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Flávio
Ravara, aos 18 anos, quando combateu como legionário
na África (no alto, à esq.)
e sua mãe, Tânia, segurando uma foto
do filho: Nunca rezei tanto na vida |
Em
dezembro passado o modelo e músico gaúcho Glauco Caruso
Goulart, 29 anos, assistia ao show de Paul McCartney, em Londres,
quando se surpreendeu ao reencontrar o amigo de infância Flávio
Ravara, 31, com quem tivera uma banda em Rio Grande (RS). Papo vem,
papo vai, Flávio fez uma revelação que deixou
o amigo boquiaberto: em janeiro de 2003, ele e mais 49 pacifistas
partiriam da Inglaterra rumo ao Iraque, para servir de escudo humano
iraquiano num eventual ataque dos Estados Unidos.
Flávio
seguia a iniciativa
de Ken Nichols OKeefe, um ex-fuzileiro americano que lutou
na Guerra do Golfo, em 1991,
e renunciara à cidadania em protesto contra a política
externa do seu país. Como escudo humano, o gaúcho
lançaria mão do próprio corpo para garantir
proteção a
áreas civis. Numa eventual guerra, a idéia é
fazer uma barreira humana em frente a hospitais e escolas iraquianas,
impedindo um conflito nos locais.
Decidido,
Flávio ligou para a mãe, que mora no sul do País,
e disse: Vou ficar um tempo sem ligar porque viajarei pela
Europa. Somente ao irmão mais velho contara a verdade:
estava a 4 dias do embarque para o Iraque. No dia mar-
cado, final de janeiro passado, Glauco, o amigo que Flávio
encontrou no show de McCartney, foi se despedir do par-
ceiro de infância. Três ônibus vermelhos de dois
andares tradicionais em Londres levariam os 50 escudos
huma-
nos à terra de Saddam.
Morando
há três anos na capital inglesa, Flávio trabalha-
va de dia em uma empresa internacional de telefonia e, à
noite, tocava gaita e violão em pubs. Em sua bagagem,
constavam uma camisa da seleção brasileira, um violão
e um cartão de crédito. Um ativista, no momento da
partida, desistiu da empreitada e Glauco, apenas com uma mochila
de roupas nas costas, decidiu, ali, acompanhar o amigo. Participar
de um movimento como este é tudo o que eu sempre quis. Vou
fazer alguma coisa de verdade, justificou Glauco, que tem
um certificado de honra ao mérito da Aeronáutica pendurado
na parede do quarto e guarda uma foto tirada no túmulo de
John Lennon.
Glauco,
ao contrário do amigo, só avisou os familiares no
percurso para Bagdá. Desmontei na hora, conta
a advogada Maria Ilma, sua mãe. Chorei de desespero.
Tânia Ravara, 51 anos, mãe de Flávio, andava
por uma feira livre, em Rio Grande, quando um desconhecido a abordou
para comentar a iniciativa do filho. Discutimos e fui parar
no hospital por nervosismo, conta ela, que soube ali que
o filho virara manchete na pequena cidade do sul do País
por causa da iniciativa.
Tânia
já vira o filho se envolver em outra situação
de risco quando Flávio, aos 18 anos, viajou para a França
para servir na Legião Estrangeira e combateu na África.
Nunca rezei tanto como agora. Tenho certeza de que ele voltará.
Há três semanas, uma queixa feita via telefone por
Glauco à mãe, Maria Ilma, acenava para o desfecho
imaginado por Tânia. Disseram que tudo seria financiado,
mas terei que gastar do meu próprio bolso, falava Glauco.
Na
terça feira 11, o Iraque concedeu visto aos escudos humanos
que aguardavam na Turquia e, na chegada a
Bagdá, pagou alojamento, ofereceu telefone e internet gratuitos
aos voluntários. Não há nenhum escudo
humano brasileiro aqui no Iraque, garantiu à Gente,
por telefone, Marcelo Antônio dos Santos Ferreira, presidente
da Federação das Entidades Árabes-Brasileiras
e chefe da
última comitiva brasileira no país.
Tinha
razão. Glauco e Flávio abandonaram a missão
por problemas financeiros, próximos da fronteira com a Turquia.
Eles não concordaram com o direcionamento da missão.
Iam para o Iraque para pregar a paz, mas parece que o discurso político
estava tomando conta de tudo, diz
Maria Ilma, mãe de Glauco.
Na
segunda-feira 24, enquanto o secretário de Relações
Exteriores britânico, Jack Straw, dizia que a ONU teria um
prazo de duas semanas para propor uma nova resolução
sobre o Iraque e o secretário de Estado norte-americano Collin
Powell tentava convencer a China a apoiar a guerra, as mães
de Glauco e Flávio respiravam aliviadas. Após o silêncio
de semanas, Maria Ilma recebia uma ligação de Londres,
para onde retornaram sãos e salvos os brasileiros. 
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