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Hilda Hilst tem obra reeditada e tenta conquistar leitor


Sexta, 18 de janeiro de 2002, 11h00

Este é o ponto em que todos a conhecem. Poeta brasileira de inspiração clássica, romancista com feição contemporânea, um dia Hilda Hilst recolhe-se à insignificância da pornografia para tentar, na maturidade, que o grande público tolere sua existência literária, ela que a crítica percebera e amara desde logo, tanto ou mais que os homens, sua beleza de mulher. Hilda Hilst figura a partir de 1990 no imaginário cultural brasileiro como a senhora de 60 anos que, inconformada e irônica, inicia com O Caderno Rosa de Lori Lamby uma trilogia erótica à cata de leitores, estes a quem em grande parte ela chamou de insensíveis quando lhes disse que somente chocados pelo amor aceitariam suas palavras.

Hilda foi má pitonisa, e mais uma vez não adivinhou o que movia o interesse do público local, habituado às protuberâncias róseas das mulheres nos outdoors. O público não compareceu à festa sexual que a escritora lhe preparou. Em 1995, Hilda sofreu a primeira de três isquemias cerebrais e os abandonou (os leitores) sem mais explicações, a não ser as de praxe: 'Eu não entendo por que me acham tão difícil! É uma pena.' No ano passado, a editora Globo anunciou o plano pelo qual a escritora tanto aguardara, a publicação sistemática e séria de sua literatura, iniciada em 1950 com o volume de poemas Presságio.

E foi então que, neste janeiro, o leitor desprezado deparou nas livrarias com A Obscena Senhora D, romance anunciador, publicado pela primeira vez em 1982, e Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão, livro de poemas de 1974, os dois apresentados sob a égide organizadora do professor Alcir Pécora, que fez prevalecer, na publicação, critérios próprios de importância literária sobre os cronológicos. E foi neste janeiro que ela igualmente anunciou ter, prontas, sete sofridas páginas de uma prosa poética um tanto simplesmente intitulada 'O Koisa', nascida da sugestão de seu amigo e colaborador, o escritor José Luiz Mora Fuentes, que queria vê-la combater a depressão com a escrita.

Hilda, que prometera ao amigo um texto sem dificuldades, inevitavelmente saiu-se na direção contrária, das circunvoluções viscerais, agora em torno da história e das considerações de um caroço de azeitona que à meia-noite deve entrar na empada. 'Às vezes passam-se dias e ela escreve só uma linha', como Mora Fuentes faz lembrar. Um trecho de O Koisa pode auxiliar o leitor a julgar: 'o grãozinho negro voltou, pôs a mão na cintura rala e interpelou: Tu é aquele de sempre? demorou voltou ficou doente? ó pai, devolveme o coto. Tá mais manso mais humilde tá doente? é aquele da base? o hipotálamo, é? pode ser tudo se quiseres, o hipocampo a hipóstase (confundo tanto) as coisas são assim. (...)'

Na última segunda-feira, Hilda Hilst recebeu a reportagem deste jornal para uma entrevista nas paragens de Campinas, em São Paulo, onde ela habita uma residência de condomínio, a Casa do Sol. É um dia chuvoso e a rua que leva até ela se transforma em lamaçal. Quando a casa se anuncia, vê-se que é menor do que as fotos (em especial aquelas do Cadernos de Literatura Brasileira de 1998) sugerem. Hilda se mudou para lá em 1966 porque, sempre disse, a leitura de El Greco, de Nikos Kazantizakis, a fez perceber a necessidade de afastamento do escritor, se ele quiser mesmo levar a cabo seu fazer.

Um pouco em razão desta atitude de artista - que ela fez sobrepor-se nas quase quatro décadas de rejeição às ricas festas urbanas da juventude -, um repórter poderá supor que será tratado como estorvo na Casa do Sol. Os célebres cães vira-latas que a acompanham (cinco dezenas deles ficam presos em dois canis e uma dezena, em sua constante companhia) não amenizam esta impressão. Também não contribui sua imagem de Obscena, inteligentemente sacada e cultivada, agora reiterada no título do primeiro relançamento. Obscena, velha, eremita com cachorrada, fumante de 40 cigarros diários, beberrona. É com esta imagem construída que o repórter tem de lidar.

À entrada, a casa tem grande porta, que prenuncia o pátio de mosteiro adiante, e à direita, uma janela que transforma em pretume o espaço interior, que se supõe ser a sala. Os cachorros percebem a presença do estranho e latem todos ao mesmo tempo, saídos da casa, pulando na direção de quem chega. Ao entrar naquele espaço que comprova ser a sala, o visitante está aturdido, não com os cachorros, ao fim cordiais, mas com a estranha impossibilidade de enxergar lá dentro o que o espera, mesmo com a recepção tranqüilizadora de Mora Fuentes. O visitante entra e, da irônica escuridão que há nesta Casa do Sol, no fundo da sala, à direita, percebe de repente, ao acaso, Hilda Hilst pequena, os cabelos parcialmente pintados e amarrados, seu sorriso, uma figura de quadro holandês, sentada em uma das cadeiras escuras fincadas entre paredes da cor da terra lá fora, vermelha. Ela acompanha o visitante há algum tempo, e só agora o visitante em desvantagem a vê.

