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Filme: Eu, Tu, Eles





De: Marcos Feitoza
Caro Gerbase, estou ansioso para ver o seu filme, Tolerância, mas como João Pessoa é quase o fim do mundo, apesar de ser um fim de mundo razoavelmente bonito, acho que terei de esperar o lançamento em vídeo. Sobre a sua crítica ao filme Eu, Tu, Eles (também assisti a Gêmeas)tenho a dizer que me parece que vc foi exigente demais, no sentido de pedir do filme mais que ele pretendia dar. Eu o encarei como uma história bem contada, tudo bem, não há nada de revolucionário ou ousado na proposta do filme, mas porquê deveria ter? Eu ficaria certamente irritado se assistisse a um filme onde percebesse uma pretensão de inovação que não se concretizasse. Não vejo essa pretensão e por isso o filme me agradou. Certamente que esse tipo de filme contribui muito pouco para qualquer tipo de mundança ou percepção do mundo, é o famoso circo. Mas e se eu queria apenas circo naquela tarde? Gostaria de ver sua crítica sobre Corpo fechado (outro mero passatempo).

De: Gerbase
É verdade. Posso ter sido exigente demais, mas você deve lembrar que minhas restrições estão mais "fora" do que "dentro" do filme. Eu, tu, eles, enquanto história bem contada, é perfeito. Eu sempre digo que não se deve esperar de um filme mais do que ele está disposto a oferecer e, no caso específico, não consegui descolar Eu, tu, eles da estética do cinema novo, Vidas secas, etc., porque a própria imagem do filme me cobrava esse parentesco. Quanto a João Pessoa ser um lugar "razoavelmente bonito", discordo totalmente. Estive por aí, há alguns anos, e sei que é um dos lugares mais bonitos do Brasil. E viva o fim de mundo!

De: José Ricardo Pinto
Engraçado... sabe aquele sorriso amarelo que a gente faz quando te perguntam sobre algo que você não sabe muito bem o que dizer? Pois é esta mesma impressão que tive ao ver Eu, Tu, Eles. É um filme bem feito, ótimos atores, enquadramentos legais, mas não há ousadia e o que poderia ser um furioso retrato extra conjugal num ambiente insólito transforma-se numa produção (sem querer... mas sendo) muito caprichada, preocupada demais com a eficiência e, como você colocou, o mito da pobreza feliz.

O padrão Globo de qualidade está estampado em cada fotograma, e Andrucha certamente teve que deixar de lado sua marca autoral para que o filme tivesse uma carreira bastante comercial. É lógico que sempre temos uma certa condescendência por ser um produto nacional. (...) Também me incomoda um pouco saber que mais uma vez o Brasil será representado lá fora por um filme que mostra muita pobreza, miséria, porco, cabra e gente feia.

Sei que o filme não é sobre isso, mas, para o americano que vê estas imagens, assim o é. E mais uma vez os americanos lançarão aquele olhar contemporizador como estivessem dizendo: "My God... esta gente pobre e miserável do 3º mundo está fazendo cada filme muito bonitinho". Sei que vai chover cartas achacando teu ótimo comentário, mas, já que o espaço é para isso mesmo, que venham as críticas!

De: Gerbase
Desculpa ter editado tua carta, retirando as observações feitas sobre Tolerância. É que fico numa posição meio constrangedora, porque estamos falando de outro filme. De qualquer maneira, obrigado. E vamos pra briga. Acho que temos mais ou menos a mesma "impressão geral" sobre o filme e as suas qualidades, mas discordo quanto às fragilidades. O fato de trabalhar com personagens pobres e miseráveis e mostrar as mazelas de nosso País não me incomoda, até porque não se trata de um "filme-denúncia". É um filme dramático, que poderia, inclusive, ser traduzido para outras regiões do Brasil e para outras classes sociais. O que se quer de um filme é qualidade narrativa (seja qual for o tipo de narrativa), emoção, reflexão, preocupação com o mundo e com o ser humano, o que pode ser obtido com personagens de todos os tipos. Eu, tu, eles têm algumas dessas qualidades, o que já é motivo de sobra para que torçamos por ele no Oscar. E os achacadores não apareceram. Devem estar na praia, de férias, porque achacador também é gente.

