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Janela
estilhaçada na Vieira Souto em Ipanema e ônibus
depredado na periferia: Beira-Mar comanda violência gratuita
contra ricos e pobres |
Há
dois anos a costureira aposentada Auri Maria do Canto, 70 anos,
fazia tudo sempre igual. Saía de sua casa numa vila no Rio
Comprido, zona norte do Rio de Janeiro, por volta das 7h40, pegava
o ônibus da linha 410 e saltava no Humaitá, na zona
sul, para entregar os salgadinhos feitos pela filha, Rosângela,
na cantina do Colégio Pedro II. Na segunda-feira 24, a rotina
de Auri foi interrompida a poucos metros de seu destino, em frente
ao Morro Dona Marta, em Botafogo. Dois homens entraram pela porta
da frente do ônibus, jogaram gasolina no interior do veículo
e atearam fogo, reforçando a estatística da violência
que tomou conta do Rio durante todo o dia, numa ação
que, segundo a Secretaria de Segurança Pública, foi
orquestrada pelo traficante Fernandinho Beira- Mar de dentro do
presídio de segurança máxima Bangu I.
Com
30% do corpo queimados e o fêmur direito fraturado na tentativa
de escapar do fogo, Auri foi levada para o Hospital Souza Aguiar.
Outros cinco passageiros do ônibus também ficaram feridos
e tiveram de ser internados. O dia de cão no Rio incluiu
ainda mais 24 coletivos incendiados, oito depredados, quatro metralhados
e um atingido por uma bomba caseira. Ninguém ficou ferido,
mas o prejuízo do comércio chegou a cerca de R$ 50
milhões devido ao fechamento das lojas por ordem do tráfico
de drogas em 22 bairros da região metropolitana do Rio, segundo
dados da Federação de Comércio do Estado.
Para
dar início à onda de violência, os bandidos
escolhe-
ram a Avenida Vieira Souto, em frente à Praia de Ipanema,
um dos endereços mais nobres da cidade. Por volta das 5h,
seis homens em três motos invadiram o cartão postal
até então poupado pela violência do tráfico
e jogaram uma granada de gás lacrimogênio num canteiro
em frente ao edifício número 398 da avenida. Em seguida,
atiraram três bombas caseiras nos números 420 e 432,
atingindo um
vidro de cada prédio. Acordei pulando da cama com o
estrondo. Nunca avaliamos o perigo que corremos até
que aconteça próximo à gente, disse um
morador do
432, que não quis ser identificado e teve um dos vidros
de sua sala furado por estilhaços da bomba caseira.
Ainda
na tarde de segunda-feira, o secretário de Segurança
Pública, Josias Quintal, disse que a polícia tinha
informações, desde o sábado 22, de que haveria
uma ação orquestrada por bandidos do Comando Vermelho
(CV), a facção crimi-nosa liderada por Beira-Mar.
Josias chegou a apresentar uma carta assinada pela facção
e supostamente escrita pelo traficante Marquinhos de Niterói,
comparsa de Beira-Mar, em que se lia que os atos de vandalismo na
cidade só terminariam à meia-noite da terça-feira
25.
Durante
todo o dia, 31 suspeitos de envolvimento com o tráfico foram
presos. Também foram suspensas por 15 dias as visitas aos
líderes do CV presos em Bangu I. Apesar de ataques a ônibus
terem sido registrados até as 21h da segunda-feira sem lei
no Rio, a governadora Rosinha Ma-theus garantiu que a polícia
estava nas ruas, reprimindo a onda de violência e levando
de volta a normalidade ao Estado. Para Auri, no entanto, será
difícil retomar a vida normal. Minha avó ficou
em chamas, quebrou o fêmur e
não pode nem tratar da perna direito por causa das queimaduras,
resume Carla Cavalcanti, neta da costu-
reira, que divide com a avó e a mãe, Rosângela,
a casa
que ainda deve demorar para voltar à rotina. 
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