Não poderá ser esta a senhora obscena. Nem a mal-humorada, nem a eremita com cachorrada, nem a distante. Talvez se deva temer sua ironia e suas certezas, mas nem isso é certo. Logo, ela se encarrega de expulsar Silvia, vira-latas preta, do convívio da entrevista. E explica por que gosta de cachorros: 'Tenho pena deles, porque não podem falar.'

E então começa ela mesma - ela em que seria de esperar um certo silêncio por impossibilidade física, até mesmo depois do tombo que levou fazia três dias - a enumerar histórias e impressões. É mestre na rápida percepção da assistência, a quem se dirige educada e prazerosamente, como entertainer experimentada. Sua fala não está tão prejudicada assim. É uma mulher de pensamento vigoroso, enxerga suficientemente bem, ouve tudo, ri muito, não perdoa um único maldito erro cometido pelo repórter, enche-o de provocações... bemhumoradas.

Fala muitíssimo bem, e é de supor que discurso envolvente terá sido aquele que homenageou a futura amiga inseparável Lygia Fagundes Telles na Faculdade de Direito São Francisco, em 1949, quando contava 19 anos (Lygia assegura, em texto ao Cadernos, que conquistou a universitária arrogante com um abraço e um cumprimento: 'Minha futura colega!'). Hilda tem 71 anos agora e proclama, não sem alguma ironia, que se considera livre do fardo da juventude. 'Eu dizia para os homens: vocês não me entendem, eu sou inteligente. Sempre lutei contra a beleza. Agora, não mais, não é?' e dirige-se ao fotógrafo que aguarda o 'instante'.

'... porisso falo falo, para te exorcizar, porisso trabalho com as palavras, também para me exorcizar a mim, quebram-se os duros dos abismos', diz a senhora Hillé a Ehud à página 55 desta edição de Obscena..., naquela prosa que Hilda não hesita em qualificar: é linda. Como em muitos livros da autora, que se envolvem no idêntico novelo da perda, da morte, do desejo e da santidade, ela, ao vivo, repete o espanto, destilado nas entrevistas, com a doença que acometeu o pai: 'Ele era completamente louco.'

Quem hesitará em notar, no título do anunciado novo livro, O Koisa (sendo o Coisa citação recorrente em sua obra), uma impossibilidade de abandonar esse pai, Apolonio de Almeida Prado Hilst, poeta com esquizofrenia que a filha pouco viu, poeta de percepção sofisticada modernista? Koisa é quase Kairós. Nada é novo em Hilda, nada com a necessidade de ser novo, embora tudo nasça de um antigo movimento de novidades. Em Hilda, percebemse, suspensos, um tempo e um lugar.

Mas ela não parece realmente triste com isso. Nem quando chora, sentida, a loucura de Apolonio. Há sempre um riso nela, um riso de criança lambuzada com o leite. Tudo o que parece querer, no fundo, é que se divirtam com ela os amigos, os cachorros, os jornalistas e os futuros compradores dos terrenos em torno da casa herdada da mãe, Bedecilda Vaz Cardoso, que ela põe à venda. Mas por que o público não se diverte com ela?

O próximo livro de Hilda a chegar às livrarias chama-se Bufólicas e é de 1992. São poemas satíricos em torno do poder (ela votou em Fernando Collor de Melo para presidente, em 1990, e se arrependeu). Hilda Hilst tem muita esperança no livro até por isso - porque, em seu entender, diverte, mesmo com aquele gosto sexual adulto temperado pelas ilustrações de Jaguar. 'Gostaria que as crianças lessem. É tão engraçado...' Crianças, Hilda? 'Crianças, não. Meninos.' (Ela ofereceu o texto para uma edição na revista Recreio, que o recusou, para a incompreensão da autora.) Hilda acredita que há uma perspicácia maior nos homens, não se sabe bem por quê. Ela está feliz porque um deles, Zeca Baleiro, se vê encantado com Júbilo, Memória... e promete musicar as dez partes de Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé. De Ariana para Dionísio, colocando-os nas vozes de Maria Bethania, Marisa Monte, Veronica Sabino e Ná Ozzeti (as duas últimas já aceitaram participar). 'E Bufólicas? O Zeca não vai fazer?'

