Profissão
Os novos
fabricantes de sucessos
Uma nova geração de produtores musicais,
que inclui Dudu Marote, BiD, Tom Capone, Carlos Eduardo Miranda
e Chico Neves, se destaca pelo trabalho em importantes discos do
cenário pop
Paula Alzugaray
e Ramiro Zwetsch
Atrás
de um grande disco, na maioria das vezes há um bom produtor
musical. Se há dez anos essa afirmação estava
distante de ser totalmente verdadeira, nos anos 90 virou quase uma
regra. Todo artista que tem ou quer alcançar destaque no
universo da música pop, procura um bom produtor, capaz de
encontrar as combinações certas entre vozes, instrumentos
e recursos tecnológicos para criar fórmulas que garantam
o sucesso das músicas. "Produtor musical é como
o diretor de um filme. O compositor é o roteirista, a banda
é o elenco e o arranjador é o cenógrafo",
define o produtor Carlos Eduardo Miranda. O envolvimento entre músicos
e produtores é tão grande que é como se a banda
ganhasse temporariamente outro integrante - como o britânico
George Martin, que passou a ser conhecido como "o quinto Beatle".
"É pior que casamento, porque você passa, no mínimo,
12 horas por dia com o artista", diz Dudu Marote. Com direito
a 2% do valor de cada CD vendido, o produtor já faturou cerca
de R$ 220 mil com o disco De Volta ao Planeta..., do grupo Jota
Quest, que já vendeu 500 mil discos.
Miranda e Marote
são dois representantes de uma nova geração
de profissionais que está conquistando notoriedade graças
à recente popularização dos recursos eletrônicos
de gravação. Desde o princípio da década,
eles montaram seus próprios estúdios - alguns dentro
de casa -, garantiram autonomia e liberdade de criação
e se projetaram no universo da música pop.
Eduardo BiD, 32 anos
Um olho no passado, outro no futuro
Foto:
Julio Vilela

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Caubi Peixoto
cantando rock, o sambista Moreira da Silva em ritmo de música
pop e Gilberto Gil num repente com Chico Science. Promover encontros
entre diferentes tribos e gerações faz parte do trabalho
do produtor musical paulistano Eduardo BiD. "Gosto de misturar
a escola velha com a nova. Eles precisam se alimentar da gente e
nós deles", diz BiD, que produziu discos de Chico Science
& Nação Zumbi, Pavilhão 9 e Mundo Livre
S.A.
É inspirado
numa coleção de discos vinil e CDs de hip hop, jazz,
funk, reggae e MPB, que BiD mantém ativas as influências
da velha guarda e pratica uma das atividades básicas de qualquer
produtor dos anos 90: a garimpagem de trechos musicais que servirão
de material bruto de trabalho. "Costumo buscar coisas obscuras
de gente conhecida. Já usei trechos de Mutantes, Jobim e
Jorge Benjor com instrumentos gravados". Nessa brincadeira
de misturar ritmos brasileiros, surgiu a parceria com Chico Science,
em Afrociberdelia (1996). "Ele já tinha uma personalidade
musical muito forte. Sabia que queria misturar rock com funk e maracatu,
mas não tinha o equipamento." Alguns loops, várias
programações de bateria eletrônica e samplers
de Mutantes e Gilberto Gil depois, o Nação Zumbi se
tornaria a semente do mangue beat - um movimento que revolucionou
a MPB ao integrar à música nordestina os recursos
eletrônicos.
Dudu Marote, 34 anos
A máquina de fazer sucessos
Foto:
Julio Vilela

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O grupo mineiro
Skank já havia lançado um disco quando encomendou
um remix da música "Baixada News" para o produtor
paulistano Dudu Marote, no final de 1993. A versão ficou
tão boa que Marote foi convidado para produzir os dois discos
seguintes da banda, Calango (1994) e Samba Poconé (1996),
que venderam, juntos, 3 milhões de cópias. "Eu
imaginava que o Skank tinha três músicas que podiam
acontecer, mas não fazia idéia que faria tanto sucesso",
conta Marote. "Antes de gravarmos Calango, todas as músicas
estavam em estado bem bruto e eu tive que interferir bastante nos
arranjos." Essa interferência aconteceu em vários
níveis - mudança de acordes, repetição
de refrãos, acréscimo de instrumentos ou elementos
eletrônicos - e foi providencial, pois a banda saltou de 100
mil cópias vendidas do primeiro álbum para 1,2 milhão
com Calango. O sucesso, no entanto, ao contrário do que parece,
também pode criar feridas no relacionamento entre o produtor
e a banda. "Na hora que o produtor aparece tanto ou mais que
o artista, surgem problemas. Depois do Samba Poconé, o Skank
me demitiu porque, na opinião deles, minha exposição
na mídia foi exagerada." Procurados pela reportagem
de Gente, os integrantes do Skank não quiseram falar no assunto.
Apareceram então
convites para produzir Pato Fu, Jota Quest e Maurício Manieri,
todos trabalhos com projeção comercial satisfatória.
"Em todo disco em que eu trabalho eu procuro duas ou três
faixas que possam ser divulgadas, tocar no rádio", explica.
Com esse faro comercial, Marote se tornou um dos produtores mais
procurados do País. Só em 1999, foram cinco discos
produzidos, alguns ainda não lançados no mercado fonográfico.
Todo esse apetite por trabalho tem outra razão, além
das motivações financeiras. "A maioria dos grandes
produtores internacionais já tem mais de 50 discos nas costas",
explica. "Eu, por enquanto, tenho 12. Nesse ritmo, talvez em
uns oito anos eu chegue lá".
Carlos Eduardo Miranda, 37 anos, e Tom
Capone, 32
Os bons companheiros
Foto:
Adi Leite (Carlos Eduardo Miranda)

