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CARTAS DO REICHENBOMBER - Opus 28
(curta e grossa)

para Ivan Lins e Nélson Ayres, pela mais bela trilha sonora de filme brasileiro lançado em 1999

- Duas ou Três Coisas Sobre O Oscar Tupiniquim -


1. Quando saiu a lista inicial (as cinco categorias principais) do Grande Prêmio Cinema Brasil, eu jurei a mim mesmo ficar fora da peleja. Como levar à sério a indicação de obras e profissionais cinematográficos feita por uma comissão constituída em sua maioria por burocratas da Federação e três ou quatro executivos das majors americanas? O perfil das indicações a melhor ator, já dizia tudo: ao invés de apontarem a excelência de Luís Carlos Vasconcelos em O PRIMEIRO DIA, privilegiou-se o a cacoetagem, o mau naturalismo e o descontrole, simbolizado pela indicação do ótimo, mas equivocado, ator coadjuvante que, pasmem, acabou ganhando!

Everaldo Pontes, o magnífico São Jerônimo de Bressane, e mesmo (e porque não ?), o econômico Carlos Alberto Riccelli de DOIS CÓRREGOS, foram preteridos. Paulo Betti (Mauá) e Luís Mello (Por Trás Do Pano), poderiam tranqüilamente completar uma relação de cinco indicações irrepreensíveis.

Já havia decidido ficar mais alguns dias na França e voltar um dia após o evento; assim ninguém me convenceria à pagar o mico de fazer figuração na tal festa chapa-branca e de cartas marcadas. Aí convidaram amigos pessoais para organizarem o espetáculo, e eles, por sua vez, convocaram o Ivan Lins e o maestro Nélson Ayres para uma apresentação ao vivo e em cores. E foi a tal história: "Se você não for, eu não vou ...". Eu fui, paguei o mico, engoli o sapo de ver o Ivan voltar de mãos abanando, mas sou obrigado a admitir que foi uma bela e oportuna, embora um pouco caótica, solenidade, cujo maior mérito foi o de levantar o astral do sempre vilipendiado cinema nativo.

2. A festa teve momentos realmente emocionantes, como as homenagens para Joaquim Pedro de Andrade e Zezé Motta. Mas o que não deu para entender foi a tal babação de ovo em cima dos borderôs de um filme medíocre chamado XUXA REQUEBRA. É claro que por trás de tudo esteve a subserviência renitente de certa cúpula do cinema brasileiro à mega-empresa da comunicação. A grande eminência parda da festa do Oscar tupinambá foi indiscutivelmente a TV Globo. Uma vergonhosa contradição, já que a única e real parceira do cinema brasileiro tem sido a TV Cultura de São Paulo, sócia de quase metade dos filmes lançados em 99.

Um amigo, pupilo declarado do falecido teórico da conspiração Jim Keith, havia cantado a bola dias antes. O fato da Globo estar se metendo cada vez mais na produção de filmes é a única justificativa aos ataques desenfreados da sua maior concorrente, a Editora Abril, ao cinema brasileiro e sua dependência estatal. É isso aí: o fino telhado de vidro do cachorro esquálido chamado Cinema Brasil tem sido o nervo inflamado de uma guerra de titãs e cujo alvo principal está muito além dos mirrados incentivos ficais destinados à cultura, leia-se: tv à cabo, banda B, semanários e todas concorrências que envolvem furiosamente muita grana e poder.

3. No âmbito das querelas intestinas, é preciso ressaltar a ausência na festa da maior personalidade feminina do cinema brasileiro, Norma Benguell, transformada da noite para o dia, pela própria instituição federal, num dos bodes expiatórios das perversões da Lei do Audiovisual. Nesta história toda, construída com requintes de insânia e crueldade, o único erro da grande estrela foi ter aceitado as propostas escrunchantes de intermediários e investidores. Para quem não sabe, trata-se da malfadada recompra de certificados: "Eu te dou mil, você me repassa quinhentos por baixo da mesa, e se vira com o fisco."

Em resumo, o maior pecado de La Benguell foi ter concluído seu filme, O GUARANI,no desespero e ao preço aviltante do mais escândaloso tipo de agiotagem. Ouvi um respeitado colega afirmar que o silêncio de Norma sobre o assunto, tão cobrado pela mídia, tem a ver com ameaças e risco de vida. Mesmo não sendo adepto de Keith, chego a acreditar em tal afirmativa, pois tudo envolve muito dinheiro, poder e escândalo financeiro. Como aquele que realiza é sempre o mais fraco, a grande guerreira do cinema nacional se viu transfigurada em espantalho no meio do fogo cruzado dos mega-impérios da comunicação brasileira e no descaso cultural e humano dos proxenetas da captação.

A bela festa da indústria audiovisual (indústria ?) teria sido mais nobre se Norma estivesse presente. Eu estaria lá, absolutamente sóbrio e careta em meio ao foguetório e vendaval de vaidades circunstanciais, para aplaudir de pé esta fortaleza humana, cujo empenho e dedicação a tão propalada ressurreição do filme nacional, ninguém tem o direito de colocar em questão.

CARLOS REICHENBACH

P.S. - Na próxima semana falo de Roterdã 2.000 e da obra prima de Peter Del Monte, com interpretações antológicas de Michel Piccoli e Ásia Argento, COMPANHEIRA DE VIAGEM, recém lançado em Paris.


Carlos Reichenbach, 54, é cineasta, roteirista, diretor de fotografia e crítico, além de rebelde renitente e utopista assumido nas horas vagas. Suas principais vítimas e afetos serão revelados nesta coluna. Atrás das câmeras desde 1966, Reichenbach está lançando seu 12º longa, Dois Córregos.

Comentários, desgostos, bombas e coquetéis podem ser enviados para: reichenbach@zaz.com.br

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