Música
Uma dupla de milhões
Os
irmãos Zezé di Camargo e Luciano vendem 1 milhão de cópias
do novo disco, negociam contrato de R$ 30 milhões e estão
prestes a emplacar carreira internacional
Alessandra
Nalio
de São Paulo
Aos
6 anos, Welson David Camargo tinha um pacto com a namorada
do irmão mais velho, Mirosmar José, na época
com 17 anos e músico em início de carreira,
em Goiânia, onde morava a família. Em troca de
balas e outras guloseimas, o menino passava informações
sobre uma certa morena com quem Mirosmar saía de vez
em quando, apesar do compromisso com Zilú, moça
simples e de "boa família". Mirosmar só
veio a entender como Zilú - com quem logo se casaria
- adivinhava as "puladas de cerca" anos depois,
quando já era o Zezé di Camargo. O menino travesso
e dedo-duro era Luciano. "Ele ainda me deve essa",
brinca Zezé.
Separados
pela diferença de 11 anos, com trajetórias profissionais
e personalidades diversas, Zezé di Camargo & Luciano
formam, aos 37 e 26 anos, uma dupla de rara sintonia. "O
encaixe das duas vozes é perfeito", define a crítica
Juliana Andrade, especialista em sertanejo e música
country. O que cantam já não pode mais ser chamado
de sertanejo - a definição está mais
para pop-romântico. São nove álbuns e
14 milhões de discos vendidos, em nove anos de carreira.
O último CD, lançado na semana passada, saiu
com 1 milhão de cópias vendidas antecipadamente.
Há três meses, a dupla está renegociando
um contrato milionário com a gravadora Sony Music.
O valor, segundo os irmãos, deve beirar os R$ 30 milhões.
Com números
tão altos - Zezé é um dos artistas brasileiros
que mais arrecadam direitos autorais, em torno de R$ 1 milhão
por ano -, a dupla se distancia cada vez mais da origem simples
em Pirenópolis, Goiás. O pai, Francisco, que
foi servente de pedreiro, e a mãe, Helena, lavadeira,
tiveram outros seis filhos.
A primeira
dupla que Zezé formou foi ainda criança, com
o irmão Emival, morto aos 11 anos num acidente de carro.
Cantou depois com o trio Os Caçulas do Brasil e integrou
a dupla Zazá e Zezé, antes de gravar dois discos
em carreira-solo. Juntou-se a Luciano em 1991. Já tinha
estrada como cantor, compositor e instrumentista - tocava
sanfona e violão. Ao contrário de Luciano, que
nunca compôs uma música ou tocou um instrumento.
Mas, segundo Zezé, foi o irmão quem lhe deu
o impulso na carreira. "Ele era a luz que me faltava",
diz. "Zezé me trouxe de Goiânia e me lapidou",
agradece Luciano.
Parte
do segredo do êxito está também no forte
trabalho de marketing da gravadora. Duas semanas antes do
lançamento do CD, em 31 de agosto, rádios AM
e FM das principais capitais do País foram bombardeadas
com músicas da dupla. Há ainda campanha publicitária
em outdoors, revistas, jornais e televisão. Fora as
entrevistas e a participação nos principais
programas de rádio e televisão, que começou
com o Domingão do Faustão, no domingo 5. A maratona
mal iniciou e já os deixou cansados. Na quinta-feira
26, Zezé chegou a dormir na mesa do restaurante Esplanada
Grill, em São Paulo, enquanto esperava o prato que
pediu para almoçar. O ritmo só muda dias antes
do show de estréia da turnê, que esse ano será
em novembro.
