortes aumentos
na taxa de assassinatos de rapazes entre 15 e 19 anos.
Mais tarde, quando se tornam jovens adultos, eles
têm uma probabilidade maior de serem mortos
simplesmente por terem sido adolescentes em um ano
de alta na taxa de homicídios na faixa etária
de 15 a 19 anos.
A explicação do "efeito inércia"
no mundo real, segundo os economistas, é simples:
o contingente que entrou no crime na adolescência
não sai mais e engrossa a taxa de homicídios
da sua geração à medida que avança
em idade. É a superposição dessas
ondas, relativas a várias gerações,
que explica boa parte do aumento do crime desde os
anos 80", acrescenta Mônica.
Redação
Terra / O Estado de S. Paulo
|