Há, nela, essa inquietação em saber por que não se torna popular, pelo menos com textos satíricos como esse, feito dez anos atrás. Uma das razões talvez resida aí: é Zeca Baleiro quem procura a escritora, não, por exemplo, um músico como Daniel. No intento de difundir a obra de Hilda, o escritor Yuri Vieira Santos criou um site para ela, o www.hildahilst.cjb.net. E Ana Kfouri, professora e diretora, produz um roteiro para teatro que é uma adaptação de Fluxo e trechos de Osmo, Lázaro, O Unicórnio (de Fluxo-Floema), Com meus olhos de cão, Tu não te moves de ti, Qadós, Axelrod, além de poemas de Do Amor. O próprio Mora Fuentes aguarda interessados para a direção, em vídeo ou cinema, de seu roteiro inspirado em Tadeu e Matamoros. Da edição na casa de publicações Globo ao sonhado seriado de tevê na emissora da rede, talvez houvesse um pulo.

Hilda tem um namoro com a imagem em película desde os tempos em que, com dinheiro no bolso, percorreu Hollywood e Paris. Foi na capital francesa que deu o golpe da jornalista de cinema, em 1957, e procurou Marlon Brando no L’Ermitage, um bom hotel para esconder a homossexualidade do mais estimulante ator americano de então. Hilda se lembra de ter dado excelente gorjeta para o concierge, que a deixou entrar.

Ela tocou a campainha do quarto de Brando, que a atendeu de roupão. Havia um ator no quarto com ele (Hilda desconfiou). A Brando, declarou-se jornalista de um periódico intelectual de cinema. Ao que o ator respondeu, numa tradução bem educada: 'Não dou a mínima para seu jornal.' Hilda ficou decepcionada: 'Paguei uma gorjeta tão grande lá na entrada!' Ela namorava na época um tal Cassito, diminutivo de Cássio, 'uma das vigas-mestras do cafajestimo'. Uma amiga lhe consolou dizendo que Cassito era um homem 'bem mais bonito' que Brando.

No cotidiano atual de Hilda, contudo, não tem mais havido espaço para o cinema, o cinema das salas, nem para o grande amor que sentiu pele homens, um deles até hoje casado, João Ricardo, a quem ela não fornece a identificação completa. Dante Casarini, o escultor com quem se casou em 1968 e se divorciou 17 anos depois, era pouco mais que seu administrador. 'Preciso de alguém que cuide da casa para mim.' A rotina de Hilda é hoje bastante precisa, em que pese algum desânimo de doença, que a impede de fazer caminhadas pela região onde mora.

Ainda lê muito - releituras. A Cerimônia de Adeus e A Velhice, de Simone de Beauvoir; A Vida de Shelley, de André Maurois, com tradução de Manuel Bandeira; e Os Grandes Iniciados, de Édouard Schuré. Seu escritório é tomado por volumes na maioria antigos, consultados quase simultaneamente, entre 11h e 15h. Há uma rotina também para o vinho, agora não mais o Porto, mas um licoroso mais leve, depois das leituras e do almoço. E a televisão acontece no fim de tarde e noite, com alguma estranha predileção, como aquela pelo repórter José Luiz Datena no comando de Cidade Alerta, um programa de notícias policiais. 'Adoro quando ele esfrega as mãozinhas uma na outra (imita o gesto) e diz: ‘Isso é um absurdo!'

Esta é a Hilda que se diverte, a Hilda feliz. Existe a Hilda que tem o propósito sério de difundir a vida após a morte, nos trabalhos de autores como Hildegard Schäffer, que colheu imagens de mortos. Em sua teoria, exposta no livro de cabeceira Ponte entre o Aqui e o Além - Teoria e Prática da Transcomunicação, os mortos, que de alguma forma vivem, eternizam-se no além com a imagem do melhor tempo de suas vidas - quando contavam entre 25 e 30 anos de idade. A cientista Marie Curie está lá, muito bonita, possivelmente aos 25. Num documentário que é caro à escritora, Vida Após a Morte, um certo dr. Moody entrevista 'sobreviventes' ao passamento, cerca de cem.

É incerto precisar o interesse de Hilda pelo assunto. Ele está em A Obscena Senhora D, naquela evocação da apetência sexual do marido morto. E em muitos versos, como os de Poemas aos Homens do Nosso Tempo: 'Amada vida, minha morte demora./Dizer que coisa ao homem,/Propor que viagem?/Reis, ministros/E todos vós, políticos,/Que palavra/Além de ouro e treva/Fica em vossos ouvidos?/Além de vossa rapacidade/O que sabeis/Da alma dos homens?/ Ouro, conquista, lucro, logro/E os nossos ossos/E o sangue das gentes/ E a vida dos homens/Entre os vossos dentes.' Hilda considera: 'Eu tenho esse apreço pelos que se matam (mostra o livro Dicionário dos Suicidas Ilustres, de J. Toledo, autor que lhe ofereceu o prefácio). E é estranho que esteja viva.'

Rosane Pavam / Investnews
Gazeta Mercantil

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