Outra
arma da gravadora é a realização de clipes
cada vez mais sofisticados. O filme da música "Pare!"
foi dirigido por Monique Gardenberg - diretora dos últimos
clipes de Caetano Veloso -, rodado em película de 35
mm. O diretor de fotografia é Afonso Beato, que no
currículo ostenta um dos clássicos do cineasta
Gláuber Rocha, O Dragão da Maldade Contra o
Santo Guerreiro. É ambientado nos cômodos de
uma casa e em cada um deles há uma modelo. "Não
economizamos", comenta Paulo Rosa, 42, diretor da Columbia,
divisão da Sony.
Carreira
em espanhol
O desempenho
com os discos e o programa na Globo fizeram eles acreditarem
que estão vivendo o melhor momento de suas carreiras.
Em 1998 e 1997, foram 1,7 milhão de cópias vendidas,
contra 1,6 milhão em 1996. Para este ano, a gravadora
estima um novo salto - também fora do País.
Em fevereiro, começam a gravar o segundo disco em espanhol.
O primeiro foi em 1994, quando venderam 180 mil cópias
na Espanha, em Portugal e na América Latina. "Temos
força de vontade para sair com o disco embaixo do braço
e bater de porta em porta nas rádios dos outros países",
diz Zezé.
Segundo
o empresário da dupla, Franco Scornavacca, 51 anos,
o esforço já não é mais necessário.
Zezé e Luciano são estrelas do primeiro time
da Sony, atrás apenas de Roberto Carlos, e terão
toda a estrutura da gravadora no mercado internacional. "Se
preciso, compraremos espaço na mídia no exterior",
diz Scornavacca. "Guardadas as devidas proporções,
eles terão o mesmo tratamento de Ricky Martin",
diz Paulo Rosa. Zezé Di Camargo e Luciano continuam
batendo recordes de público em seus shows. No domingo
29, reuniram 150 mil pessoas no Parque do Ibirapuera, em São
Paulo, para a 7.ª edição do Pão
Music - evento musical patrocinado pelo Pão de Açúcar.
Até então, o recorde do local tinha sido registrado
com o show de Carlinhos Brown e Marisa Monte, em 1997, para
130 mil pessoas. Mas o recorde de público da dupla
foi de 250 mil em um show em Manaus em 1995.
"Galinha"
e "família"
Depois
de se casar duas vezes, a primeira aos 15 anos com Cleorileide
Loiola, quando ainda morava em Goiânia e trabalhava
como office-boy, e depois com Mariana, irmã do cantor
Leonardo, já no início da carreira, Luciano,
hoje com 26 anos, não tem namorada e tampouco pensa
em se casar novamente. "A mulher que sair comigo tem
de saber que é só jantar e cama", diz.
Pai de três filhos - Wesley, 10 anos, com a primeira
mulher, Nathan, 5, com a segunda, e Talita, 14 anos, adotiva
-, Luciano já foi obrigado a fazer um teste de DNA
para descartar a possibilidade de ser pai do filho de uma
fã. "Sou galinha mas uso camisinha e tinha certeza
que nunca havia saído com aquela mulher", disse.
Ele também fez vasectomia há três meses
e guardou seu sêmen no banco de esperma da clínica
do médico Roger Abdelmassih, em São Paulo. "Me
sinto mais tranqüilo para transar," diz ele. Casado
há 16 anos com Zilú, 38 anos, e pai de três
filhos, Wanessa, 16 anos, Camila, 13, e Igor, 5, Zezé
diz que só não faz vasectomia porque a mulher
já fez uma cirurgia para ligar as trompas.