De: Luis Henrique Cunha
Em primeiro lugar quero reclamar que seu filme ainda não chegou à Belém. Mas, certamente, esta não é uma culpa sua. Quanto a Eu, tu, eles, concordo que é um fime "legal", bem escrito, bem conduzido e bem interpretado. E, importante, que consegue envolver quem o assiste. E esse, a meu ver, é uma qualidade que falta a Gêmeas, que me parece muito mais "global" (para usar um lugar comum) do que Eu, tu, eles. Não consigo ver as qualidades que você tanto aponta em Gêmeas, um filme que não "pega". Para não falar na infeliz escolha de Evandro Mesquita para o namorado disputado pelas gêmeas.

De todo modo, uma questão que você tem ressaltado em algumas de suas últimas colunas, os motivos pessoais que nos levam a gostar de uns e não de outros filmes, deve explicar seu encanto com Gêmeas. E meu desencanto. Quanto ao Oscar, eu preferiria O Auto da Compadecida, que me parece melhor filme, mesmo que com menores chances na Academia.

De: Gerbase
Gosto mais de Gêmeas – e esta pode ser, sim, uma razão pessoal – porque ele aponta caminhos mais frescos para o cinema brasileiro (enredos urbanos, discutindo questões contemporâneas). E acho que Gêmeas é menos "global" que Eu, tu, eles, tanto na fotografia como na maneira de contar a história. Gosto de Evandro Mesquita nesse filme. Para mim, está muito convincente. Contudo, acompanho você na preferência por O Auto da Compadecida.

De: Edervox
Para mim, este filme se parece mais com um especial de TV tipo Terça Nobre do que com cinema. Não sei explicar essa minha expressão, só sei que achei Eu, Tu, Eles um filme pequeno, sem grande importância. É bom, sem dúvida, mas seria mais esquecível do que o cachorro quente da esquina se não fosse seu belo visual muito bem fotografado e sua ótima atriz. Tem um roteirinho bem pensado, uma competente direção e outras boas qualidades, mas não é, para mim, um belo filme. Se não ganhou-se o Oscar com o Central do Brasil, muito menos ganha-se com Eu, Tu, Eles. Eu, pelo menos, não estarei torcendo tão fervorosamente como torci para que o Central ganhasse.

De: Gerbase
Tenho uma certa dificuldade de trabalhar com essa categoria de "parece TV". Parece que a TV só faz porcaria. Eu já vi uma quantidade enorme de porcarias audiovisuais, tanto no cinema quanto na TV. A porcaria é democrática: está presente em todos os veículos e em todas as formas de expressão. Eu, tu, eles é um filme narrativo tradicional e tem o direito de sê-lo, apesar da TV fazer isso muito bem (ou muito mal, depende) há mais de 30 anos no Brasil. Eu gosto de TV e de cinema quando são bem feitos, quando me dizem coisas. Por isso, defendo sempre que haja um diálogo entre esses dois universos. No entanto, compreendo onde você quer chegar: já que se trata de um filme, e se gastou um dinheiro e um esforço enorme nisso, você esperava mais do que costuma ver na TV. Tudo bem. E te asseguro que o Andrucha tentou cumprir essa expectativa. Mais do que isso: conseguiu, pelo menos para muita gente. Basta ver a bilheteria do filme.

De: Cristiano W. Leal
Antes tarde do que nunca! Pois é, morar no interior tem dessas desvantagens, ver um filme após já haver sido dissecado (Sade diria Degustado) por uma grande maioria de espectadores. Mas não posso me privar te tecer alguns comentários sobre essa belíssima obra cinematográfica. O filme entra-nos pelos poros, cutuca-nos nas entranhas, dispara-nos batimentos cardíacos e por fim, mas não menos importante, deixa-nos inquietos na poltrona, quase angustiados. Mas por que?! Seria por vermos uma obra tão bem pintada, contagiante em suas sombras e dúvidas, enriquecida belissimamente por interpretações primorosas... ou seria pelo tal "maluco" Sade? Mas por que maluco?! Temos de manter a serenidade de observarmos que isto passou-se em uma época regida por outros pensamentos, rígidos e excludentes, dignos de sanatório.

