CRIME

 » Crises econômicas empurram adolescentes ao crime
 » Jovens criminosos pobres morrem anônimos
 » Abandono da escola reduz chance de vida honesta
 » Com o Estatuto, drogas viraram assunto de saúde pública
 » Ganhos com o tráfico seduzem os jovens
 » Números mostram relação entre economia e criminalidade
 » Redução de maioridade penal é polêmica


FÓRUM
Os direitos das crianças e dos adolescentes são cumpridos como prevê o Estatuto?

ARTIGO

 » ECA comemora 10 anos

 

 

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Jovens criminosos pobres morrem anônimos

Eles quase não aparecem na mídia, diferentemente de vítimas pertencentes à classe média, meninos de rua assassinados por grupos de extermínio e cidadãos comuns, de vários grupos sociais, mortos por balas perdidas ou pela brutalidade policial. Vítimas sem glamour, os adolescentes e jovens pobres envolvidos com o tráfico de drogas e outras formas de criminalidade não têm sequer parentes dedicados a cultivar sua memória e a buscar Justiça.

Tampouco recebem apoio dos militantes de causas sociais. Acabam morrendo no quase anonimato, "desovados" em lixões da periferia ou em ruas das comunidades mais pobres. São adolescentes que se matam como feras e morrem como moscas, virando apenas mais um número nas contas da assustadora taxa de homicídios do País. A polícia é responsável por parte dessas mortes. Mas, na maioria dos casos, os assassinos são os próprios jovens criminosos.

"Meu irmão morreu com uma granada que explodiu em sua boca", diz J.S., de 16 anos. Vivendo entre a rua e a Fundação São Martinho, instituição que acolhe menores de rua no Rio, e até recentemente envolvido com o tráfico de drogas, ele diz possuir uma pistola calibre 45 e já ter matado algumas vezes.

Segundo o educador Fábio Anderson Araújo, que trabalha na entidade, é difícil descobrir o que é verdade e o que é exagero num relato como o de J.S. Se por um lado a necessidade de auto-afirmação típica dos adolescentes fica presente nas histórias de tiroteios e mortes, por outro o homicídio é efetivamente parte da vivência desses jovens e menores. Em outras palavras, é possível que J.S. seja realmente um assassino.

Ele conta que seu irmão era o braço direito de um chefe do tráfico no Complexo do Alemão, conjunto de favelas localizado na zona norte do Rio.

Segundo J.S., o conflito no qual seu irmão morreu foi motivado por uma briga entre traficantes que vendem cocaína "na mão", ou seja, a granel, e os que embalam o entorpecente em saquinhos de plástico, cobrando mais caro pela mesma quantidade de droga. Seu irmão pertencia ao primeiro grupo. "Tem muito olho grande, quanto mais você ganha no tráfico, mais quer."

Poder - R.M., 16 anos, filho de um pedreiro e uma empregada doméstica, diz ter três irmãos e um primo no controle de uma boca-de-fumo numa favela em Honório Gurgel, também na zona norte do Rio.

Ele, que está fora do tráfico "só nesta semana", tem inúmeras histórias sobre tiroteios com a polícia. Também afirma que já feriu policiais. "Não sei se eles morreram depois." O menor utiliza a mesma expressão de J.S. - "olho grande" - para descrever a principal motivação das mortes entre traficantes. "É muito dinheiro, droga e mulher junto", diz. "É bom porque você está com a arma, tem poder."

As brigas entre integrantes do tráfico, de acordo com R.M., resultam da rivalidade entre os grupos ligados ao Comando Vermelho, do qual o menor faz parte, e ao Terceiro Comando.

Ele afirmou que, num desses combates, morreram cinco amigos seus. "Mas foram sete do lado deles." Há também os "alemães", como são chamados os membros da polícia. Entre eles, os mais temidos são os homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, envolvidos recentemente no episódio desastroso do seqüestro do ônibus 174 no Jardim Botânico. "O Bope vai para matar e já chega atirando", resume R.M. "Aí, a gente atira de volta."

Dor - Para as pessoas envolvidas profissionalmente com adolescentes criminosos, perder um menor com o qual existia um laço afetivo é um tipo de sofrimento que faz parte do trabalho diário. Araújo, da Fundação São Martinho, estava de férias na Itália, em junho, quando recebeu a notícia do assassinato do menino Elemilton, traficante ocasional num ponto perto do Museu de Arte Moderna (MAM), no centro do Rio. "Não quis acreditar, estava com muita esperança no caso dele", diz Araújo, referindo-se a seu trabalho com Elemilton no centro de atendimento da instituição. "Apesar de todos os problemas, esses meninos às vezes são tão carinhosos", afirma o educador. "Eles ganham confiança em você e se abrem."

Sem saída - A psicóloga Danielle Goldrajch chega a cuidar de 70 casos simultaneamente, na 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio. Especializada em menores infratores, ela se lembra bem de dois adolescentes envolvidos com o tráfico que acabaram assassinados recentemente.

S.P.B. era descrito como "agressivo e completamente arredio" e criava conflitos em todos os locais para os quais foi conduzido. O outro, J.D.P., tinha perfil totalmente diverso. "Ele estava começando a se questionar sobre o que fazia e nunca mentia para mim", diz Danielle. A psicóloga lembra-se da vez que perguntou ao menor se ele não tinha medo de morrer. "Na hora, ele respondeu que não", afirma. "Ele disse que não conhecia outra forma de vida." J.D.P. foi assassinado meses depois, com 15 anos, em dezembro de 1999.

Redação Terra / O Estado de S. Paulo

 
 
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