Na
manhã da segunda-feira 4, um homem de 42 anos posava para
fotos ao lado da recém-inaugurada estátua do poeta
Carlos Drummond de Andrade, na praia de Copacabana, no Rio. O clima
era de descontração e, entre as brincadeiras, ele
fazia o tradicional chifre com os dedos indicador e médio
por trás da cabeça do poeta. O fato chegou a causar
protestos velados de quem viu a cena, mas ninguém que passava
pelo calçadão da Avenida Atlântica sabia que
o brincalhão em questão, o cenógrafo Pedro
Drummond, tinha todo o direito de fazer aquilo, até para
manter viva a irreverência de um Drummond que poucos conheciam.
Caçula dos três netos do poeta – que, se fosse
vivo, teria completado 100 anos em 31 de outubro – Pedro recebeu
do avô, 12 dias antes de sua morte, a função
de cuidar da sua obra.
A
conversa entre avô e neto aconteceu após o enterro
de Maria Julieta, única filha de Drummond, no dia 5 de agosto
de 1987. “O Carlos me disse que teria de cuidar da sua obra
e, caso tivesse dúvidas sobre o que fazer, me deixou os telefones
de amigos dele, como Plínio Doyle, Fernando
Sabino e Alfredo Machado (dono da editora Record, já falecido)”,
lembra Pedro, que cultivava o hábito familiar
de chamar o avô pelo nome. Largou então o sítio
onde morava e criava abelhas, em Secretário, região
serrana
do Rio, para assumir a nova função.
Filho
do poeta argentino Manuel Graña Etcheverry, Pedro nasceu
em Buenos Aires e veio morar no Brasil em 1980.
Um ano antes, serviu o Exército argentino no quartel de
La Tablada, junto com Diego Maradona, que já jogava pelo
Argentinos Juniors. “O comandante era sócio do time
e sempre liberava o Maradona. Ele foi ao quartel umas
três vezes, mas juramos a bandeira argentina lado a
lado”, conta o cenógrafo.
A
relação com o avô se estreitou a partir de 1986,
quando Drummond sofreu um infarto no dia das eleições
e o neto passou a morar com a família, em Copacabana. A pedido
da mãe, seguia o poeta escondido pelas ruas e ligava para
a médica quando achava que o avô estivesse passando
mal. Tudo porque Drummond fazia o possível para não
incomodar ninguém. “Pedia para a médica ligar
para ele, e só então o Carlos dizia o que estava sentindo”,
diz.
Para
o centenário do avô, Pedro não se limitou a
cuidar de seu legado. Em parceria com o professor de teatro João
Brandão, homônimo do personagem de Drummond, escreveu
o roteiro, fez o cenário e até figurações
na peça Caminhos de João Brandão, em
cartaz no Rio. “Gosto de encontrar novas formas de difundir
a obra do Carlos”, afirma o cenógrafo,
que já alugou um balão onde foram escritos versos
do poema “Amar” e pensa em mostrar o famoso “Havia
Uma Pedra
no Meio do Caminho” na pedra do Pão de Açúcar.
Idéias aprovadas por Sérgio Machado, filho de Alfredo
e herdeiro
da Record, responsável pela obra de Drummond. “O Pedro
tem sido feliz na luta para aumentar ainda mais a amplitude da obra
do avô”, diz.
Outro
que provavelmente aprovaria tudo isso seria o
próprio poeta, que tinha humor até para brincar com
a própria dentadura. “Quando uma criança andando
com a
mãe na rua olhava para o Carlos, ele botava a dentadura para
fora. Então a criança chamava a mãe e, quando
ela
se virava, a dentadura já estava no lugar, e a criança
levava uma bronca, para ‘deixar o velhinho em paz’”,
conta Pedro, que talvez por essas e outras histórias,
não hesitou em brincar com sua estátua. Certamente,
Drummond não se incomodaria.
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