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PERDIDOS NO ESPAÇO
(Cenários de papelão, diversão de montão)

RAPIDINHO:

Perdidos no Espaço é uma paródia séria de uma paródia boba, e esta é a sua grande virtude narrativa. O filme dialoga com as lembranças da série clássica da TV (produzida por Irwin Allen na década de 60) e é cheio de sutis reverências e referências bem-humoradas. O resultado tem realismo suficiente para nos manter acreditando nas bobagens que estão na tela e, ao mesmo tempo, permitir uma segunda leitura, mais irônica que emocionada. Ao contrário dos filmes extraídos de Jornada nas estrelas, Perdidos no Espaço não se propõe a contar uma história de ficção-científica, e sim a extrair de alguns de seus paradigmas uma narrativa de ritmo alucinante, tão descerebrada quanto divertida.

AGORA COM MAIS CALMA:

A ficção-científica é um gênero literário rico e diversificado. Cresci lendo FC e devorando os clássicos de Isaac Asimov, Arthur C. Clark e Robert Heinlein (passando antes por Júlio Verne). Depois fui descobrindo que há muitos outros, igualmente bons, como Ray Bradbury, Robert Silverberg, Philip K. Dick, Stanislaw Lem, Harry Harrison, Úrsula K. Le Guin e esta lista poderia ter mais uns vinte nomes de primeira.

Por conhecer FC e gostar de cinema, filmes de FC sempre me atraíram muito. E, quase sempre, me decepcionaram amargamente, por dois motivos fundamentais: pela pobreza temática e pela indigência narrativa (ou seja, por quase tudo). Entre os grandes filmes da história do cinema, quantos são de FC? Há algumas quase unanimidades: Metrópolis (de Fritz Lang), 2001-Uma odisséia no espaço (de Stanley Kubrick, com roteiro de Arthur C. Clark), Solaris (de Andrei Tarkowski, baseado no livro de Stanislaw Lem), Blade Runner (de Ridley Scott, baseado em romance de Philip K. Dick) e Fahrenheit 451 (de François Truffaut, baseado na novela de Ray Bradbury).

Mas a FC no cinema, quase sempre, é de uma pobreza atroz. Ou porque, na verdade, não é FC ("Guerra nas estrelas" é um bang-bang), ou porque não consegue, por incompetência ou falta de dinheiro, sustentar por mais de um minuto a suspensão de inverossimilhança que o espectador, sempre de boa vontade, concede no início de qualquer filme especulativo ou de fantasia.

O cinema parece estar muito mais interessado nos efeitos especiais capazes de maravilhar aos espectadores do que em contar verdadeiras histórias de FC. Desse modo, a prospecção futurista, a reflexão sobre o impacto da tecnologia na sociedade, a fantasia delirante, a análise psicológica do homem dos próximos séculos, tudo isso fica irremediavelmente perdido entre monstros gosmentos, batalhas com centenas de naves, princesas chatas, diálogos de última e imagens tão caras quanto insípidas. Resumindo: a FC nas telas, apesar de sua longa trajetória e sua aparente vocação imagética, está muitos pontos abaixo de suas potencialidades literárias.

Perdidos no Espaço é um filme de FC que abdica de qualquer pretensão para apostar tudo na diversão. Na verdade, chamá-lo de ficção-científica é quase uma impropriedade. Com boa vontade, Perdidos no Espaço é um filme que utiliza alguns elementos de FC numa narrativa juvenil e descerebrada. Do mesmo modo que Soldados do espaço (de Paul Verhoeven, baseado em Robert Heinlein), deixa muito clara sua despretensão. Por isso, quem assistir a Perdidos no Espaço buscando qualquer coisa além de ação e humor vai ficar decepcionado.

Stephen Hopkins, o diretor, fã incondicional da série de TV, fez o filme que os milhões de outros fãs gostariam de ver, mantendo o clima "fake" e apostando na brincadeira. O resultado depende diretamente do grau de envolvimento do espectador com a velha família Robinson. Se você adorava ver o doutor Smith enganando o pequeno e altruísta Will, se reverenciava os cenários de espuma e papelão, se gritava "Perigo, perigo!" junto com o robô, Perdidos no Espaço é uma boa pedida.

Talvez um dia o cinema use a FC com a inteligência necessária para gerar, entre a enxurrada de bobagens siderais e desastres planetários, obras capazes de realmente antecipar o nosso futuro. Enquanto esperamos, o jeito é relaxar com esse Perdidos no Espaço neo-barroco e lamentar que Gary Oldman não tenha desmunhecado o suficiente para ser o doutor Smith que habitará para sempre nossas memórias adolescentes.

Perdidos no Espaço - O Filme, EUA, 1998, 130min. De Stephen Hopkins. Com William Hurt, Gary Oldman, Matt Le Blanc, Heather Graham e outros.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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