
Hugo
Carvana
“O
uísque me salvou”
O ator conta que driblava seu médico e bebia para enfrentar os
efeitos colaterais da quiomioterapia antes de se curar de um câncer
no pulmão
Luís
Edmundo Araújo
Leandro Pimentel |
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“Tive
a notícia da cura em junho de 1997. Estou de porre até hoje” |
O ator
Hugo Carvana, 63 anos, ficou conhecido do grande público
na televisão interpretando personagens memoráveis
como o jornalista do seriado Plantão de Polícia,
nos anos 80. Mas não esconde de ninguém que sua paixão
é o cinema.
Nada
de surpreendente. Afinal de contas, ele ostenta no currículo
82 filmes, desde a época em que começou como figurante
nas chanchadas da Atlântida, durante a década de 50,
até os sucessos de Vai Trabalhar Vagabundo, Bar
Esperança e O Homem Nu, como diretor.
Há
três anos tentando captar recursos para seu novo projeto em
cinema, batizado provisoriamente de Tempestade Cerebral,
Carvana sobrevive com participações em programas de
tevê, entre eles o humorístico Zorra Total.
Em 1996, tirou o pé do acelerador quando descobriu ter câncer
de pulmão, curado há três anos.
Casado
com a jornalista Martha Alencar, o pai de Pedro, 31, Maria Clara,
29, Júlio, 25, e Rita, 22, ainda pretende realizar um sonho
antigo: ser dono de bar na Lapa, tradicional reduto da boemia carioca.
Não para ficar administrando o negócio atrás
de um balcão, mas para fazer o que mais gosta: Meu
negócio é beber.
Como
foi saber do câncer no pulmão logo após o lançamento
de O Homem Nu, em 1996?
Quando você descobre que tem a doença é uma
porrada. Um soco do Mike Tyson na cara. É uma coisa que você
nunca acha que vai lhe acontecer. Só com os outros. Sofri
demais no início. Primeiro você tem que chorar. Daí
você chora mesmo, não tem jeito. O segundo passo é
enfrentar, se informar sobre a doença e procurar as armas
para enfrentá-la. É aí que a cabeça
do paciente ajuda muito.
De
que forma?
A primeira coisa a fazer é não permitir que tenham
pena de você, porque a pena dos outros traz mais sofrimento
para quem tem a doença. Outra coisa é a fé,
não só a religiosa, mas a fé na cura. O câncer
é uma doença genética, uma célula que
enlouquece, que se rebela, pula da cadeia do seu DNA e se recusa
a se ordenar. O trabalho psicológico é importante
nesse caso. Passei a fazer análise, e isso me ajudou bastante.
Soube da doença em outubro de 1996, poucos dias após
a estréia de O Homem Nu. Duas semanas depois, houve
uma outra sessão de lançamento no Rio e eu não
fui. Tinha tomado a primeira sessão de quimioterapia e estava
muito deprimido. Estava fraco, não conseguia andar e não
queria que ninguém me visse daquele jeito.
E
como o Hugo Carvana boêmio resistiu ao tratamento?
Às vezes burlava a quimioterapia. Tomava um uisquinho antes
de começar o tratamento. Aquilo é um horror, você
não pode beber. É um veneno. É você injetar
na veia Lubrax 4, óleo de combustível. Só que
a gente toma quimio hoje e ela só vai fazer efeito daqui
a dois dias. Aí é devastador. Então tomava
a quimioterapia e no mesmo dia, à noite, tomava um uísque,
porque sabia que ia ficar cinco, seis dias desesperado, vomitando
e passando mal. O médico proibia mas eu driblava, e acabou
dando certo. O uísque me salvou.
Nem
o câncer o fez abandonar o uísque ?
Tive que parar de fumar, mas não de beber. Gosto de uma história
do Vinícius de Moraes. Ele estava num bar com o Tom Jobim
e uma amiga. O Vinícius perguntou aos dois quais os bichos
que eles gostariam de ser. O Tom respondeu que queria ser um leão,
o rei da selva, e a moça disse uma garça. Quando o
Tom perguntou que bicho o Vinícius gostaria de ser, a resposta
foi imediata. Uma girafa, porque o uísque ia demorar
a descer. Acho que gosto tanto de uísque quanto o Vinícius
gostava.
Qual a sensação de ficar curado de um câncer?
Tive a notícia da cura em junho de 1997. A porrada que eu
recebi quando o médico anunciou minha doença, voltou
com a mesma força quando soube que estava curado. Aí
a porrada é no sentido inverso. Comemorei como de direito.
Estou de porre até hoje.
Que
privações a doença trouxe?
Praticamente perdi um pulmão com a radioterapia, que é
outra coisa absurda. Hoje não posso correr e subir escada.
Tem que ser devagar. Fumar, só charuto, que não se
traga. Mas eu me controlo. De quatro em quatro meses, faço
a manutenção. Marco a consulta com o médico
e faço todos os exames antes, me monitoro inteiro. Essa nunca
mais me pega, e, se voltar, eu pego no início. Fiquei o rei
do controle.
Como
será seu próximo filme?
Escrevi uma história de um cantor da noite que viveu no Rio
entre os anos 50 e 80. Ao narrar a vida desse personagem fictício,
que não é famoso, mas muito conhecido entre os amigos
e nos bares da noite, viajo pela música brasileira. Perseguia
a possibilidade de um dia ter a música, não como moldura
ou adorno, mas quase como um personagem de um filme. Também
é uma forma de homenagear os velhos cantores da noite. Antigamente
eu ia num bar só para ouvir gente como Altemar Dutra. Essa
gente tinha um público fiel.
próxima>>
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