Os dois
moram em imóveis de luxo - Luciano vive com a filha
de 14 anos e os empregados, Zezé agora está
sozinho, ambos em grandes casas no condomínio de Alphaville,
em São Paulo - têm carros importados e fazendas
em Goiás e Mato Grosso. Deram um salto financeiro muito
grande em oito anos juntos. "Me deslumbrei na primeira
vez em que recebi uma bolada de dinheiro", conta Zezé,
que se julga mais comedido e está feliz com o Mercedes
conversível ano 1997. O luxo de hoje contrasta com
a miséria na infância. "Até hoje,
não agüento ver extrato de tomate. Minha mãe
colocava no arroz para dar uma cor e era só isso que
tínhamos para comer", relembra ele. Apesar das
dificuldades, ambos têm boas lembranças. Luciano
recorda-se de um natal em que a mãe, sabendo que não
teria dinheiro no fim do ano para dar presentes para os oito
filhos, comprou um brinquedo por mês e os escondeu em
sacos de estopa no teto da casa. "Lembro que ganhei um
carro azul de plástico", conta. Além dos
quatro carros na garagem, Luciano deu à mãe,
que vive em Goiânia, um Vectra com motorista particular.
Tanto
dinheiro acumulado serviu de chamariz para uma quadrilha de
seqüestradores, que mantiveram em cativeiro por 95 dias
o irmão Wellington, 28 anos, paraplégico. Durante
o seqüestro, uma parte da orelha de Wellington foi cortada
pelos marginais. Hoje, toda a família anda com seguranças
armados. Zezé mandou sua mulher e os filhos para Miami.
Wellington passou por uma cirurgia plástica em 29 de
março e fará outra em janeiro para reconstituir
a orelha. Superado o drama, Wellington lança no domingo
12 um CD com músicas evangélicas.
A família
usufrui o que os dois irmãos acumularam. Silvano Godoy,
irmão de Zilú, é o motorista de Zezé
e outros cunhados administram a fazenda que ele mantém
em Goiás. O sogro de Zezé acaba de ganhar de
presente um carro zero. Emanuel Camargo, 31 anos, é
o irmão que administra o patrimônio de Luciano,
que custeia a faculdade de teatro, deu carro e apartamento
para a irmã mais nova, Lucieli, 21 anos. "Sou
a única da família que faz faculdade e me esforço
o máximo possível", diz ela. Com a ajuda
de Zezé, músicos e cantores que fazem shows
com a dupla têm casa própria e carro.
Sem talento
para lidar com dinheiro, na hora de investir Zezé segue
os conselhos de um amigo diretor de banco. "Compro imóveis
e gado", resume. Recentemente, Luciano ergueu em Goiânia
500 casas populares para serem vendidas em suaves prestações.
"Gosto de saber que contribuo para resolver o problema
de moradia da população de baixa renda",
diz.
Leitura
de Platão
Para compensar
a falta de instrução de quem estudou até
o 3.º ano primário, Luciano é um voraz
leitor de Platão, Thales de Milleto, Galileu Galilei,
Immanuel Kant e outros filósofos. Para entendê-los,
lê pelo menos três vezes cada volume. Depois,
faz resumos e reúne tudo em um caderno, onde também
escreve seus próprios pensamentos após as leituras.
Zezé prefere livros de auto-ajuda e esotéricos,
como os do escritor Paulo Coelho.
A mania
por organização é um dos traços
marcantes da personalidade de Luciano. Ele tem um álbum
de fotos para cada membro da família, verifica pessoalmente
se os ternos estão bem passados e desenha as roupas
que quer usar, feitas por uma costureira que o acompanha desde
o início da carreira. Zezé, ao contrário,
compra tudo da grife Versace.
O bom
entrosamento no palco não impede que os irmãos,
como em qualquer família, tenham divergências.
"Por causa de um mal-entendido, já cheguei a ir
de carro fazer um show no interior de São Paulo e o
Zezé, de avião", conta Luciano. Em geral,
no entanto, impera a harmonia entre eles. O segredo pode estar
no fato de que um é assumidamente o líder e
o outro não contesta. É Zezé quem escolhe
o repertório, cuida dos arranjos e compõe a
maioria das músicas. Todos os lucros, tirando os obtidos
com direitos autorais, são divididos igualmente. Luciano
se derrama: "Zezé mal acaba de gravar um disco
e já tem o próximo na cabeça. Como não
admirá-lo e respeitá-lo?".
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