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“Hoje,
vejo que mais do que falar sobre uma realidade dura é
preciso fazer algo para transformá-la”, diz Nega
Gizza, que trabalha numa ONG que reúne 326 favelas do
Rio |
Gisele
Gomes de Souza, 25 anos, conhecida no mundo do rap como Nega Gizza,
mora desde os 10 anos na mesma rua da favela Parque Esperança,
na Baixada Fluminense, mas nem sempre se sente à vontade
por ali. A poucos metros da casa onde vive com a família,
seu irmão Márcio, traficante de drogas, foi morto
há quatro anos num confronto com a polícia. “Sempre
evito passar pelo local. Para mim é como se tivesse sido
ontem. Às vezes, penso que lutei e não venci em tentar
mostrar a ele outro caminho”, desabafa. A história
de Márcio é contada em “Neném”,
uma das faixas de Na Humildade, CD de estréia de Nega
Gizza, que traz parcerias dela com seu irmão adotivo, o polêmico
MV Bill. “Ele sempre dá um toque nas coisas que faço.
O Bill me ensinou muita coisa.”
A
relação com o rapper que conquistou status
de porta-voz da Cidade de Deus aconteceu por intermédio de
Neném, que foi aliado dos traficantes da favela. “Quando
meu irmão morreu, o Bill se sentiu responsável por
mim e me acolheu como irmã de coração”,
explica a cantora, que busca conforto entre os amigos da Cidade
de Deus sempre que as lembranças a incomodam. “É
raro você encontrar alguém que passou por tudo que
ela passou e ainda acredita que pode vencer”, diz MV Bill.
O rapper acreditou no talento de Gizza e abriu espaço para
ela cantar em seus shows Brasil afora.
Envolvida
com a gravação do CD, ela não assistiu ao filme
de Fernando Meirelles e Katia Lund sobre a favela e evita comentá-lo.
“Se a comunidade está envolvida no assunto, ela tem
que gostar do que é mostrado. E o Bill já demonstrou
que as pessoas não estão satisfeitas na CDD (Cidade
de Deus). É melhor não falar muito desse bagulho
porque a Katia é minha parceira”, esquiva-se. A parceria
já rendeu frutos e promete ainda mais. Katia Lund dirigiu
Prostituta, o primeiro clipe da rapper, indicado ao Video
Music Brasil deste ano. Elas dividem ainda a direção
de um documentário sobre rappers do Brasil, Estados Unidos
e Cuba, que deve acabar de ser rodado em 2003.
“A
polícia vinha
e quebrava tudo, a
gente ficava entocado
no mato e armava o barraco de novo’’
Nega
Gizza, que aos 10 anos participou da invasão onde surgiu
a favela Parque Esperança, no Rio
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Nada
mal para quem começou a batalhar aos 7 anos, vendendo cerveja
e refrigerante nas ruas, e aos 10 participou com a mãe e
os três irmãos da invasão do terreno onde hoje
é o Parque Esperança. “Tínhamos que fazer
um barraco e dormir nele para mostrar que precisávamos do
terreno. A polícia vinha e quebrava tudo, a gente ficava
entocado no mato e armava o barraco de novo”, lembra a cantora.
De posse do terreno, o barraco deu lugar a uma construção
de um cômodo em alvenaria, para onde a família se mudou
no réveillon de 1991, debaixo de chuva. “O caminhão
não conseguiu subir porque era tudo barro,
a gente teve que arrumar um carrinho para trazer a mudança
e continuar a construir a casa já morando nela.”
Nas ruas de barro do Parque Esperança, a
adolescente que escrevia versos em tom de protesto e cantava músicas
românticas entrou em contato com o rap pelos alto-falantes
da rádio comunitária e levou um baque: “Eram
as coisas que eu pensava e escrevia. Não imaginava que havia
um tipo de música que falasse sobre a realidade como o rap”.
Ela tomou coragem e foi bater na porta da rádio, onde além
de tocar discos, lia e comentava os jornais.
Atualmente, ela apresenta um programa na Viva Rio
AM e na Roquete Pinto FM. “O rap me salvou. Hoje vejo que
mais do que falar sobre uma realidade dura é preciso fazer
algo para transformá-la.” Por conta disso, ela trabalha
como tesoureira da Central Única de Favelas (Cufa), uma ONG
que reúne representantes de 326 favelas do Rio. Grávida
de sete meses de Odilon da Silva, o MC Bien, Nega Gizza batalha
em várias frentes para que seu filho e outras crianças
das áreas pobres das grandes metrópoles não
tenham o mesmo destino de seu irmão.
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