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Caixa de O Poderoso Chefão revela história oculta de Coppola

Sexta, 16 de novembro de 2001, 10h52

Um filme de máfia passado na Kansas City dos anos 70, com Robert Redford ou Ryan O’Neal no papel principal, sem as presenças de Al Pacino e Marlon Brando e sem a música de Nino Rota. Assim era para ser a adaptação cinematográfica do romance 'The Godfather', de Mario Puzo, como imaginada pela Paramount. Mas o estúdio teve ao menos uma boa idéia: contratar um promissor cineasta independente, Francis Ford Coppola, então com pouco mais de 30 anos, para dirigir o filme. Ao longo da pré-produção, a decisão revelou-se uma dor de cabeça: Coppola insistiu na fidelidade ao livro original, ambientado na Nova York dos anos 40, recusou-se a incluir mais cenas de violência e teve de brigar pelas participações de Pacino, Brando e Rota. A Paramount pensou em demitir o cineasta várias vezes ao longo das filmagens. Mas, no final, Coppola provou que estava certo em suas escolhas: O Poderoso Chefão ganhou o Oscar de 1972, foi um sucesso de bilheteria, lançou ou reanimou a carreira de seus principais atores, deu sobrevida a todo um gênero cinematográfico e originou duas belas seqüências em 1974 e 1990, a primeira igualmente bem-sucedida e a segunda nem tanto.

A história oculta de O Poderoso Chefão é a estrela da recém-lançada caixa de O Poderoso Chefão em DVD, dividida em cinco discos e com um total de mais de dez horas de orgia cinematográfica. A caixa inclui os três filmes da série, com comentários em áudio de Coppola, e três horas de material extra, incluindo um documentário sobre a trilogia e 34 cenas não incluídas nas versões originais. Na propaganda americana do produto, a Paramount promete que a caixa é a justificativa final da existência do DVD. Pode ser verdade, mas ela também é atestado categórico da ignorância dos grandes estúdios.

Em uma entrevista ao programa de TV 'Inside Actors Studio', exibida alguns meses atrás, Coppola disse que seu grande desejo como cineasta era realizar outros filmes pequenos e pessoais como A Conversação (1974). A frase soou estranhamente humilde na boca de um cineasta responsável por projetos megalomaníacos como Apocalypse Now e 'O Fundo do Coração'. Mas ela demonstra também sua decepção com o trabalho dentro dos grandes estúdios, iniciada a partir da experiência com O Poderoso Chefão.

Obras pessoais

Por outro lado, como revela a caixa da série, um dos grandes talentos de Coppola sempre foi transformar projetos alheios em obras extremamente pessoais. No caso de Poderoso Chefão, isso se deu de duas formas: alimentando o roteiro com lembranças de sua infância em um ambiente ítalo-americano e convocando membros de sua família para participar do filme. Seu pai Carmine compôs parte da trilha nos três episódios; sua irmã Talia Shire assumiu o importante papel de Connie em toda a série; e sua filha Sofia atuou em O Poderoso Chefão III — em uma decisão polêmica à época, que o diretor defende nos comentários em áudio no DVD.

A trilogia O Poderoso Chefão costuma ser descrita como a melhor interpretação cinematográfica do sonho americano, pontuada por comentários incisivos sobre família, religião e violência. Para Coppola, “O Poderoso Chefão é o maior filme caseiro da história”, como ele afirma no documentário The Godfather Family: A Look Inside, incluído na caixa de DVD. A afirmação revela outro grande segredo do cineasta: encarar o cinema como atividade gregária, como uma maneira de congregar as pessoas para um objetivo comum, talvez uma herança italiana. É curioso ver no documentário como muitas reuniões do elenco e equipe se deram durante o almoço ou jantar em uma grande mesa comunitária. Para Coppola, o cinema é uma espécie de extensão da cozinha, em que as pessoas se reúnem em torno da câmera, em vez da comida.

Alguns atores da série, como James Caan e Robert Duvall, já haviam trabalhado com ele antes. Outros, como Brando e Pacino, voltariam a trabalhar depois. O mesmo se deu com o fotógrafo Gordon Willis, o editor de som Walter Murch e o roteirista Mario Puzo. A julgar pelo documentário, todos eles emprestaram o melhor de seus talentos para contribuir com a visão pessoal de Coppola. Em troca, o cineasta defendeu cada um deles como um membro de sua família.

