
Carlinhos
Brown |
19/02/2001
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“Sou
o pivete que sobreviveu”
Alvo de garrafadas no Rock in Rio, o cantor lança seu terceiro
disco solo, conta como a música o tirou da
pobreza e diz que teve sorte de escapar do banditismo
Marianne
Piemonte
Leandro Pimentel |
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Brown
se orgulha da postura diante das vaias na Cidade do Rock:
“Não me arrependi de cantar lá"
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Antônio
Carlos Santos de Freitas fugiu da escola, passou a infância
batendo latas e chegou aos 38 anos como um dos músicos mais
badalados pela elite musical brasileira e estrangeira. Semi-analfabeto,
filho de um pintor de paredes e de uma lavadeira, tornou-se Carlinhos
Brown e casou-se com a historiadora Helena Buarque de Hollanda,
a Lelê, filha do compositor Chico Buarque. Da
união, nasceram Francisco, de quatro anos, e Clara, de dois.
Filho
de todos os orixás e protegido por Ogum, Carlinhos se considera
o retrato, ou melhor, a partitura do Brasil. Venceu as agruras da
infância pobre na favela do Candial, em Salvador, e rodou
o mundo. Fez mais de 400 participações em discos de
artistas de todos os matizes e nesse mês lança seu
terceiro CD solo, Bahia do Mundo Mito e Verdade.
Mesmo
com um inglês precário, se vira como ninguém
na língua de Shakespeare. Foi casado com uma americana e
teve Nina, hoje com 8 anos, que mora com a mãe em Los Angeles,
nos Estados Unidos. No luxuoso hotel no Rio onde encontrou a reportagem
de Gente, se comunicava, com entusiasmo, com os turistas
estrangeiros que puxavam conversa em inglês.
Arrependeu-se
de cantar no Palco Mundo do Rock in Rio?
Não. Se me chamarem para cantar, vou de novo com o mesmo
público. Tive a oportunidade de demonstrar a postura de um
artista no Brasil hoje. Fazer com que o Brasil pensasse mais na
sua cultura, no que fazemos, na verdadeira influência do homem
globalizado. É óbvio que quem não quer questionar
aquele momento, pode levar como uma vaia, mas um aluno mais inteligente
pode ter uma tese de mestrado social. Discursei, tive a oportunidade
de falar com a voz do País que quer paz.
Você
também já ficou nu em cima de um trio elétrico
e foi criticado.
São choques culturais. É postura, liberdade, uma homenagem
ao meu tropicalismo. Precisamos da essência, mostrar para
o Brasil e para a Bahia qual David de Michelangelo que nós
escolhemos. Então viva Joãosinho Trinta e Ronaldinho,
que de alguma forma promoveram a nudez de seu couro cabeludo e fizeram
com que o mundo inteiro os seguisse.
Como
a música surgiu em sua vida?
Trabalhei nas portas dos supermercados e ouvia as músicas
e os barulhos que se criavam. Desde os oito anos, tudo na minha
vida foi influência para a música. Sentia que ali existia
a possibilidade de trazer um discurso de liberdade e conforto para
as pessoas. Nunca quis roubar, ser bandido. Chamavam de pivete o
que hoje é menino de rua. Sem assistência, muitos deles
se perderam e caíram no banditismo. Tive sorte de escapar.
Sou o pivete mais velho que conseguiu sobreviver.
Quando
batucava nas latas as pessoas paravam para olhar?
Sim. Nunca me senti rei, mas chamava atenção e provocava
ciúme nos meus amigos, porque ganhava queimados (bongôs),
como pagamento das minhas imitações. Eu dançava
iê-iê-iê, imitava o Simonal. Até que veio
Pintado, meu mestre, meu Miles Davis, que improvisava para caramba
e me ensinou os caminhos da percussão. Aquilo me abriu o
mundo, porque significa fazer qualquer coisa estática reproduzir
som. O percussionista nasce sem preconceito musical, mas com uma
grande responsabilidade étnica. Lá, está a
memória do mundo e o poder das mulheres. A percussão
tem grande poder de sedução. Quando falo que essa
era função feminina, ninguém acredita. Mas
quando os homens voltavam para os castelos depois da guerra eram
recebidos pelas mulheres tocando seus alaúdes.
Você se sente um sedutor?
Não, a percussão é que seduz.
Toda
família tem o estudioso e o bagunceiro. Qual você era?
O bagunceiro. Minha tia fazia bolinhos de tapioca para vender na
rua e eu comia tudo, depois ficava batucando no fundo. Fiquei de
castigo várias vezes na escola, com palmatória e ajoelhado
no milho. Me rebelei com essas coisas. Me ensinaram que o g
tinha o mesmo valor que o j mas não me deixavam
escrever laranga.
próxima>>
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Bahia do Mundo – Mito e Verdade
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