Entrevista:
Diogo Vilela
"Não
levanto bandeira"
Na sua melhor fase, ator diz que fragilizaria seu trabalho
se revelasse opção sexual
Rosângela
Honor
do Rio de Janeiro
No início
de agosto, Diogo Vilela foi assistir à estréia
da temporada carioca da cantora Maria Bethânia no Canecão.
Seria mais um espectador, mas acabou virando atração.
Foi aplaudido de pé ao chegar à casa de espetáculos.
Aos 41 anos, dos quais 28 dedicados à carreira, o ator
experimenta pela primeira vez o sucesso junto ao grande público
na pele do guru homossexual Uálber, da novela Suave
Veneno.
Penúltimo
de seis irmãos, Diogo Vilela estreou na televisão
aos 12 anos, na novela A Ponte dos Suspiros, de Dias Gomes.
Aos 17 anos, quando saiu de casa, já era ator profissional.
Desde então, sua trajetória na televisão
e no teatro é marcada por prêmios. Em 1996, arrebatou
a crítica ao interpretar Nélson Gonçalves
na peça Metralha, sobre a vida do cantor. Só
no ano passado, conquistou seis prêmios com o espetáculo
Diário de Um Louco, entre os quais o Sharp, o Shell
e o Mambembe de melhor ator. Carioca de Botafogo, criado em
Vila Isabel, na zona norte do Rio, ele já perdeu a
conta do número de novelas que acumula em seu currículo.
"Só sei que são mais de 20", diz.
Apesar disso, revela a Gente que planejava abandonar a tevê
quando foi convidado para viver Uálber.
O Uálber
é seu papel mais importante na TV?
É o mais polêmico. O Uálber veio num momento
de mudança de comportamento, de moral e de costumes.
Quando se fala em homossexual no Brasil, a gente já
imagina como ele seja. O Uálber surpreendeu mais pela
afetividade do que pela sexualidade. Vivemos um momento sem
afeto. Mas não fui discriminado por nenhuma pessoa,
nem criança. As pessoas ficaram solidárias ao
fato de ele pertencer a uma minoria, até quem é
preconceituoso.
O André
Gonçalves foi discriminado quando interpretava um gay
em A Próxima Vítima. Chegou a ser agredido num
bairro do Rio. Você já sofreu alguma retaliação?
Nunca passei por isso. Nessa novela (Suave Veneno), o tema
foi muito aprofundado. O brasileiro é solitário
em suas frustrações e desejos. Por isso, a tevê
completa a vida das pessoas. O brasileiro é pouco realizado.
Por anos, fomos enrolados politicamente e somos quase tratados
como miseráveis, de forma indigna. Por isso, compreendemos
qualquer dor, se for verdadeira. Nunca fiz uma cena gratuita
na novela. Concordei com todas como artista. Essa novela tem
muita importância para a modernidade da televisão
brasileira. Conseguiu comprimir o preconceito, através
do afeto.
Seu
sucesso veio tardiamente?
Não. Televisão é sorte e a minha veio
agora, aos 40 anos. Agora é que estou tendo reconhecimento
na tevê, depois de 20 anos. O Daniel Filho foi muito
importante para mim. Me induziu a fazer o Uálber. Ele
me tratou com muito respeito. No começo, tinha medo
de ser mal exposto. Normalmente, a novela fala dos temas genericamente,
nem sempre há tempo para aprofundá-los. A novidade
é que Aguinaldo Silva quis aprofundar o tema do homossexualismo.
Você
não teve receio da reação das pessoas?
Depois que eu li o texto, vi a dimensão do personagem.
Temi que houvesse censura, mas não houve. Foi praticamente
um milagre a televisão ter conseguido aprofundar tanto.
Sempre quis ter um papel social. Não quis só
ganhar dinheiro. A minha história é a de um
ator que saiu de casa para ser ator.
Ainda
existe muito preconceito?
A visão homossexual foi exportada sem afeto. A palavra
gay é americana. Temos uma característica forte.
Conseguimos unir afeto e tesão. Há um mês,
fui aplaudido no show da Bethânia, no Canecão.
As mulheres foram as primeiras a privilegiar a afetividade.
