Personalidade
do ano 2000
Música
 |
 |
O
cantor controlou o diabetes, voltou a escrever letras
de música, gravou um CD excepcional com Gilberto Gil e
anuncia que vai adotar duas crianças |
|
Foto: Piti Reali |
Neuza
Sanches
Piti Reali |
 |
“Não
sou de falar muito.
Eu me expresso melhor
através das minhas canções’’ |
Há
vinte anos, ele bebia com amigos num barco em plena Baía
da Guanabara, no Rio de Janeiro, quando soube que sua musa estava
numa embarcação a 500 metros dali. Queria conhecê-la.
De impulso, mergulhou. As braçadas quase instintivas o conduziram
de tal forma que ele esqueceu das doses de álcool no seu
corpo. Chegou ao barco sem fôlego: Vim conhecer você,
disse Milton Nascimento à atriz Sônia Braga, que filmava
Gabriela ao lado de Marcello Mastroianni. Duas horas mais tarde,
decidiu voltar. Foi então que lembrou que não sabia
nadar. Levou outros 60 minutos para convencer a tripulação
dos dois barcos. Parecia história de pescador. Não
era. Voltou para o barco inicial, depois que as embarcações
se aproximaram. Agarrou as cordas para atravessar de um lado para
o outro. Hoje dou risada dessa história, diz.
A
experiência foi um divisor de águas em sua vida. Aprendeu
a nadar. De lá para cá mantém o hábito
de ficar nágua batendo os pés, remexendo os
braços e deslizando como se tivesse escamas pelo menos duas
horas por dia. Mais. Aposentou o gosto pela bebida, que deturpava
um viés de sua personalidade: a timidez. Ela permanece até
hoje. Ainda bem. Graças ao seu jeito monossilábico
de se expressar, mergulhou como nunca nas suas alegrias, crenças
e angústias e as expressou da melhor forma que sabe fazer:
na música. Falo melhor nas minhas canções,
diz.
Piti Reali |
 |
Chorei
quando
percebi o talento que
ele tem nas gravações
Gilberto Gil |
Assim,
o mineiro de Três Pontas, filho adotivo de Lilia e do professor
de matemática Josias de Campos, e pai cultural de Travessia
e dos Tambores de Minas, chega aos 58 anos com um currículo
ímpar: 31 discos gravados, sendo três deles lançados
nos cinco continentes. E ainda 5 milhões de discos vendidos
nos seus 35 anos de carreira. Contou cinco indicações
ao prêmio Grammy, sem nunca tê-lo, até que o
tabu foi por água abaixo em 1997, com Nascimento. Ganhou
o Grammy de melhor música mundial, a categoria
mais extravagante entre as 92 que compõem a premiação.
A matemática,
porém, não é uma ciência precisa quando
esbarra no poeta, compositor e cantor brasileiro. Ele é
um mestre que me levou à convulsão de choro,
diz Gilberto Gil. Fiquei emocionado com a segurança
e o talento dele nas gravações do disco. A troca
de elogios entre os deuses da MPB tem sua razão. Milton superou
um momento conturbado em sua vida. Há dois anos, descobriu
que tinha diabetes. Sofreu ainda de anorexia crônica e definhou
para 50 quilos. Não comia. Por conta disso, passou algumas
semanas acamado num leito de hospital.
Milton
Nascimento superou problemas de saúde e hoje está com 10
quilos a mais na sua silhueta. Teve 5
indicações ao Grammy. Ganhou 1
em 1997, na categoria “música mundial”. Aos 35
anos de carreira, tem 5
milhões de discos vendidos e acaba de lançar um CD, no qual
uniu seu estilo mineiro ao do baiano Gilberto Gil. |
O País
ficou em comoção, pois achava-se que ele tinha aids.
Era moda pensar que todo mundo que emagrecia tinha essa doença,
diz Milton. Foi difícil, pois tinha perdido também
a minha mãe. Hoje ele está de bem com a vida.
Controla, sem dramas, as facetas de sua saúde. Duas vezes
ao dia, toma insulina para evitar o descontrole de glicose em seu
sangue. A gastronomia ficou alterada. Teve de abolir o açúcar
e o sal de seu paladar. Tem ainda de se alimentar a cada três
horas para não sofrer queda abrupta de pressão e se
sentir mal, característica de quem sofre de hipoglicemia.
Por
conta dos cuidados extremados com a saúde, Milton Nascimento
tem hoje dez quilos a mais em sua silhueta. Mas não se importa
com isso. Pelo contrário. Não entendo os médicos.
Como eles querem que eu não engorde se como várias
vezes ao dia?, brinca. É no silêncio que
está a sua força, diz Gilberto Gil. Depois do
convívio dos festivais dos anos 60, os dois se reencontraram
agora no antológico CD Gil Milton. Milton foi intimado por
Gil a voltar a se expressar pelas palavras. Tinha se acomodado na
criação de melodias. Foi o que fez. Milton tirou do
fundo dalma Sebastian, que fala sobre o protetor
do Rio, São Sebastião. Milton é religioso.
Reza sempre. Usa um crucifixo e uma face de Jesus como pingentes
que mostram sua fé católica. E ainda um colar, símbolo
de sua devoção à religião africana.
Além
de experiente melodista e letrista de mão cheia, Milton é
o cantor do vozeirão, ideal para músicas de alta voltagem
emocional, tendo como antepassados Francisco Alves e Carlos Galhardo.
Crooner, seu CD do ano passado é uma antologia de músicas
de baile. O suingue e a animação deram o tom. A seleção
de música não evitou a breguice dos bailões
e por isso mesmo foi considerado excelente pela crítica.
Milton não tem preconceitos. É outra faceta do mestre.
A sua boa fase o faz planejar algo inédito em sua vida: quer
adotar duas crianças uma branca, outra negra. É
uma homenagem aos meus pais, brancos, que me adotaram, diz.
|