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Às vezes,
um produtor pode interferir tanto em um trabalho que, no final,
a banda não reconhece o próprio som. Quando o paulistano
Carlos Eduardo Miranda pegou Samba Esquema Noise (1994), primeiro
disco do grupo pernambucano Mundo Livre S.A., para produzir, ele
passou três meses no estúdio. Mudou o andamento de
algumas faixas e acrescentou instrumentos gravados por músicos
do Nação Zumbi e dos Titãs. "Quando a
banda ouviu, alguns não sabiam como tocar as músicas.",
diz Miranda. "Éramos totalmente ignorantes quanto à
técnica de gravação", conta Fred 04, líder
do Mundo Livre. "Confiamos em Miranda e ele realmente mudou
muito algumas músicas." Recentemente, a revista especializada
Showbizz apontou o álbum como o terceiro mais importante
de pop rock nacional da década de 90.
Um ano depois,
durante o show de lançamento do primeiro disco dos Raimundos
- produzido por Miranda e apontado pela Showbizz como o mais importante
da década - no Rio de Janeiro, Miranda foi apresentado a
outro produtor de predileção assumida pelo rock pesado.
O carioca Tom Capone, dono de uma coleção de mais
de 50 guitarras, tornou-se um bom parceiro.
Foto:
Kiko Cabral (Tom Capone)

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Os dois trabalharam
juntos no quinto álbum dos Raimundos, Só No Forevis
(1999), carregando nas guitarras. "Cada música sugere
uma guitarra diferente. A gente usou uns dez ou 15 tipos diferentes",
conta Capone. Assim como as músicas têm tratamentos
diferenciados, cada disco também pede um processo de produção
próprio. Para reproduzir o impacto das apresentações
ao vivo do grupo carioca Pedro Luís e a Parede, Tom Capone
subverteu a maneira tradicional de gravação. Gravou
as faixas de Astronauta Tupy (1997) com todos os músicos
tocando ao mesmo tempo. Fez uma espécie de "disco ao
vivo em estúdio".
Capone e Miranda
ainda têm uma outra afinidade: ambos atuam como diretores
artísticos das gravadoras Warner e Trama, respectivamente.
"Diretor artístico é o cara que descobre o artista,
contrata e sugere um produtor para o disco", explica Miranda,
que já indicou Capone para produzir os grupos de rock Acabou
La Tequila e Pravda.
Chico Neves, 39 anos
Entre cabos e pincéis
Foto:
Leandro Pimentel

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Em 1990, quando
lançou carreira-solo, a carioca Fernanda Abreu deu o pontapé
inicial da cultura dance brasileira. Com SLA Radical Disco Club,
foi a primeira vez que o Brasil dançou em massa com o recurso
eletrônico do sampler. Quem assinava a operação
de computadores era o músico Chico Neves. "Ele é
um especialista em sampler. Até hoje ele é meu consultor
nesse terreno", diz o produtor musical Liminha, de quem Neves
foi assistente de 1980 a 1986. "Eu trabalho com o som como
o pintor trabalha com a tinta. Vou misturando tudo até chegar
no resultado", diz Neves, que está por trás de
outro recente sucesso de crítica e público, o disco
O Dia em que Faremos Contato (1997), de Lenine. O músico
pernambucano nunca tinha experimentado a parafernália eletrônica
até conhecer o carioca Chico Neves. Lenine já era
considerado um dos melhores compositores brasileiros da década
de 90, mas não tinha emplacado um disco-solo até vender
75 mil cópias. "Sinto que ajudei ele a ser mais compreendido
pelo público. Ele ficou mais popular", observa Neves,
fazendo questão de ressaltar que a qualidade de uma produção
não se mede pelos números de vendas. "Não
acho essencial fazer música pop. Quando a gravadora diz que
um disco que produzi é difícil de tocar do rádio,
considero um elogio", diz Neves.
Antônio
Pinto, 32 anos, e Apollo 9, 30
Superproduções a partir de voz e pandeiro
Foto:
Pio Figueiroa (Apollo 9)