Foram as primeiras a aceitar o Uálber porque entendem
de afeto. O sexo é uma característica pessoal
de cada um. Somos um povo que rebola, que põe a bunda
na televisão, falamos da bunda. Nós não
ignoramos a bunda. A Tiazinha é importante. É
uma manifestação ainda infantil do que queremos
de liberdade. O preconceito vem da infelicidade sexual e nunca
será extinto. Preconceito é a dificuldade de
aceitar.
Vários
artistas já se declararam gays, como o próprio
Aguinaldo Silva. Você levantaria essa bandeira?
Não. Meu trabalho já levanta esse questionamento.
Se eu levantasse, fragilizaria meu trabalho. Mesmo que eu
fosse casado e tivesse seis filhos, não teria vontade
de expor isso. Preciso preservar o Diogo. Tenho necessidade
de ser uma pessoa independente do artista. Para isso, faço
análise há anos. Se me pedissem para fazer uma
cena de beijo, faria. Se começasse a entrar com minha
personalidade, estragaria tudo. Quando me der vontade, vou
contar toda a minha vida em livro.
Você
é bem pago?
Não. Nenhum ator é bem pago. A tevê só
paga bem aos apresentadores, que têm salários
milionários. Ganho muito bem para uma pessoa que vive
no Brasil, mas não em relação ao sucesso
que eu faço.
Foi
difícil renovar seu contrato com a Globo?
Tive um aumento legal, mas não é nada exorbitante.
Nós, atores, ainda não ganhamos como os apresentadores.
Por outro lado, é uma afronta ganhar uma fortuna num
país como o Brasil. Não me sinto inferior como
artista por não ganhar tanto quanto alguns apresentadores.
O que
prevê seu contrato?
É de três anos e me permite fazer teatro. Não
sou galã. Não sendo galã, é muito
difícil depender só da tevê. Sempre achei
que não sobreviveria na televisão exatamente
por isso. Quando me chamaram para essa novela, já estava
desistindo de fazer televisão para me dedicar exclusivamente
ao teatro e ao cinema. Lotava os teatros, mas ninguém
me dava um bom personagem. Na hora em que ia desistir, me
chamaram para fazer o Uálber. Mas o teatro é
a minha prioridade. Não posso deixar a minha carreira
na mão de terceiros. A TV Globo sabe que sou produtor
de teatro e respeita isso.
Quais
são seus planos para o teatro?
Meu sonho é fazer uma peça com a Fernanda Montenegro.
Já trabalhei com ela em Incidente em Antares. Mas queria
atuar junto com ela no teatro ano que vem. Estou cansado,
mas não vou tirar férias. Tenho pavor de férias.
Essa palavra me deixa angustiado. Só deve tirar férias
quem não tem a minha profissão. Precisaria tirar
férias da minha cabeça. Fico o dia inteiro estudando
as cenas. O lazer me angustia. Ia ficar tensíssimo
se fizesse as malas e embarcasse num navio.
Você
é tímido?
Sou. Posso me expor à vontade como artista mas não
tenho vontade de me expor como pessoa porque sofreria muito.
Tenho um mundo dentro de mim que só eu conheço.
Tenho um lado masculino muito forte, que é a minha
energia, mas tenho uma sensibilidade que beira o feminino.
Tenho uma sensibilidade muito à flor da pele para um
homem. Tudo me toca. Quando era menor, isso me causava conflitos.
Como
é sua relação com seus familiares?
O meu relacionamento com eles é maravilhoso. Eles são
pessoas com almas de artista, sem serem. A minha família
é meio mineira e meio baiana. Fui criado com muito
requinte. Tive uma educação de príncipe
Albert, morando em Vila Isabel. Na minha família, não
há julgamento. Nunca ouvi a palavra negro na minha
família. Nunca ouvi em casa expressões como
aquela puta, aquele negro, aquele viado. A questão
da sensibilidade sempre foi entendida.
Você
mudou seu comportamento sexual depois da Aids?
Sou da geração Cazuza, da turma do Posto 9.
Tive um contato muito próximo com a morte. Mesmo assim,
sempre me recusei a aceitar a Aids como um castigo. Da mesma
maneira ainda não entendi essa mudança que sofremos
com a Aids. Perdi muitos amigos, muita gente que eu amava.
Mudei totalmente meus costumes. Não a minha liberdade
interior, mudei meu ponto de vista do prazer. Por isso, sobrevivi.
E decidi mudar para sobreviver.
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