Uma
moça jovem e bonita não pôde comparecer à
fase final do exame para promotora em 1982 por um motivo muito peculiar.
Vitor, seu segundo filho estava nascendo. O recado foi dado pelo
pai dela, esbaforido, a uma banca de examinadores de olhos arregalados.
No Ministério Público ninguém achava
que eu fosse passar, conta hoje Luiza Nagib Eluf, 47 anos,
procuradora de justiça do Ministério Público
de São Paulo, que, na época, já mãe
de Pedro, 22, teve de adiar o exame, no qual foi aprovada. Luiza
decidiu escrever A Paixão no Banco dos Réus
quando, há quatro anos, indignou-se com o caso de um rapaz
de 21 anos que matou a ex-esposa, de 18, colocando-a no trilho de
um trem: Vi as fotos do corpo jovem e também o vídeo
do casamento onde ela estava tão feliz... Mal sabia que estava
se casando com quem lhe tiraria a vida. Em sua casa, no arborizado
bairro do Alto da Lapa, em São Paulo, Luiza falou a Gente.
Por
que você decidiu escrever este livro?
Porque a mulher nem sempre foi ouvida com seriedade, era menosprezada
até mesmo quando era vítima. Ninguém costuma
ver o lado da mulher porque toda a doutrina é machista. É
escrita por grandes penalistas, mas machistas. Já se falou
muitas coisas como a mulher foi estuprada, mas estava de saia
curta, de decote... Esse padrão de comportamento e
aplicação da Justiça me revoltou.
Como
a Justiça classifica o crime passional?
É chamado de passional o crime cometido num momento em que
um dos dois é rejeitado. Os sentimentos presentes são
egocentrismo, egoísmo, egolatria. O sexo, principalmente
da parte do homem, infelizmente tem a ver com o poder. O que deveria
ser uma coisa prazerosa nem sempre é. Os homens sempre quiseram
mandar nas mulheres, por isso se viram no direito de matar.
Por
que a senhora diz que o crime passional não é resultado
do amor?
Não é por amor mesmo. É paixão que se
transforma em ódio. O que leva à morte é o
ódio feroz porque a pessoa foi rejeitada. É uma série
de sentimentos baixos, ruins, que levam ao assassinato. O ciúme
é um sentimento que todo mundo conhece e sabe que provoca
raiva, humilhação.
Por
que a senhora não quis falar com Pimenta Neves?
Perdi a vontade de tanto que falaram sobre sua arrogância.
Ia me irritar com ele. Li o depoimento dele na polícia e
soube que ele falou para os policiais: Vocês não
sabem nada, deixem que eu escrevo. Ele tinha nome, boa posição,
mas quem é o Pimenta hoje? Ele está numa situação
de réu, tem que se submeter à investigação.
Com
quem você teve mais vontade de falar e não conseguiu?
Com a Maitê Proença, mas acho que a assessora não
passou o recado para ela. A Maitê não foi a agressora,
nem agredida, mas queria saber como ela se sentiu. Sempre que eu
olho para ela eu lembro dessa história. Eu era menina na
época, mas ouvi muito falar disso. E ele ainda foi absolvido!
Como pôde a sociedade ter sido tão injusta?
A
senhora diz que mulheres não costumam cometer crimes passionais.
Por quê?
Recebo pilhas de processos de homicídios e nem 10% são
praticados por mulheres. E, quando matam seus companheiros, geralmente
é por legítima defesa física, não por
ciúme. Elas não pensam tanto se ele não
for meu não será de ninguém, porque foram
educadas a, erroneamente, perdoar a traição e o abandono
mais dos que os homens. Mas, quando ameaçadas de morte ou
espancadas, esperam o marido dormir para matá-lo porque têm
medo do conflito físico.
E
o caso da Dorinha Duval, que está no seu livro, não
foi passional?
Foi, mas ela não premeditou. Talvez eu absolvesse a Dorinha
porque quem planejava e queria isso era o marido. Ele é quem
já estava agredindo-a, tinha comprado a arma. E deu a arma
na mão dela dizendo para ela se matar, depois de tê-la
ofendido muito. Dizia que ela estava gorda, velha, que nem plástica
adiantava. Fez de tudo para que ela ficasse arrasada e se suicidasse.
Mas ela o acabou matando.
A
senhora sofreu preconceito por ser a primeira mulher casada e com
filhos a entrar para o Ministério Público de São
Paulo?
Claro, foi um suadouro! Ouvia: Ministério Público
não é carreira para mulher. Estudei sem parar
durante três anos, sem sair, nem para jantar. Eu tinha que
passar de qualquer jeito, não podia errar uma questão
sequer porque além de ser mulher, eu já tinha filho.
Não existia nem a Constituição de 1988, o que
tornava a discriminação maior ainda. E não
podia nem reclamar porque não tinha lei dizendo que não
podíamos ser segmentadas.
Quando
se sentiu inferiorizada?
Quando, no exame do Ministério Público, me fizeram
perguntas bastante ofensivas à minha liberdade, como por
exemplo: O seu marido vai deixar a senhora ir para o interior
se passar no concurso?. Passei muito mal na época,
antes e depois do concurso. Tive reações nervosas,
como espinhas nas costas, quedas de pressão. No meu primeiro
dia como promotora, no interior de São Paulo, a sala estava
apinhada de gente se aglomerando para me ver, porque era uma mulher
ali. Eu era um ET!
Por
que a senhora se sentia um ET?
Porque as mulheres sempre estiveram numa posição de
inferioridade e na minha época poucas exteriorizavam indignação.
Haviam comentários absurdos do tipo: Ah, como seu marido
é bom, como é compreensivo, deixa você realizar
a tripla jornada de trabalho, trabalhar fora, cuidar dos filhos
e lavar a roupa dele. Puxa, como ele é bom! Que coisa
horrorosa!
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