Brando e Coppola

O caso mais famoso foi o de Brando, conhecido por tumultuar os sets de filmagem. Ao ouvir a sugestão do nome do ator, o então presidente da Paramount disse: “Eu garanto que Brando nunca participará desse filme.” Coppola caiu de joelhos e pediu uma chance. Literalmente. O executivo aceitou depois de impor três condições: Brando teria de ser aprovado depois de um teste, não receberia um cent pelo filme e, se houvesse qualquer atraso por culpa dele, teria de pagar pelo prejuízo. Coppola não contou as condições a Brando e apenas sugeriu um teste para a maquiagem. No hilariante teste, também incluído no documentário, Brando disse que via o personagem de don Vito Corleone como um buldogue e começou a enfiar lenços de papel em sua boca para reproduzir a aparência do animal. Ao ver um Brando quase irreconhecível no teste, o presidente da Paramount concordou com seu nome.

Outro caso difícil foi o de Al Pacino, então um respeitado ator da Broadway, mas pouco conhecido fora do círculo teatral. Os executivos queriam Robert Redford ou Ryan O’Neal para o papel de Michael Corleone, mas se contentariam também com Martin Sheen ou James Caan. Coppola bateu o pé e começou a filmar com Pacino. Mas, ainda durante as filmagens, havia boatos de que o estúdio poderia substituí-lo a qualquer momento. Eles só se convenceram depois de ver o copião da cena em que Michael Corleone tem seu batismo no crime ao assassinar um mafioso e um policial, considerada até hoje um dos grandes momentos de atuação no cinema. “Foi a tenacidade de Coppola que garantiu minha participação”, diz Pacino no documentário. “O único prazer de ter participado do primeiro ‘Chefão’ é olhar para trás e ver que eu sobrevivi.'

Até Coppola teve seu cargo ameaçado ao longo das filmagens. O estúdio queria incluir mais cenas de violência, mas o cineasta se recusava a filmá-las, sob o risco de ser demitido. “A minha história com O Poderoso Chefão é uma história de alguém sempre em perigo. Era um estado de ansiedade incessante”, conta. Ao ouvir o rumor de que ele seria demitido, o cineasta tentou ganhar tempo e confundir a Paramount promovendo a demissão de membros da equipe ligados ao estúdio, incluindo um assistente de direção. A atitude funcionou, e Coppola concluiu o filme. A maior prova da ruptura entre o estúdio e o cineasta foi o discurso de agradecimento ao Oscar de melhor filme feito pelo produtor Albert Ruddy, incluído no DVD em uma das muitas atrações especiais da caixa. Ruddy elogia vários executivos da Paramount, mas não cita o nome de Coppola nem uma vez.

Martin Scorsese

Apesar da indelicadeza, o estúdio sabia que Coppola havia sido o grande responsável pelo sucesso do primeiro 'Chefão' e o convocou para dirigir o segundo. Traumatizado com a experiência, ele disse que aceitaria produzir o filme, mas preferia passar a direção para seu amigo Martin Scorsese. O estúdio vetou Scorsese, mas ofereceu mais liberdade a Coppola. O cineasta respondeu com um roteiro arrojado, com narrativas paralelas do passado de Vito Corleone (Robert De Niro) e do presente de seu filho Michael (de novo Pacino).

Novamente, Coppola teve de lidar com problemas de produção como o abandono do projeto por Brando por questões contratuais e a péssima recepção do público na pré-estréia. O diretor teve de voltar à mesa de edição às pressas com o montador Walter Murch, para reduzir o número de transições entre o passado e presente. No documentário, Murch lembra: “Coppola chegou a comentar que o filme poderia ter sido grande se tivéssemos mais duas semanas de edição.” Desta vez, Coppola estava enganado: O Poderoso Chefão II foi uma das poucas seqüências da história do cinema mais consagradas que o original. Ele ganhou mais Oscars e fez mais público que o primeiro. E, mais que tudo, elevou os Corleone ao panteão da mitologia cinematográfica, ao lado de Kane, O’Hara e poucos outros nomes.