Tenho certeza de que você, Gerbase, já estaria inquieto, e "louco" para me perguntar se isso não se passa hipocritamente em nosso atual sociedade... se os "Sades" da vida, hoje não são taxados de malucos também? Eu diria que não: ao menos existe uma certa flexibilidade em que pessoas que se diferenciam dramaticamente do "usual" de nossa comportada (?!) sociedade não são exatamente execrados; mas até mesmo respeitados, com um certo respaldo, é claro, diria que são vistos com uma certa desconfiança, mas com o respeito devido que deve-se a todo e qualquer cidadão que tem total direito de discordar, de inovar. São bem vindos, por isso mesmo, pois tem o potencial de enriquecer, de modificar. Mas como são defensores da diferença, são inexoravelmente "deslocados", até que comprovem suas teses.

Mas acredito, definitivamente, que vivemos em uma época além de todas as extravagâncias sociais do período retratado. Considerarmos que nada mudou, já seria teimosia. Confesso que não sou concordante de um todo do pensamento de Sade, mas de sua grande maioria sim. Acho porém que ele, em sua totalidade, faria o id de Freud enrubescer. Um exagero. Mas no cômputo geral, temos esse filme brilhante e contagiante, que serve-nos não necessariamente para sairmos por aí exorcizando Satanás, mas para questionarmos sobre a nossa comodidade e nossa insistente inércia.

De: Gerbase
Serei breve, porque já falamos bastante sobre o nosso amigo Sade. Mas não posso deixar de responder à sua interessante colocação de que vivemos numa era mais "flexível" quanto aos seres humanos que não se inscrevem plenamente na normalidade. Haveria, inclusive, um clima geral de maior licenciosidade. Creio que esta é uma afirmação enganosa, ou, pelo menos, muito discutível. Não quero aqui dar uma de sociólogo amador, mas lembro os estudos de Foucualt em "A história da sexualidade". Basicamente (e simplificadamente), Foucault mostra que essa suposta liberalização dos últimos séculos se deu muito mais nos discursos que na prática. O que acontece é que se fala de sexo com uma intimidade muito maior, e que esses discursos são estimulados por vários mecanismos, mas isso não significa que, na concretude dos corpos, isso realmente se verifica. E mais: esses discursos não são "sobre" o sexo. Eles "são" o sexo, esse conceito que reúne dezenas de idéias e práticas muito diversas entre si. Quanto mais falamos de sexo, mais o criamos, mais o normatizamos, mais o transformamos em algo controlável. E paro por aqui: o livro (três volumes, Editora Graal, está nas livrarias). A era da flexibilidade do sexo é, quase sempre, a era da flexibilidade dos discursos sobre o sexo, que o moldam de acordo com interesses políticos e econômicos.

De: Stefano Ragonezi
Gostaria que você, amigo, me esclarecesse um pouco o filme Magnólia, que foi feito pelo mestre Anderson. Aquela chuva de sapos que acontece no final muito me intrigou. Por favor emita um parecer sobre a real intenção do respeitado autor e perdoe a ignorância deste que vos escreve. Acrescento ainda que respeito as críticas cinematográficas, mas defendo a idéia de que todos os filmes que nos arrancam emoções (se estas nos ajudam a refletir sobre o nosso comportamento) merecem reconhecimento. Os detalhes de produção, roteiro, montagem enfim, tudo considerado acessório da idéia central, deve ser considerado nas devidas proporções mas não pode ser objeto de desqualificação artística da obra em si.

De: Gerbase
E continua a chuva de sapos! É uma das cenas-chave do cinema contemporâneo, ou pelo menos parece ser, já que há dezenas de cinéfilos querendo "compreendê-la". A explicação é simples: nem sempre o cinema, ou uma cena em particular de um filme, devem ser "compreendidos" racionalmente. Sugiro ao Stefano uma revisão rápida na obra de Buñuel (e alguma coisa do Lynch, sugiro Estrada perdida). Relaxa essa postura científica, disciplinar, analista, e deixa a emoção te dominar. Curte a vida, curte a queda dos sapos, curte o cinema que se recusa a parecer normal. Em doses exageradas, eu reconheço, cansa. Mas, de vez em quando, é uma atitude muito saudável. E até mais.

Eu, Tu, Eles
(EUA, 2000). De Philip Kaufman


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e "Fausto"). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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