Cinema - Tragicomédia
Tudo
Sobre Minha Mãe
Cecília Roth, Marisa Paredes, Penélope Cruz,
Antonia San Juan
Geraldo
Mayrink
Já
vai longe o tempo, meados do século passado, em que
a repulsa gay (não havia ainda esta palavra) pelas
mulheres ganhou um ícone dourado, cacheado e cheio
de brocados: A mulher é um ser natural, portanto
abominável. Saiu da lavra de um grande poeta
da modernidade, Charles Baudelaire (1821-1867), e queria dizer
que a mulher era uma aliada da natureza, portanto inimiga
das linhas geométricas, das barragens e tudo o mais
que só o gênio masculino, racional antes de tudo,
poderia criar no mundo.Mas nada como um desmunhecar depois
do outro, porque Tudo Sobre Minha Mãe, a mais nova
criação de um homossexual que cada vez mais
se aproxima da genialidade de Baudelaire, é um hino
em homenagem à mulher tão estridente que provavelmente
nenhum macho fez coisa igual antes. Pedro Almodóvar
se excede a cada novo filme. Numa terra de homens viris como
dizem ser os espanhóis, e onde nasceu e vingou o incomparável
Luis Buñuel (que se sentiu feliz ao perder o desejo
sexual, na velhice, pois poderia então tratar as mulheres
como minhas semelhantes), o filme de Almodóvar
é uma pérola rara de feminilidade.
Sua história
é um folhetim de dar água na boca. Envolve desde
plantões médicos, com direito a transplantes,
a filhos que morrem e nascem, prostituição,
representações artísticas com mulheres
soberbas - A Malvada, o filme com Bette Davis, entra na narrativa,
assim como Um Bonde Chamado Desejo, a peça de Tennessee
Williams, encenada em espanhol com Marisa Paredes no papel
de Blanche Dubois - e até travestis que, sonhando com
a maternidade, são pais de família.
Não
se pode contá-lo aqui, em palavras, sem tirar o prazer
agridoce de quem for assisti-lo em imagens, com um elenco
de atrizes excepcionais (além de Paredes, Cecília
Roth, Penélope Cruz e uma fora do comum, Antonia San
Juan, tão convincente que faz o papel de Agrado, posando
de homem vestido de mulher).
Almodóvar
promove um grande triunfo da encenação sobre
a verossimilhança corriqueira no cinema corriqueiro.
O mínimo que se pode dizer de seu filme é que
ele é abominavelmente natural. Humano, demasiadamente
humano.
Para mulher nenhuma botar defeito
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