Para o estúdio, o passo mais natural seria a realização imediata de um terceiro filme da série. Mas Coppola acreditava que a saga da família Corleone tinha acabado ali. E sua opinião valia ouro na época: afinal, ele havia conquistado o Oscar de direção pelo segundo Chefão e a Palma de Ouro no festival de Cannes por A Conversação no mesmo ano. Foram necessários 15 anos de espera, o desastre de O Fundo do Coração (1982) e a quase falência de sua companhia, a Zoetrope, para Coppola considerar a idéia. Mais uma vez, ele enfrentou grandes problemas de produção, incluindo a ausência de Robert Duvall, que não aceitou o salário oferecido, e a desistência de última hora de Winona Ryder, substituída por sua filha Sofia — uma decisão muito criticada à época.

34 cenas

Coppola e Puzo sabiam da expectativa do público e das inevitáveis comparações com os dois primeiros episódios. Eles tentaram batizar o projeto de A Morte de Michael Corleone, mas a Paramount insistiu em O Poderoso Chefão III. Os temores de Francis Ford Coppola não eram infundados. Apesar de conquistar sete indicações ao Oscar, o filme não foi recebido com muito entusiasmo nem pela crítica, nem pelo público. Um dos prazeres da caixa de DVD é reavaliar o terceiro 'Chefão'. Sem ser uma obra-prima como os dois primeiros, ele é um desfecho mais do que digno para a série, incluindo aí a atuação natural de Sofia Coppola, mas descontando o clímax grandiosamente banal do assassinato na ópera.

Além dos bastidores das produções e dos filmes em si — eles foram restaurados eletronicamente e estão com ótima qualidade de som e imagem —, a grande atração do DVD são 34 cenas não incluídas nos originais e apresentadas de maneira cronológica. Os aficionados pela série vão reconhecer a maioria delas, porque já foram incluídas em versões para TV ou vídeo, mas nunca foram reunidas antes em um mesmo produto. É possível imaginar o sofrimento de Coppola ao ter de descartar cenas belíssimas para não alongar demais os filmes. A única cena verdadeiramente inédita é uma abertura alternativa ao Poderoso Chefão III, usando o mesmo recurso de 'pullback' da abertura do primeiro 'Chefão', em que a câmera se afasta lentamente de um personagem para mostrar o ambiente em que ele se encontra. No primeiro, era um imigrante italiano pedindo a Vito (Brando) para dar uma lição no molestador de sua filha. No terceiro, era um arcebispo pedindo milhões de dólares a Michael (Pacino). Mas Coppola achou que não era interessante começar o terceiro filme falando em dinheiro.

Além das cenas editadas, o material extra da caixa tem várias pérolas: “O Caderno de Coppola”, em que o cineasta mostra seu método de anotar observações ao lado do roteiro (e revela que muitas vezes se perguntava: “Como Hitchcock resolveria isso?”); As Locações do Chefão, uma visita aos sets do filme no Lower East Side de Nova York com o cenógrafo Dean Tavoularis; A Música do Chefão, com uma maravilhosa fita de áudio de Coppola e Nino Rota conversando sobre a trilha do primeiro episódio e cenas do pai do diretor, Carmine, gravando a trilha do terceiro; Puzo e Coppola, Sobre o Roteiro, incluindo entrevistas com os dois roteiristas sobre o seu processo de criação conjunto; Gordon Willis, Sobre Cinematografia, em que o grande fotógrafo analisa seu trabalho na série, entre outras atrações.

É fundamental assistir aos três filmes pelo menos uma vez ouvindo os comentários em áudio de Francis Ford Coppola. O cineasta é um dos grandes contadores de história do cinema também fora das telas, com um estilo italiano que mistura bufonaria e melodrama. Ao ouvi-lo por quase dez horas, tem-se a impressão de que ele é um dos personagens principais do filme. Ou que ele transformou a história dos Corleone na sua própria. Talvez a chave esteja em um comentário de Pacino no DVD: "Há mais de Michael Corleone em Coppola do que em mim."

InvestNews
Gazeta Mercantil

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