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UM SKINHEAD NO DIVÃ

RAPIDINHO:

Sei que esse filme tá passando só em Porto Alegre, mas não resisti. Depois de ter esculhambado a Mimi Leder e seu abominável Impacto Profundo, o mínimo que posso fazer é me ajoelhar frente a Suzanne Osten, esta diretora sueca que fez um filme extraordinário. Poucas vezes o cinema dos anos 90 conseguiu refletir tão profundamente sobre o racismo, em seus componentes políticos e psicológicos. Com simplicidade formal, com economia de recursos financeiros, mas com grande riqueza narrativa, diálogos perfeitos e atuações assombrosas, é um filme universal, feito por uma mulher, com uma coragem que poucos homens possuem. Um skinhead no divã já está disponível nas boas locadoras de vídeo.

AGORA COM MAIS CALMA:

Um encontro casual num trem: de um lado, um psicanalista judeu; do outro, um careca racista. O psicanalista é atraído pela mente visivelmente perturbada do careca. Mas por que o careca concorda em ser analisado pelo "inimigo" judeu? Esta é apenas a primeira pergunta desse filme cheio de interrogações, elipses e reticências. Suzanne Osten foge deliberadamente da crônica da marginalidade das gangues juvenis (retratada com brilhantismo em O Ódio, do francês Mathieu Kassouvitz) e prefere investir no indivíduo, em suas motivações mais sombrias e assustadoras.

Os problemas familiares e sociais do skinhead vão se mostrando aos poucos: ele tem uma mãe super-protetora, um pai ausente e violento, um bando de amigos débeis mentais que gostam de se embebedar e depois bater em imigrantes. Mas são os problemas psicológicos do careca que dominam o filme. Como ele alimenta seu ódio aos "diferentes"? Como ele constrói sua visão de mundo, em que Auschwitz não existe e Hitler é um herói? Como ele sublima seu desejo sexual, reprimido e direcionado à violência e ao desprezo às mulheres? O psicanalista não recua, mesmo quando o careca, subitamente desnudado, o ameaça. E, a partir desse confronto, o filme disseca friamente as contradições de uma sociedade aparentemente "evoluída", ao mesmo tempo que expõe, com calor infernal, as angústias de dois seres humanos tão frágeis quanto complexos.

Embora os diálogos sejam fundamentais e, mais do contar, "sejam" a história (um pouco à maneira de Bergman), Um skinhead no divã também é uma aula de imagens e símbolos. Destaco duas cenas. Na primeira, vemos espectadores de um show de rock hard-core, deitados sobre a multidão, sustentados e movidos por centenas de mãos, ao mesmo tempo solitários e entregues plenamente à coletividade sem rosto; logo a seguir, vemos o skinhead, em estúdio, com o peito nu, imóvel, igualmente sustentado por mãos anônimas. Na segunda, o careca mostra ao psicanalista como sua turma neo-nazista se cumprimenta, pulando e chocando os peitos, num gesto que à muito escapou do universo das gangues fascistas e pode ser visto freqüentemente em jogos de basquete e futebol americano. O psicanalista pula, bate seu peito no peito do careca e experimenta a sensação. Experimenta com seu corpo, e não através da leitura de um tratado sobre semiologia dos gestos.

O primeiro passo para interferir na realidade é compreendê-la. E por isso o psicanalista não teme o confronto. Pelo contrário: faz questão de penetrar na simbologia neo-nazista do careca, absorvê-la e depois jogá-la de volta, dando chance a que o careca se veja por inteiro. O que é o contrário do que os governantes fazem, ao reprimirem cegamente as gangues fascistas e tratá-las como algo infantil, sem razão e sem explicações na sociedade. Um skinhead no divã, além de ser uma aula de cinema, é uma aula de política. E Suzanne Osten. Além de mulher, é cineasta de primeira.

Um skinhead no divã - Tala! Det är så mörkt, Suécia, 1993. De Suzanne Osten. Com Etienne Glaser, Simon Norrthon, Anna-Yrsa Falenius e outros.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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