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Foi numa típica
cena de samba de botequim que o músico pernambucano Otto
mostrou suas composições para Apollo 9, ou Francisco
Carvalho, tecladista do Planet Hemp. "Ele me mostrou quase
todas as músicas no pandeiro e nós planejamos um disco
com muitos elementos eletrônicos", diz Apollo 9, que
já acumulava a experiência de produção
de alguns discos de música techno. E foi justamente com a
poderosa mistura de percussão e bateria eletrônica
de Samba Pra Burro que tanto Otto, ex-percussionista do grupo Mundo
Livre S.A., quanto Apollo 9 dispararam. O disco ganhou o prêmio
de melhor disco de MPB de 1998 pela Associação Paulista
dos Críticos de Arte e a parceria volta com novo CD no ano
que vem.
Foto:
Alexandre Tokitaka (A.Pinto)

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Foi também
a partir da voz e do pandeiro que o produtor Antônio Pinto
realizou os arranjos de cinco músicas de Adão Xelebaradã,
um compositor carioca da favela do Cantagalo. Antônio, que
começou a carreira fazendo remixes e desde 1992 está
investindo na produção de trilhas sonoras (Central
do Brasil, O Primeiro Dia, O Menino Maluquinho), conheceu o compositor
durante a realização da trilha do curta Adão,
de Walter Salles Jr. "Do músico, só ficou a voz
e a composição. Todos os instrumentos foram gravados
por músicos convidados", diz ele. O que era poesia declamada
ganhou tinturas de "techno-punk-afro".
Liminha,
48 anos
O pai de todos
Depois de acompanhar
os Mutantes como baixista de 1969 a 1974, Liminha resolveu se aventurar
nos mares da produção musical e começou com
o pé direito. A gravadora Warner acabava de ser inaugurada
em 1976 e ofereceu ao músico a produção do
primeiro disco das Frenéticas. "A gravadora não
acreditava muito no grupo, pois elas eram garçonetes",
conta ele. "Praticamente empurraram a produção
para mim, que não tinha experiência." Resultado:
foi o primeiro disco de ouro da Warner.
Com o sucesso
logo na primeira produção, choveram convites e o produtor
se consolidou na década de 80, trabalhando em discos marcantes
da carreira de artistas como Gilberto Gil, Lulu Santos e Titãs.
"Liminha é a nossa escola", diz Dudu Marote. "Ele
ajudou as pessoas a reconhecerem o trabalho do produtor", completa
BiD. Antes de Liminha, o papel do produtor quase não tinha
relevância no cenário musical. Com suas produções,
ficou claro que esse profissional pode até mudar os rumos
da carreira de um artista, alavancando as vendas de discos ou ajudando
a lapidar um conceito musical.
Uma das marcas
registradas do estilo Liminha de produzir é a interferência
no repertório. "Interfiro sempre", diz. "Peço
para o artista vir ao estúdio com música sobrando,
para que eu possa justamente dar minha opinião." Desde
o disco das Frenéticas - quando sugeriu a gravação
de "Perigosa", de Rita Lee - ele opina na escolha das
músicas - e surpreende. Durante as gravações
de Rappa Mundi (1997), do grupo Rappa, ele sugeriu uma versão
- meio reggae, meio rap - para "Hey Joe", de Jimi Hendrix.
A música foi a primeira do disco a chegar às rádios.
Suba, entre muitos amigos
Marina
Lima, Arnaldo Antunes, Edson Cordeiro, Mestre Ambrósio, Bebel
Gilberto, Edgard Scandurra, Taciana, Daniela Mercury. Foram muitos
os artistas que se deixaram cativar e beberam da fonte inesgotável
de sonoridades digitais do produtor iugoslavo Mitar Subotic, o Suba,
que viveu quase dez anos no Brasil e faleceu aos 38 anos no final
de outubro. "Entre as várias coisas que aprendi com
ele, posso destacar duas que mudaram para sempre a minha relação
com a música: suas dicas a respeito da linguagem digital
(ele era um craque, nunca tinha visto alguém trabalhar com
tanta eficiência nos teclados e computadores) e a sua visão
européia de música pop", diz Marina Lima, para
quem Suba produziu Pierrot do Brasil (1998). Além de um produtor
criativo, requisitado em trabalhos de alta carga eletrônica,
Suba era um artista inovador, que acabava de lançar na Europa
seu primeiro CD, São Paulo Confessions, cotado com cinco
estrelas pela edição alemã da revista especializada
Rolling Stone.
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