Como tantas atrizes de 22 anos,
Alice poderia se apoiar apenas no rosto bonito. O
caminho óbvio era o início em Malhação.
No entanto, arriscou-se, começando num papel
pequeno e marcante, o contraponto aos meninos da favela
em Cidade de Deus. Até sobrenome que
poderia abrir portas, ela tem: Braga, o mesmo de Sonia,
sua tia. Só que não se esconde atrás
dele. A atriz está estreando seu segundo longa,
Cidade Baixa, dirigido por Sérgio
Machado. O segundo, apenas (ela já rodou outros
dois). Pelo filme, ganha elogios unânimes. Recebeu
aplausos no Festival de Cannes que a fizeram chorar.
E ficou gaga ao subir no palco para pegar seu prêmio
de melhor atriz no Festival do Rio.
“O maior elogio que eu recebo é: como
você foi corajosa”, diz Alice, num sábado
chuvoso em São Paulo, elétrica apesar
das dez noites dormindo uma média de 3 horas,
por causa da filmagem de seu quarto longa, Journey
to the End of the Night. Coragem é a melhor
palavra para descrever sua atitude em relação
a Cidade Baixa. Para começar, ela
entrou naquilo que se chama de 47 minutos do segundo
tempo, quando se contavam três semanas de ensaio.
O diretor não encontrava a sua Karinna. Ele
consultou a preparadora de elenco Fátima Toledo,
que tinha trabalhado brevemente com Alice em Cidade
de Deus. “Desconfiava que ela ia se entregar
de peito aberto”, diz Fátima. Sérgio
Machado percebeu o quanto Alice estava assustada e
fez questão de buscá-la no aeroporto.
“Disse: confie em mim. E ela confiou. Com 21
anos, entrou nessa parada”, lembra ele. A segunda
dificuldade foi trabalhar com dois atores experientes,
Wagner Moura e Lázaro Ramos, que, ainda por
cima, são grandes amigos. “Eles tiveram
paciência com a minha imaturidade, de ser menina,
de estar me encontrando”, agradece ela. A terceira
complicação é que Alice não
vive uma pessoa próxima de sua realidade de
classe média alta paulistana: Karinna é
uma prostituta por quem o Naldinho de Wagner Moura
e o Deco de Lázaro Ramos, amigos de infância,
se apaixonam, sendo correspondidos. Num filme sem
meias palavras como Cidade Baixa, isso significa
uma intensa carga emocional, cenas de nudez
e sexo.
“Alice era uma menina, a mulher não
estava acontecendo”, diz Fátima Toledo.
Afinal, Alice é a Lili. A menina hiperativa
que fala muito e rápido, que adora tomar cerveja
com os amigos no boteco, que gostava de jogar bola
e de brincar de He-Man quando era pequena,
cujo sorriso dominava qualquer retrato de família.
A garota que freqüenta sets de filmagem desde
os 4 anos de idade. A mãe, Ana, é publicitária
e levava as duas filhas para o trabalho depois da
escola – a outra, Rita, formou-se em cinema
na Austrália. Os amigos de Ana notaram que
a menina tagarela não tinha muita vergonha
e passaram a chamá-la para fazer comerciais.
“Era diversão pura, uma desculpa para
estar no set”, conta Alice, que nunca teve dúvida
de que ia trabalhar com cinema. Um dos amigos era
Fernando Meirelles, com quem ela fez dois comerciais
e que depois a chamaria para Cidade de Deus.
O pai, o jornalista Ninho Moraes, lembra que Alice
adorava o ambiente. “Um dia a levei para um
teste de manhã. Sete horas depois, ela ainda
estava no set, dando palpite, ajudando os outros”,
conta ele, que só teve certeza de que ela seria
atriz quando viu seu comprometimento em Cidade
Baixa.
Entrega não faltou. Numa cena de striptease,
Alice teve dificuldade. O problema não eram
só o cansaço e a nudez na frente de
30 desconhecidos, mas ter de tirar a roupa seduzindo
Wagner e Lázaro. Sérgio Machado parou
a filmagem. “Ela ficou mal por isso. Mas trabalhou
a noite inteira e, no dia seguinte, além de
fazer a cena muito bem, teve sua melhor atuação,
quando Naldinho a chama para morar com ele”,
lembra o cineasta. “Admirei muito a Alice porque
era fácil sucumbir.” A sensualidade foi
um ponto que a atriz teve de trabalhar. “Eu
não sou muito sexy. Sou carinhosa, as pessoas
dizem que isso é sedutor. Mas eu não
sou muito cocota”, afirma ela. Também
por isso, a garota não teme as comparações
com a tia Soninha, que deixou o Brasil quando ela
nasceu. “É outra época, outro
cinema, outra pessoa. A Sonia tem um fogo dentro dela,
que eu não tenho. Sei tirar para um personagem,
mas eu, a Lili, não tenho”, diz ela,
que está sem namorado e nega os boatos de romance
com Jonathan Haagensen, seu amigo desde Cidade
de Deus. “Achei até engraçado
ter saído
no jornal.”
Tudo isso fez com que a moleca se transformasse.
“Em dois meses, ela se descobriu mulher, amadureceu
quatro, cinco anos”, diz Sérgio Machado.
Até a própria concorda. “Saí
outra pessoa. Entrar numa barca dessas dá um
amadurecimento. Vivendo um personagem que tem tanto
problema, você reavalia as coisas: Eu dou valor
à vida realmente? Ou só brinco de viver?”
Levada pela vida, pela sorte e pelo talento, Alice
rodou Só Deus Sabe, co-produção
Brasil-México com Diego Luna, e Journey
to the End of the Night, filme internacional
rodado no Brasil. Por causa do cinema, não
foram para a frente as conversas para estrelar produções
da Rede Globo, como Belíssima e JK
– a atriz fez participação em
Carandiru – Outras Histórias.
“A hora certa vai chegar”, diz ela. Para
Wagner Moura, Alice tem atributos que fazem vislumbrar
um belo futuro. “Quando vi, em Cannes, a desenvoltura
com que ela circulava, com aquele sorrisão,
disse: é uma estrela.” Lázaro
Ramos, por sua vez, aconselhou-a a buscar o teatro.
“Só digo isso porque é evidente
o talento dela”, diz. Já que acomodação
não está no dicionário de Alice,
além de estudar, ela vai seguir a dica. “Tenho
medo do palco. Mas quero enfrentar”, diz ela.
Risco, sem dúvida, ela não tem medo
de correr. |