Há 20 anos morria um dos maiores gênios da cinematografia nacional. Com apenas 43 anos, Glauber Rocha deixava órfã uma nação que criara com imagens transgressivas e saborosas, que ajudaram a traçar a personalidade antiestrela do diretor. Imortalizado pela frase “Uma idéia na Cabeça e Uma Câmera na Mão”, o diretor foi o criador de uma nova linguagem cinematográfica que implicava não apenas numa estética, mas num método de filmagem e numa forma de vida. Sua genialidade o tornou líder do Cinema Novo, e conquistando o mundo cinematográfico de sua geração, chegou a ser votado como o melhor diretor no Festival de Cannes, em 1969.
Logo no início de sua carreira, ao falar de um de seus primeiros filmes, ele já entregava a profissão de fé que iria trilhar toda sua vida: "Não tenho nenhuma mensagem para o mundo com minha obra. Para mim, a câmera é um brinquedo".
Nascido em Vitória da Conquista, em 14 de março de 1938, foi jornalista e crítico. Dirigiu curtas O Pátio (1956/59), A Cruz na Praça (1958) e assumiu a direção em andamento de Barravento (1961-65), consagrando-se como cineasta com Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967). Apesar de sua frutífera filmografia, é difícil classificar o trabalho deste autor complexo e vanguardista, cujas obras encontram-se no limite entre a genialidade e a loucura.
É no final da década de 60 que Glauber parte do Brasil, exilando-se na Europa, depois em Cuba e nos EUA. Só na década seguinte retorna ao país, realizando obras polêmicas para a televisão e um longa - cujas críticas foram muito negativas - A Idade da Terra, de 1980.
Um de seus trabalhos mais polêmicos foi o curta-metragem semi-documental Di, de 1977. Ao tomar conhecimento da morte do amigo e pintor Emiliano Di Cavalcanti, o cineasta e sua equipe correram para o Museu de Arte Moderna do Rio, onde o corpo do artista estava sendo velado. Lá dirige um filme onde manifesta sua perplexidade, sua indignação e sua impulsividade poética. No filme, Glauber intercala partes do seu discurso apaixonado com trechos de uma crítica de Frederico de Morais e do poema Balada de Di Cavalcanti, de Vinícius de Moraes.
O filme foi interditado durante anos por uma medida judicial da família do pintor, que proibiu a exibição pública do documentário.
"Quando Di morreu, eu apenas improvisei em cima de fatos. Como eu estava duro, pedi a vários colegas cineastas pedaços de filmes virgens, chegando a
juntar 800 metros de colorido. Peguei também uma câmara emprestada do Nelson Pereira dos Santos.[...] Fui ao velório, no Museu de Arte Moderna e ao
enterro, no São João Batista. Dirigi o fotógrafo Mário Carneiro na tomada das cenas. Aí já estava decidido a fazer um filme sobre a morte de Di. Uma
homenagem de amigo para amigo. As poucas pessoas que estavam lá ficaram chocadíssimas, claro. Diziam que eu estava tumultuando o enterro, estava profanado um ato católico. Não é nada disso. Meu filme é um manifesto contra a morte. Da morte nasce a vida. Di era um homem alegre, um homem que, com toda a certeza, também gostava de enterros. E eu quis, além de prestar-lhe uma homenagem, contestar os princípios fundamentais da lógica." (Glauber Rocha)