Beatriz Bandeira Ryff, 90 anos
A poetisa
romântica da esquerda
Fã de Che Guevara, admiradora de Jesus Cristo
e amiga de Carlos Marighella, ela foi alfabetizada com poesia e
viveu exilada por causa da militância comunista
Leneide Duarte
Foto: Leandro
Pimentel |
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Ela gosta de
dizer que foi alfabetizada com poesia e amamentada com música.
Na juventude, filiou-se ao Partido Comunista. Foi presa em 1935
e ficou ao lado da cela de Olga Benário, a mulher de Luiz
Carlos Prestes, entregue pelo governo de Getúlio Vargas aos
nazistas. "Lamento não ter ficado mais tempo na prisão
para conhecê-la", diz. Aos 90 anos, a poetisa Beatriz
Bandeira Ryff, que tem três livros publicados, é uma
socialista convicta. Para ela, Che Guevara foi um idealista admirável
e Jesus Cristo, de certa forma, um revolucionário. No seu
panteão particular, estão ainda Luiz Carlos Prestes
e Carlos Marighella, de quem foi amiga.
Militante comunista,
ela é viúva do jornalista Raul Ryff, gaúcho
que ela conheceu no Rio, pouco antes de 1935, e que se tornaria
secretário de Imprensa do governo João Goulart. "Fui
procurá-lo para levar uma palavra de ordem do partido, ficamos
amigos e acabamos presos no mesmo dia", conta.
Nascida em 8
de novembro de 1909, filha de Alípio Abdulino Pinto Bandeira
e Rosalia Nansi Bagueira Bandeira, ambos ferrenhos abolicionistas,
Beatriz se tornou poetisa, depois de ser alfabetizada pelo avô.
"O primeiro livro que ele me deu foi As Primaveras, de Casimiro
de Abreu.
Depois viriam
Castro Alves e Gonçalves Dias", recorda. Foi também
o avô que lhe ensinou francês. Seu amor à música
vem da infância. Sua mãe cantava e "tocava bandolim
divinamente". Formou-se em piano pela Escola Nacional de Música.
Da infância,
recorda-se do bonde puxado por burro que passava perto de sua casa
no Méier, zona norte do Rio. Nos fins de semana, o programa
da família era colher framboesa, pitanga e jabuticaba na
Floresta da Tijuca.
Quase toda a
vida de Beatriz Ryff tem referências políticas. Em
1964, foi demitida pelo regime militar do cargo de professora de
técnica vocal do Conservatório Nacional de Teatro.
Ela e o marido foram procurar asilo na embaixada da Iugoslávia.
Três meses depois, um grupo de perseguidos políticos
de esquerda partiu para o exílio em Belgrado, no navio Bohiny.
A experiência rendeu o livro A Resistência - Anotações
do Exílio em Belgrado.
Os nomes dos
dois filhos gêmeos - o mais velho se chama Sérgio -
também têm laços com a política: Luiz
Carlos é uma homenagem a Prestes e Tito Bruno é uma
dupla homenagem: ao Marechal Tito, que unificou a Iugoslávia
em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial, e a Giordano Bruno, filósofo
italiano que foi queimado na fogueira, em Roma, em 1600, durante
a Inquisição.
Do exílio
em Belgrado, os Ryff foram para Paris, onde Raul trabalhou para
a tevê francesa e Beatriz fez a cobertura de desfiles de moda
para uma agência de notícias brasileira. Antes, o casal
já vivera exilado no Uruguai, em 1936 e 1937, para se livrar
das perseguições do regime de Vargas, depois do fracassado
levante comunista.
Pouco tempo
depois, filiou-se ao PCB. No partido, conheceu a poetisa Eneida
Costa de Moraes. Em 27 de novembro de 1935, dia em que a Revolução
Comunista de 1935 foi abafada pelos militares, Beatriz seguiu em
missão à casa de Eneida, perto da Lapa. Seus companheiros
de partido haviam lhe dado um pacote com granadas do tipo banana.
Ela aprendeu como funcionavam e lhe disseram que deveria subir ao
apartamento de Eneida, se não houvesse uma toalha na janela.
Tomou um táxi e desceu em frente à Escola Nacional
de Música, para despistar e seguir a pé. Ao perguntar
o preço da corrida ao motorista, ouviu dele: "Não
é nada não, companheira, tenha boa sorte". Beatriz
supõe que ele a reconhecera dos comícios dos quais
participara. As granadas foram entregues a Eneida sem problemas.
Beatriz se considera
uma privilegiada por ter convivido com "pessoas tão
especiais e admiráveis". Foi assim com Carlos Marighela,
que conheceu em Porto Alegre, em 1947. Nesse anos, os companheiros
tinham organizado um bloco de Carnaval chamado Filhos do Povo.
Em
outra passagem, chorou no ombro da Passionária, como era
conhecida Dolores Ibarruri, heroína do Partido Comunista
espanhol. Foi na década de 1960, quando ambas participavam
em Moscou de um Congresso de Mulheres. Depois de ver um filme sobre
crianças catadoras de lixo no Brasil, Beatriz não
conteve o choro e Dolores a consolou. E na prisão, em 1935,
ela aprendeu inglês com o Barão de Itararé,
pseudônimo do humorista Aparício Torelli. "Quando
chegou, o Barão passou a subir nas grades para conversar
com as mulheres. Soube que ele dominava bem o inglês e pedi
que me ensinasse a língua", conta. "Ele passou
a me mandar deveres dobradinhos numa caixa de fósforo que
jogava pela grade." Nascia ali mais uma das amizades de Beatriz
Ryff.
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